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Percepção de professores e alunos sobre o uso de tecnologias interativas nas aulas de Educação Física

Introdução

A Educação Física Escolar brasileira enquanto disciplina é um componente obrigatório garantido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 (BRASIL,1996). Apesar de sua obrigatoriedade, e reconhecendo seu papel formador e incentivador, alguns estudos apontam uma diminuição no interesse dos alunos nas aulas de Educação Física Escolar (Chicati, 2000; Celestrino & Dos Santos Costa, 2006; Januário, Colaço, Rosado, Ferreira & Gil, 2012; Paludo, 2015).

Os possíveis motivos do desinteresse para a realização das aulas consideram a predominância do conteúdo desporto (negligenciando outros), falta de habilidades (competências) e oportunidades para participação no desenvolvimento da disciplina (autonomia), carência de materiais e bons locais para a prática das atividades (Chicati, 2000; Aniszewski, Henrique, de Oliveira, Alvernaz & Vianna, 2019; Estevan et al, 2021).

Recentemente, a literatura tem apontado que inovações tecnológicas podem ser utilizadas como estratégia para motivar a prática de diversas atividades (Brown, Burriss, Snead & Burriss, 2020; Della Corte et al, 2021). Alguns estudos têm utilizado redes sociais (facebook, instagram, whatsapp), smartphones, tablets e games como métodos para o ensino de diversos conteúdos (Nascimento & Garcia, 2014; Ruis, Tamariz e Batista, 2017; Scherer & de Farias, 2018). Vale ressaltar, que a utilização de ferramentas tecnológicas e interativas como os games, podem ser capazes de criar um ambiente favorável para possibilitar a motivação, prazer, aprendizagem e cognição entre os alunos (Behnamnia, Kamsin, Ismail & Hayati , 2020; Amzalag, 2021).

Apesar disso, o uso da tecnologia durante as aulas de Educação Física Escolar sugere um cenário desafiador, trazendo consigo barreiras e dificuldades de implementação tais como a falta de estrutura das escolas e/ou limitações no processo formativo dos professores no que diz respeito a utilização de tecnologias (Voelzke, Paganotti e Assis, 2019; Soares, Tarouco e Silva, 2022).

Do ponto de vista do processo ensino aprendizagem, não se sabe ao certo se a falta de utilização da tecnologia estaria relacionada à ausência de capacitação dos professores, ou, se estaria relacionada a familiarização tecnológica, mesmo porque os professores familiarizados com as tecnologias tendem a enxergar de forma positiva o uso desta ferramenta em suas aulas (Xu e Zhu, 2020; Cheng, Chuang e Smith, 2022). Portanto, o objetivo do presente estudo foi verificar a percepção de professores e alunos sobre a utilização de tecnologias interativas nas aulas de Educação Física Escolar em escolas da rede pública da Região Metropolitana do Recife.

Métodos

Tipo de estudo

Esta pesquisa é de caráter descritiva, quantitativa e transversal.

Amostra

A amostra foi selecionada por adesão e de forma não intencional, sendo composta por 71 alunos, ambos os sexos, do Ensino Fundamental II (turmas a partir do sexto ano) e do Ensino Médio, regularmente matriculados em três escolas da rede pública do Recife (PE-Brasil) e que não apresentassem limitações para a participação nas aulas de Educação Física. Também fizeram parte da amostra seis professores de Educação Física Escolar, com mais de seis meses de atuação na área. Adotamos como critério de exclusão professores que ministram aulas de Educação Física, mas não possuem formação na Licenciatura em Educação Física, além de escolas que não ofereciam aulas da referida disciplina pelo menos duas vezes por semana.

Instrumento e procedimentos

Após as anuências das escolas para a realização do estudo assim como do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (CEP-CCS-UFPE) - CAAE: 97387018.7.0000.5208 e parecer n. 3.007.884, fizemos contato com os professores de Educação Física e em seguida com seus alunos.

Todos os participantes da pesquisa acima de 18 anos receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), assim como os alunos o Termo de Assentimento Livre Esclarecido (TALE), no qual foram explicitados os objetivos do estudo, procedimentos, benefícios e possíveis riscos relacionados à pesquisa. Vale destacar que foi garantida a confidencialidade e o anonimato do sujeito avaliado como meio para minimizar os riscos inerentes ao estudo e a pesquisa atendeu às normas do CEP-CCS-UFPE e aos pressupostos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde - Ministério da Saúde.

Para mensurar a percepção de professores Educação Física Escolar foi utilizado o questionário adaptado do estudo de Russell (2007), constituído por 15 questões fechadas e duas abertas referentes à percepção dos professores sobre o uso das tecnologias como uma ferramenta ou técnica para aulas de Educação Física escolar. No caso dos alunos, o instrumento teve quatro questões fechadas. O preenchimento dos questionários foi realizado por meio de formulários online construídos no Google Forms (para acesso: https://forms.gle/NTunwoxegSgdWidz7 e https://forms.gle/CgKrRvgTePT5q24b9).

As coletas foram realizadas em salas anexas a escola e em suas respectivas quadras. Para o preenchimento dos questionários pelos professores, em comum acordo, estabelecemos um horário diferente das aulas. Os alunos, por sua vez, responderam ao questionário no término das aulas (modelo acordado entre os pesquisadores e os docentes).

Em relação à definição de termos, para tecnologia no geral adotamos o mesmo significado apresentado em Russell (2007), sendo considerada como todos os componentes da tecnologia da informação usados na entrega de materiais educacionais dentro do currículo e incluem, mas não limitam, CDs, DVDs, fitas de áudio, apresentações de slides, uso geral do computador. Para definição de Vídeo Game Interativo (VGI), tecnologias que permitem a participação dos alunos em atividades físicas em um formato interativo usando a assistência de monitores de vídeo, sensores de movimento e software de videogame. As coletas de dados foram realizadas entre os meses de junho a dezembro de 2018.

Análise estatística

Para a análise dos dados foi realizada a estatística descritiva (média, desvio padrão, intervalo de confiança e distribuição em frequência e percentual) a partir do software Statistica 12.5 para Windows.

Resultados

Os professores entrevistados apresentaram idade de 37(±8,8) anos, experiência profissional em escolas de 12(±6,8) anos, 4,3(±1,5) aulas por semana e 32,2(±4,5) alunos por turma. Na Tabela 1, são apresentadas as perguntas e respostas em relação ao acesso, utilização e integração da tecnologia no ensino para os professores. Podemos destacar que os professores foram unanimes em considerar “muito importante” ou “importante” estes três aspectos associados a tecnologia no ensino.

Na Tabela 2, são apresentadas as respostas dos alunos e professores para a frequência de utilização (integração) de tecnologias nas aulas de Educação Física. Apesar de 83,3% dos professores afirmarem utilizar “regularmente” a integração de tecnologias nas aulas de Educação Física, 60,5% dos alunos, afirmam que “nunca” (15,4%) ou “quase nunca” (45,1%) ocorre a utilização deste método.

Na Tabela 3, são apresentadas perguntas relacionadas a percepção e a crença sobre o uso de tecnologias relacionadas ao ensino da Educação Física. Neste aspecto, a maioria dos professores acredita que a tecnologia modificou “um pouco” tanto os programas de Educação Física (83,3%) como o seu modo de ministrar suas aulas (66,7%). Apenas 16,7% consideraram que a tecnologia modificou “muito” tanto os programas de Educação Física como o modo de ministrar as aulas (16,7%), nenhum dos respondentes indicou que a tecnologia não modificou de modo nenhum o ensino. Em relação aos alunos, 47,9% expressaram que a tecnologia modificou um pouco o modo de ensino dos programas de Educação Física, e, 46,5% informaram que a tecnologia mudou “um pouco” o modo como os seus professores ministraram as aulas. Destacamos ainda que 38% consideraram existir muita modificação na forma com que a Educação Física foi ensinada. De modo geral, 29,6% dos estudantes afirmaram que houve muita modificação no modo como os seus próprios professores ministram as aulas e planeja seu currículo.

Na Tabela 4, são apresentadas a compreensão de alunos e professores na possível utilização do VGI para facilitar o ensino e aprendizagem nas aulas Educação Física. A maioria dos alunos (61,9%) possui uma compreensão de que os VGI poderiam ser uma ferramenta eficaz de ensino/aprendizagem. Entre os professores, 33,3% se demonstram confiantes na ferramenta para ensino/aprendizagem, mas 33,3% apesar de saber usar, têm dúvidas como utilizá-la para promover ensino/aprendizagem.

A questão 15, foi direcionada exclusivamente aos professores sobre a autopercepção em relação ao conhecimento, a experiência, ao conforto e a antecipação de uso para jogos como, Dance Dance Revolution, Eye Toy (Playstation), Xavix, CatEye, Sportwall, Cyber Trazer, V-cycling, Powergrid, Makato, Just Dance (dança), Pro Evolution Soccer-PES, FIFA e o NBA Live, que representam exemplos de tecnologias interativas. Foram unânimes para autopercepção de nenhum conhecimento, experiência e conforto na possibilidade de utilização dos jogos EyeToy, Xavix, CatEye, Sportwall, Cyber Trazer, V-Cycling, Powergrid e Makato como ferramenta de ensino. Curiosamente, metade dos professores (50%) se autopercebem com conhecimento, experiência e conforto para utilizar os jogos Dance Dance Revolution, Just Dance, PES, Fifa e NBA como ferramenta de ensino.

Nas questões 16 e 17 (abertas), os professores discorreram sobre as barreiras, limitações e possibilidades para a utilização de VGI nas aulas de Educação Física. Os docentes indicaram que uma das principais barreiras para o uso dessa ferramenta nas aulas é a falta dos equipamentos por conta do seu alto valor para aquisição e a falta de capacitação e conhecimento dos professores, mas que é possível utilizar os VGI nas aulas.

Discussão

A utilização das tecnologias para potencializar os processos de ensino e aprendizagem cresce exponencialmente e parece que no contexto da Educação Física Escolar o cenário ainda é desafiador. Desta forma, o presente estudo objetivou verificar a percepção de professores e alunos sobre a utilização de tecnologias interativas nas aulas de Educação Física Escolar. Nossos resultados indicam que 66,7% dos professores não estavam confiantes ou não sabiam utilizar Vídeo Games Interativos (VGI) para promover uma aprendizagem eficaz nas aulas de Educação Física Escolar. Em contrapartida, a maioria dos alunos (61,9%) afirmaram que estavam confiantes em utilizar os VGI para promoção de uma aprendizagem eficaz, apesar dos baixos índices de integração prévia nas aulas de forma regular (17%). Por fim, poucos estudantes indicaram não saber (16,9%) ou não sentir confiança (4,2%) na utilização da tecnologia durante as aulas.

De acordo com Sahu & Sekhar (2022), quanto mais jovem for o indivíduo, maior será a probabilidade de sua exposição com tecnologias interativas. Tal fato pode ter sido um dos motivos para explicar a disparidade dos apontamentos de professores e alunos sobre a frequência de integração da tecnologia geral nas aulas em nosso estudo. Outros possíveis motivos para essa diferença pode ser o índice de faltas (não analisamos a frequência média de cada aluno) ou não recordar as informações no momento do preenchimento do questionário.

Os resultados do presente estudo indicam que o conhecimento, a experiência e a antecipação no uso das tecnologias interativas incluindo o vídeo game, proporcionam maior conforto ao manusear esses instrumentos, sendo variáveis diretamente relacionadas. Especificamente, a integração das tecnologias interativas tem um impacto positivo no desenvolvimento do pensamento criativo entre professores de Educação Física (Xing & Qi, 2022). O professor tem a possibilidade de mediar a aprendizagem utilizando o ambiente presencial e virtual quando incorpora no cotidiano escolar as tecnologias que já conhece e utiliza para abordar conteúdos nas aulas de Educação Física, e esse princípio também pode ser aplicado a outras áreas de conhecimento como ciências da saúde de modo geral (Vaghetti, Vieira & Da Costa Botelho, 2016).

Diante dos benefícios e contribuições que o uso da tecnologia proporciona ao campo educacional, a Educação Física é uma das disciplinas que podem usufruir da sua influência, essa aproximação pode potencializar positivamente a fixação e compressão dos conteúdos (Koekoek, Van Der Kamp, Walinga & Van Hilvoorde, 2019). Entretanto, não podemos negar as limitações existentes nesse processo, fatores como a falta de equipamentos e capacitação dos professores torna a adoção de tais medidas um desafio para o desenvolvimento da metodologia de ensino.

Para a falta de equipamentos uma possível solução seria a criação de exergames a partir da utilização de smartphones, algumas práticas corporais poderiam ser implementadas através de uma plataforma digital para trabalhar vários tipos de exergames, como pôde ser visto na adaptação do Running Othello 2 (Lindberg, Seo & Laine, 2016). Outra possibilidade seria a utilização de aplicativos que fazem o uso de recursos GPS (Global Position System), o MobileKids Monster Manor (MKMM) desenvolvido no Canadá, por exemplo, que utiliza o acelerômetro do smartphone para computar e registrar dados da atividade física, os passos dos jogadores são trocados por pontos e recompensas durante o jogo (Garde et al, 2018).

No tocante à falta de capacitação dos professores, uma possível solução seria a utilização de exergames com instruções claras e detalhadas das tarefas que seriam executadas durante as abordagens. Outro ponto importante seria a garantia de que os cursos de formação em licenciatura em Educação Física teriam em sua grade curricular, como componente obrigatório tecnologias no ensino da Educação Física, visto que são raros os cursos que ofertam estes conteúdos de forma transversal ou mesmo como um componente curricular exclusivo para este assunto. Diante disso, destacamos a necessidade de investimentos na formação inicial e continuada dos professores no que diz respeito a aproximação e desenvolvimento de habilidades digitais para fins pedagógicos, aqueles com maior aproximação prévia das tecnologias têm demonstrado maior conforto e facilidade para ministrar aulas de forma remota.

Embora o presente trabalho tenha apresentado um número limitado de participantes, buscamos representar os principais atores no processo de ensino e aprendizagem com a utilização da tecnologia. Além disso, a investigação abordada pode gerar reflexões sobre o contexto de ensino.

Do ponto de vista das políticas públicas, considerando a baixa expressão dos exergames em sensibilizar mudanças nas políticas para a Educação Física, os resultados positivos podem inspirar os governantes responsáveis pelas decisões em favor da elaboração de políticas públicas para garantir financiamento e manutenção do uso dessas ferramentas, sobretudo no ensino público, juntamente com o incentivo da formação inicial e contínua dos professores explorando essas ferramentas. É notório que essa ferramenta não pode ser utilizada de forma aleatória e isolada no currículo, sendo necessário que os professores façam a mediação do conhecimento para a formação dos estudantes. Além disso, instituições que prezam pela saúde como Organização das Nações Unidas (ONU) e o American College of Sports Medicine (ACSM) tem promovido e divulgado informações sobre atividades que estimulam a utilização de tecnologias para a prática de atividades físicas em casa, sobretudo quando se existe a impossibilidade de deslocamento (ACSM, 2020; World Health Organization, 2020).

Vale ressaltar que a coleta de dados do presente estudo foi realizada antes da pandemia do COVID-19. Com distanciamento social durante a pandemia houve o fechamento dos espaços públicos como as instituições educacionais em todo o mundo, fato que impulsionou fortemente a aplicação de recurso tecnológicos para garantir a continuidade do ensino (Batanero, Rueda, Cerero & Tadeu 2022; Maldonado, Mastache, Ríos & Gómez, 2021).

Este contexto desencadeou reformas expressivas no âmbito educacional, abrindo caminho para a utilização de plataformas tecnológicas e ferramentas digitais, recursos que desempenharam um papel importante em minimizar o impacto da pandemia sobre o sistema educacional. Fato que pode ser evidenciado a partir das pesquisas e investimentos evidenciando que o uso intensivo da tecnologia pôde garantir uma instrução inovadora e interativa, auxiliando o processo de ensino-aprendizagem (Vishnu et al, 2022; Almahasees, Mohsen & Amin, 2021; Adedoyin & Soykan, 2020). Sendo assim, percebemos que a tecnologia está ganhando cada vez mais visibilidade com aplicabilidade em diversas áreas, de forma específica para a área educacional e, desta forma, estudos que utilizam recursos tecnológicos devem ser incentivados.

Conclusões

Essa pesquisa traz reflexões sobre questões positivas e limitantes no uso de tecnologias interativas, analisando uma parte do cenário atual da Educação Física escolar e sendo de extrema importância para reconhecimento e planejamento de aulas com foco nas práticas pedagógicas inovadoras. Observamos diferentes percepções de professores e alunos no tocante ao uso de tecnologia, mas com concordância quanto a possibilidade de utilizar essa ferramenta para uma aprendizagem eficaz, demonstrando que a prática pedagógica pode se basear em elementos comuns a cultura dos estudantes, desde que seja bem orientado e com a capacitação do uso dos professores e trazendo a sua devida contextualização para o âmbito educacional.

O interesse pelo uso de variados recursos tecnológico para fins pedagógicos está em franca expansão, porém é essencial a análise e planejamento curricular de forma antecipada. Assim os professores estarão preparados para mediar o processo de ensino aprendizagem, sendo facilitadores do conhecimento e garantindo uma formação integral para os estudantes, com responsabilidade e limites.

A necessidade dessa integração ficou ainda mais evidente após o surgimento da pandemia do COVID-19 que modificou o local de sala de aula, como também das aulas de Educação Física Escolar, se baseando massivamente no uso de tecnologia para o acompanhamento remoto dos alunos. A capacitação dos professores para usar tais ferramentas é indispensável para garantir a inclusão destas como uma metodologia de ensino, de forma que sejam evidenciados os fins pedagógicos deste recurso para a aprendizagem.

Referências

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