Educación Física y Ciencia, vol. 24, nº 3, e227, julio-septiembre 2022. ISSN 2314-2561
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Departamento de Educación Física

Artículos

“Faz parte da vida do ciclista”: endereçamentos a partir do canal Pedaleria no Youtube

Brayan Cravo Valentim

Centro Universitário Internacional UNINTER, Brasil
Gustavo da Silva Freitas

Instituto de Educação, Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Brasil
Cita sugerida: Valentim, B. C. y Freitas, G. S. (2022). “Faz parte da vida do ciclista”: endereçamentos a partir do canal Pedaleria no Youtube. Educación Física y Ciencia, 24(3), e227. https://doi.org/10.24215/23142561e227

Resumo: O uso expansivo das mídias digitais trouxe um consumo crescente de informações acerca de temas esportivos. Assim, este estudo identificou parte dos conteúdos publicados pelo canal de ciclismo Pedaleria no Youtube, descreveu as fontes e formatos utilizados por ele, bem como discutiu as interfaces entre o conteúdo produzido pelo canal e os conhecimentos em torno da Educação Física. O material empírico foi constituído por 36 vídeos vinculados às playlists “Saúde” e “Treinos”. As análises envolveram um trabalho qualitativo com imagens que passou pela criação de um sistema de anotações composto por um roteiro de três perguntas. Sobre os conteúdos, concluímos que o canal evidencia preocupações de ordem médica, física e técnica. Já as estratégias expositivas endereçam uma ideia de facilitação à vida do usuário para a prática do ciclismo, combinando conhecimentos da área da saúde e experiências pessoais, na intenção de educar a audiência em como se tornar um ciclista.

Palavras-chave: Educação física, Mídia, Ciclismo, Youtube.

“Part of a cyclist’s life”: Approaches by the YouTube channel Pedaleria

Abstract: The expansive use of digital media has brought an increasing consumption of sports-related information. For this reason, this paper identified part of the contents uploaded to the cycling channel Pedaleria on YouTube, reported the sources and formats used, and also discussed the interfaces between the content produced by the channel and the knowledge about Physical Education. The empirical material consisted of 36 videos linked to “Health” and “Training” playlists. This review involved qualitative work with images that went through the creation of a notetaking system consisting of a script of three questions. With regard to the contents, we concluded that the points of interest of the channel belong to the medical, physical, and technical fields. The expositive strategies, on the other hand, aim at making users’ lives easier to encourage the practice of cycling, combining personal experiences and healthcare information, with the intention of nurturing the audience on how to become a cyclist.

Keywords: Physical education, Media, Cycling, YouTube.

“Es parte de la vida del ciclista”: abordajes del canal Pedaleria en YouTube

Resumen: El uso expansivo de los medios digitales trajo un creciente consumo de informaciones sobre temáticas deportivas. Por tanto, este trabajo identificó parte de los contenidos publicados por el canal de ciclismo Pedaleria en YouTube, describió las fuentes y los formatos utilizados y también discutió sobre las interfaces entre el contenido producido por el canal y los conocimientos sobre Educación Física. El material empírico consistió en 36 videos vinculados a las listas de reproducciones “Salud” y “Entrenamiento”. El análisis comprendió un trabajo cualitativo con imágenes que incluyó la creación de un sistema de anotaciones compuesto por un guión de tres preguntas. En cuanto al contenido, concluimos que el canal presenta preocupaciones de orden médico, físico y técnico. Por otro lado, las estrategias expositivas abordan la idea de facilitarle la vida al usuario para practicar ciclismo, conjugando conocimientos en el área de la salud y vivencias personales, con la intención de educar a la audiencia sobre cómo convertirse en ciclista.

Palabras clave: Educación física, Medios de comunicación, Ciclismo, YouTube.

Introdução

Este estudo mobiliza um conhecimento em torno da prática do ciclismo e suas interfaces com a mídia, particularmente aquele que está acessível via internet. Tomamos a noção de mídia como uma entidade complexa e com múltiplas dimensões, cuja tecnologia para veiculação dos produtos depende de uma estruturação institucional composta por indústrias (fornecedoras de equipamentos), governos (reguladores da relação mídia-sociedade), universidades (formadoras de profissionais) e as próprias empresas que com ela operam (Gastaldo, 2009).

Reconhecidamente, esta ferramenta vem sendo explorada como ampla fonte de comunicação e acesso à informação para além do aspecto do entretenimento. Indicadores brasileiros apontam que entre 2016 e 2019, a população nacional que utilizava a internet a partir de qualquer local passou de 64,7% para 78,3% e que, além disso, houve um crescimento de 81,8% para 88,4% entre os entrevistados cuja finalidade de acesso era assistir vídeos, inclusive programas, séries e filmes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019).

Os números sinalizam que o modo de vida contemporâneo vem sendo afetado por uma cultura digital crescente que pode ser entendida como “formas de sociabilidade decorrentes e alimentadas pelas redes de informática e pela realidade virtual” (Mendes, 2020, p. 29). Baseada nessa cultura, tornou-se comum não só trabalharmos, nos relacionarmos, consumirmos, como também nos exibirmos no chamado ambiente virtual (Bauman, 2011).

Como dito por Burgos (2017, p. 27), a “la llamada era de la información há suscitado profundas transformaciones em los diversos órdenes de la vida social”. Em grande parte, essa transformação foi motivada pela expansão e dinamicidade com que as tecnologias móveis digitais de comunicação e informação foram incorporadas ao cotidiano. Em que pese as desigualdades econômicas, sociais, étnico-raciais, de gênero, geracionais, entre outras, que torna o acesso a estas tecnologias uma condição de privilégio, não se pode descartar que os usos e significados atribuídos a elas expressam culturalmente as relações fluídas, contínuas e de comunicação instantânea caracterizadas pelo que Deleuze (2010) chamou de sociedade de controle.

A inexistência de um lugar e um tempo específicos para se conectar à internet trouxe alterações significativas para os processos educacionais, políticos, laborais e, sobretudo, comunicativos. Isto porque, diferentemente do jornal impresso, do rádio e da televisão que são meios analógicos e massivos de comunicação que se caracterizam pelo “repasse de informações de um pólo emissor para muitos receptores, em fluxo unilateral, a comunicação digital da internet é rizomática, distribuída, ramificada, compondo a noção de ‘rede’” (Mendes, 2020, p. 30).

Um fator preponderante para o alcance desta configuração ramificada está relacionado ao deslocamento da posição do usuário desde o surgimento da internet. De um início restrito a universidades e órgãos governamentais (Gestchko, 2009), transitando para leituras das publicações de conteúdos e informações feitas por terceiros a partir da criação do WWW, neste momento estamos diante de um protagonismo do usuário na criação e compartilhamento dos conteúdos (Mendes, 2020). Corroborando com a ideia, Burgos (2017, p. 28) afirma que “este sujeto que emerge em dicha cultura digital se erige como un sujeto que no solo consume produtos mediáticos, sino que es um prosumidor1, que participa activamente creando contenidos digitales”. Além disso, esta passagem dos usuários de espectadores para consumidores e produtores de conteúdo, diz Silva (2016), foi possível devido ao fato da linguagem e conhecimento em programação deixarem de ser imprescindíveis nesse processo.

Assistimos, assim, uma proliferação de aplicações on-line que se caracterizam pela interatividade e a usabilidade da internet, redimensionando os ditos espaços educativos contemporâneos. Configuram-se como exemplos: as próprias redes sociais digitais (Google+, Facebook, LinkedIn), os blogs e microblogs (Blogger, Wordpress, Twitter), os ambientes virtuais de aprendizagem (Moodle, Blackboard, Edmodo), as ferramentas de construção colaborativa (Google Drive, Prezi, Wikis) e os compartilhadores de vídeos, entre eles o YouTube (Silva, 2016), recorte espacial de interesse deste estudo.

De acordo com Burgess e Green (2009) o site YouTube foi fundado e lançado em junho de 2005 com o propósito de ser um repositório de vídeos e que se tornou uma ferramenta popular de caráter participativo ao integrar-se com outras redes sociais. Conforme dados do próprio YouTube, mais de dois bilhões de usuários acessam a plataforma todos os meses, e assistem mais de um bilhão de horas de vídeo diariamente; e os canais com mais de um milhão de inscritos cresceram acima de 65% ano a ano (YouTube, 2020). Essas grandezas estimam o quanto a plataforma pode funcionar como um espaço educativo, já que os audiovisuais disponíveis no YouTube, entendidos como artefatos culturais, endereçam representações acerca de determinados conteúdos.

Um conjunto de canais disponíveis na plataforma com significativa produção de conteúdo está vinculado ao ciclismo. Não obstante, o interesse volta-se a esta prática corporal justamente pela percepção do quanto a bicicleta vem ocupando gradativamente um lugar de destaque no Brasil. Para além da pauta recorrente de torná-la uma alternativa viável na busca da mobilidade urbana sustentável (Carvalho e Freitas, 2012; Alves e Cunha, 2017), o ciclismo vem obtendo visibilidade crescente por ser uma opção exequível para promoção de atividades físicas, demanda baixo custo de manutenção, desafoga o transporte público e oportuniza modos de trabalho (Nichele, 2021). Em um estudo de revisão sobre o ciclismo/bicicleta e suas relações com a educação do corpo, Pacheco e Velozo (2017) identificaram que desde o início do século XXI a comunidade científica brasileira vem intensificando os estudos neste campo, com maior volume naqueles cuja matriz está baseada nas ciências sociais e humanas em comparação às ciências biológicas e naturais.

Por outro lado, estudos revelam a existência de determinadas barreiras na usabilidade da bicicleta, tais como falta de segurança relacionada ao alto fluxo de tráfego motorizado e ao crime, a inexistência ou as más condições das ciclofaixas e ciclovias, as questões climáticas relacionadas ao calor ou frio intenso e chuvas, o medo de acidentes, e os longos trajetos a serem percorridos (Kienteka, Camargo, Fermino e Reis, 2018; Camargo, Fermino, Anez e Reis, 2014). Além disso, há que se considerar que, do ponto de vista socioeconômico, a utilização da bicicleta ao redor do mundo está vinculada a pessoas de baixa renda (Tiwari e Jain, 2008; Mokitimi e Vanderschuren, 2017; Andrade, Rodrigues, Marino e Lobo, 2016).

Nesse sentido, nosso olhar volta-se às apropriações que um canal de ciclismo no YouTube visibiliza sobre esta prática. Tal atitude é necessária porque um dos principais geradores de sentido e significado acerca do corpo, das atividades físicas e dos esportes “são as produções culturais provenientes das práticas de interação, produção, circulação e consumo de informação e serviços pela internet” (Mendes, 2020, p. 40).

O canal selecionado chama-se Pedaleria (Figura 1) que conta, aproximadamente, com 1,42 milhões inscritos e mais de 208 milhões de visualizações2. Criado em dezembro de 2013, ele anuncia que “surgiu para ajudar todos os ciclistas, independente se ele é profissional ou leigo”, e que graças ao conhecimento do responsável pelo canal no setor de bicicletas há mais de 30 anos, tem a intenção de compartilhar “dicas importantes para toda galera que pedala” (Pedaleria, 2021).

Figura 1
Tela de entrada do Canal Pedaleria no YouTube
Tela de entrada do Canal Pedaleria no YouTube
Fonte: https://www.youtube.com/c/Pedaleria/featured. Acesso em 05.05.21

Partindo do princípio que os conteúdos gerados pelo Pedaleria contribuem para educar o público assistente a assumir formas de ser um ciclista, este artigo teve por objetivo identificar parte dos conteúdos expostos pelo canal, descrever as fontes e formatos utilizados por ele e seus respectivos modos de exposição, bem como discutir as interfaces entre o que é produzido pelo canal e os conhecimentos que tocam a Educação Física. Em geral, observa-se que esta área acumulou até então uma produção científica acerca do ciclismo que enfatiza elementos históricos (Frosi, Cruz, Moraes e Mazo, 2011; Lessa, Moraes e Silva, 2017); que aborda as políticas públicas de mobilidade e cultura do ciclismo nas cidades (Teixeira, Oliveira, Oliveira e Feitosa, 2016; Santana, Rechia e Rodrigues, 2017; Troncoso, Puttini, Júnior e Toro-Arévalo, 2018); ou ainda que trata das implicações fisiológicas e biomecânicas em sua prática (Kleinpaul, Mann, Diefenthaeler, Moro e Carpes, 2010; Carneiro, Bortolotti; Camata, Bigliassi, Kanthack e Altimari, 2013; Andrade, Santos, Aniceto e Souza, 2018).

Entendemos que este tipo de investigação contribui para os estudos midiáticos à luz do que Ellsworth (2001) nomeou por modos de endereçamento. A autora cunhou este termo a partir das teorias do cinema mostrando o quanto podemos ser educados pelos modos de endereçamento produzidos pelos filmes que, assim como os livros, as cartas, os comerciais de televisão, entre outros produtos, visam e imaginam determinado público, tem a “necessidade de endereçar qualquer comunicação, texto ou ação para alguém” (Ellsworth, 2001, p. 24).

Segundo Mezzaroba e Bitencourt (2020), depois da mídia impressa e da televisão, o advento da internet prepondera hegemonicamente como meio de comunicação e, portanto, vem canalizando movimentos analíticos sobre os nossos atuais modos de ser. Considerada “a mídia da contemporaneidade, por ser uma plataforma híbrida que aglutina todas as demais mídias”, o que se necessita é melhor compreendê-la, já que a cultura digital está intrinsecamente vinculada à vida diária e todas as suas dimensões ( Mezzaroba e Bitencourt, 2020, p. 120).

Metodologia

O canal Pedaleria é organizado de forma que existem os vídeos públicos, disponíveis para qualquer usuário assistir, e os vídeos exclusivos destinados àqueles que possuem o programa de membros assinantes. São dois programas de membros oferecidos pelo canal, conhecidos como nível 1 e 2, cada um com seu respectivo valor. Cada nível oferece seus benefícios, como transmissões restritas e brindes após determinado tempo de assinatura. Para este trabalho, nos limitamos a utilizar como fontes somente os vídeos de acesso público.

Os vídeos são dispostos em playlists, cada uma com sua temática. Essa estratificação é definida pelos próprios responsáveis do canal. Até fevereiro de 2020, existiam 45 playlists conforme descrição feita na Tabela 1. Constatamos uma duplicidade de títulos nas playlists “Interbike 2016” e “Downhill”, no entanto, as contabilizamos individualmente porque assim apareciam no canal.

Tabela 1
Relação das playlists do canal Pedaleria
Relação das playlists do canal Pedaleria
Fonte: Elaborado pelos autores

Das 45 playlists existentes, duas chamaram atenção para uma análise mais profunda, escolhidas de maneira intencional por serem as mais acompanhadas pela autoria e por seus termos projetarem possíveis acepções sobre esta prática. São as playlists intituladas “Saúde” e “Treinos”. A primeira teve seu primeiro vídeo postado em fevereiro/2016 e trata desde então de assuntos referentes aos ajustes do ciclista à bicicleta, treinamentos focados na melhora das capacidades físicas do indivíduo e alimentação. A segunda explora o mundo da bike, em que o objetivo é treinar e experimentar diferentes modalidades, especialmente adquirir experiências sobre duas rodas para que o indivíduo possa se filiar ao ciclismo, com publicação do primeiro vídeo em novembro/2017.

Devido à inconsistência na periodicidade das postagens dos vídeos, alguns publicados no intervalo de menos de uma semana e outros com mais de um mês de diferença, optamos por formar o corpus empírico com a totalidade de ambas as playlists, o que significou 36 vídeos analisados. Em um primeiro levantamento sobre o material foram mapeadas as seguintes informações sobre cada vídeo: data de publicação; duração do vídeo; conteúdo a que se referiu; local da gravação; presença de especialista. Deste mapeamento chegamos às seguintes tabelas:

Tabela 2
Levantamento de dados sobre os vídeos da playlist Saúde
Levantamento de dados sobre os vídeos da playlist Saúde
Fonte: Elaborado pelos autores

Tabela 3
Levantamento de dados sobre os vídeos da playlist Treinos
Levantamento de dados sobre os vídeos da playlist Treinos
Fonte: Elaborado pelos autores

Tabela 4
Levantamento de dados dos vídeos que aparecem em ambas playlists – Saúde e Treinos
Levantamento de dados dos vídeos que aparecem em ambas playlists – Saúde e Treinos
Fonte: Elaborado pelos autores

A análise dos vídeos seguiu as considerações de Loizos (2002) sobre as três tarefas necessárias ao trabalho qualitativo com imagens. Inicia pelo “exame sistemático do corpus de pesquisa”, passa para a criação de “um sistema de anotações em que fique claro porque certas ações ou sequência de ações devem ser categorizadas de um modo especifico”; e finaliza com o “efetivo processo analítico da informação colhida” (Loizos, 2002, p. 149).

O sistema de anotações que orientou um segundo mapeamento do material foi composto por um roteiro de três perguntas: a) em que momento o vídeo traz o chamado especialista e que conhecimento é apresentado?; b) quais as fontes ou bases referenciais utilizadas para argumentar em favor do conhecimento tratado?; c) como o vídeo produziu chamadas no sentido de tornar o expectador um ciclista? Para a aplicação deste instrumento os vídeos foram assistidos, pelo menos, duas vezes.

Em termos gerais, os levantamentos mostraram que os vídeos das duas playlists são relativamente recentes, datados de 2016 em diante, sendo os menores com aproximadamente 1 minuto e os maiores com duração em torno de 18 minutos. Tais vídeos foram gravados tanto em ambientes abertos quanto fechados, sendo alguns deles com inserção de propagandas e presença de convidados, frequentemente, especialistas da área da saúde.

Resultados e discussão

As análises foram divididas em dois momentos. O primeiro consistiu em identificar os conteúdos do canal relacionando quais os principais eixos abordados por ele na construção dos vídeos nas playlists Saúde e Treinos. Dessa forma, correlacionamos essa produção de conteúdo com os conhecimentos que tocam a Educação Física. O segundo momento desta análise descreveu as fontes e os formatos utilizados pelo canal para entender seus modos de endereçamento (Ellsworth, 2001).

Sobre os conteúdos

Após assistência e análise dos vídeos, os conteúdos das playlists Saúde e Treinos foram categorizados para se chegar àquilo que foi abordado com mais frequência pelo canal Pedaleria, o que pode ser observado na figura a seguir:

Figura 2
Conteúdos das playlists Saúde, Treinos e de ambas
Conteúdos das playlists Saúde, Treinos e de ambas
Fonte: Elaborado pelos autores

Em termos gerais, conforme examinado na Figura 2, do total de 36 vídeos, detectamos a maior fatia destinada ao “Treinamento Físico/Lesões” com 17 episódios. Consideramos para esta categoria os vídeos referentes a exercícios físicos e aqueles que tratam de como prevenir dores. Chama atenção que 16 deles estão ligados a playlist Saúde e um pode ser encontrado em ambas playlists. Desconsiderando este vídeo, “Treinamento Físico/Lesões” é um conteúdo que não está associado exclusivamente ao que o canal organiza e lista como treino.

Ainda em ordem quantitativa, há um segmento de conteúdo que nomeamos de “Treinos/Experiências com bike”, no qual incluímos os vídeos que mostram os diversos locais onde pode ocorrer a prática de pedalar. Este conjunto foi composto por 6 vídeos, sendo que 5 se encontram na playlist Treinos. Este conteúdo não se mostra presente no que o canal chama de saúde e contém um único vídeo quando olhamos para ambas playlists.

Em relação à última das três categorias de conteúdos mais encontrados, temos a parcela destinada aos “Ajustes do ciclista”. Esta esfera compreende as alterações que podemos fazer na bicicleta para nos sentir mais confortáveis durante a prática. Em um total de 5 vídeos, localizamos 4 em uma playlist (Saúde) e somente 1 em outra (Treinos). Sentimos algum estranhamento nestes números, pois um canal que intitula seu objetivo a auxiliar e dar dicas ao ciclista não tem no “Ajustes do Ciclista” o foco principal nas playlists estudadas, mas “Treinamentos Físicos/Lesões”. Por outro lado, podemos considerar que há um entendimento pelos criadores do canal que é exatamente este último o foco que forma prioritariamente um ciclista.

Em menor escala na Figura 2, encontramos as categorias de “Alimentação/Suplementação” e “Outros” contendo 4 vídeos em cada uma delas. Nos “Outros” se encaixam vídeos sobre precauções contra o novo coronavírus3 e acidentes de bike. Neles, há convidados frequentes, como Cleber Anderson que é o Road biker4 da Pedaleria, e participações excepcionais como no caso de um bombeiro falando sobre como proceder em caso de acidentes em trilhas. Esses vídeos foram gravados em formato de bate-papo com a passagem de dicas para os que estão assistindo.

Frente a estas considerações, podemos expressar que para o canal Pedaleria, a noção de saúde exposta pela playlist de mesmo nome está envolta em três eixos principais. O primeiro estabelece a preocupação em possuir um bom condicionamento físico e que o ciclista deve aperfeiçoá-lo ao buscar melhorar a performance. Em determinado vídeo, podemos assistir um dos apresentadores do canal tentando estimular o público neste sentido ao interrogar: “Quer melhorar sua performance na bike, fazer uns treinos mais longos, uns passeios e até umas provinhas, mas sentiu que o seu corpo não tá preparado para isso?” (Trecho extraído do vídeo 28, 11/03/2020).

O segundo eixo está em possuir uma alimentação adequada para otimizar seus resultados. É isto que aparece em declarações como a que foi feita pela nutricionista Lara Natacci ao participar do canal: “Se a gente se alimentar bem antes, durante e depois da atividade física, a gente vai garantir uma boa performance, boa resistência, boa recuperação e ganho de massa muscular” (Trecho extraído do vídeo 13, 21/10/2016). Já o último eixo destaca o processo biomecânico que é ajustar a bicicleta adequadamente ao corpo para que não ocorram desconfortos ou dores durante a prática do ciclismo. Algo que aparece junto a chamadas provocativas, tais como: “Toda vez que você pedala sente as mãos doendo ou formigando?” (Trecho extraído do vídeo 02, 27/02/2016).

Ainda que o canal apresente múltiplos eixos associados à noção de saúde, fica a impressão de uma primazia em destacar elementos que afetam a dimensão biofisiológica do corpo. A prevalência do Treinamento físico/Lesões nesta playlist evidencia a hegemonia da concepção biomédica de saúde pautada no controle dos corpos e eliminação da doença.

No entanto, não se pode descartar a possibilidade desse endereçamento errar o alvo e, de certa forma, ter essa concepção de saúde suspensa em nome de outras variáveis fundamentais que não se resumem ou não priorizam a vertente biológica. Esta suspeita é necessária para não naturalizarmos determinados enunciados proferidos pelos veículos midiáticos e que possamos, neste caso, trazer outras dimensões para compor o conceito de saúde tais como a social, cultural, ecológica, psicológica, econômica, religiosa e política (Rezende e Rezer, 2015).

Ao cotejarmos os conteúdos mais exibidos na playlist Saúde com as abordagens entre ciclismo e Educação Física encontrados na produção científica da área, identificamos uma certa ligação entre os temas. Isto porque, há uma primeira concentração de pesquisas que dizem respeito aos aspectos fisiológicos e efeitos do treinamento físico (Carita, Greco e Pessoa Filho, 2013; Couto, Tomazini, Silva-Cavalcante, Correia-Oliveira, Santos e Dal’Molin Kiss, 2015; Queiroga, Cravazzotto, Katayama, Portela, Tartaruga e Ferreira, 2013; Andrade et. al., 2018), um segundo grupo que trata de questões biomecânicas e técnicas implicadas na prática de pedalar (Kleinpaul, Mann, Reis, Carpes e Moro, 2012; Oliveira, Santana, Moura e Cunha, 2013; Moura, Moro, Rossato, Lucas e Diefenthaeler, 2017), e ainda os que tratam da parte nutricional (Carneiro et al., 2013; Carvalho, 2011).

Já a concepção de treinos para o canal condiz com a amostragem de ambientes diferenciados para a prática. A ideia que circula nos vídeos desta playlist é realçar as distintas vertentes nas quais se pode experimentar o ciclismo. Isto vai desde o nível iniciante quando se ensina alguém a pedalar, passa pela vivência de andar em monociclo, e chega até situações de transferência entre modalidades de duas rodas. Este último caso é visto em um vídeo sobre trilha, quando um convidado diz que: “[...] no mountain-bike a gente teve a oportunidade de começar a trabalhar um aspecto do rolê que eu chamo de crossover wheels, que é a troca das modalidades com duas rodas” (Trecho extraído do vídeo 32, 28/10/2017).

Outra análise fundamental acontece ao cruzarmos determinadas informações da Figura 2 com àquelas contidas nas Tabelas 1,2 e 3. É possível perceber, a depender do assunto, uma correlação padronizada na forma com que esses vídeos são apresentados e a respectiva abordagem dada a ele. Considerando os 36 vídeos analisados, em 16 deles há a presença do chamado especialista, um profissional de determinada área do conhecimento que aborda o assunto ao lado dos apresentadores do programa. A destacar que os 16 vídeos estão inscritos na playlist Saúde, o que dialoga com o tipo de profissional convidado, preponderantemente vinculado à área de conhecimento das Ciências da Saúde (CNPq), totalizando 15 vídeos.

Ao desdobrar estes dados, verificamos que é justamente na categoria com maior incidência de vídeos – Treinamento Físico/Lesões – que está o maior número de vezes em que os especialistas se manifestam. Dos 17 vídeos, em 11 aparece o professor de Educação Física, geralmente para falar sobre preparação física e emagrecimento; ou um fisioterapeuta quando são abordadas possíveis dores decorrentes do pedalar.

Já o nutricionista protagoniza os três vídeos que tratam do conteúdo “Alimentação/Suplementação”, passando dicas e sugestões ao usuário do canal. Excepcionalmente encontramos a presença de um professor de Educação Física ao tratar de suplementação. Na parte de “Ajuste do Ciclista”, normalmente os vídeos aparecem de forma bastante simples e rápida, apresentam dados mais técnicos em uma temática de vídeo mais informal no sentido de transparecer à audiência a facilidade que é fazer esse ou aquele ajuste na bicicleta. Nos vídeos que focam mais em “Treinos/Experiências com bike”, boa parte é gravada ao ar livre, com a presença de um convidado. Serve mais como incentivo para a pessoa tentar e experimentar algo novo do que propriamente passar dicas técnicas.

Sobre as fontes e formatos utilizados nos vídeos

A primeira questão evidente ao investigar as fontes e os formatos utilizados nos vídeos do canal Pedaleria gira, ainda, em torno da presença dos especialistas e a forma como ela é explorada. Vimos que apenas a playlist Saúde concentra as 16 oportunidades em que profissionais de diferentes áreas do conhecimento surgem nos vídeos (Tabela 1).

Constatamos que essa centralização contrasta com uma inconstância no uso de fontes ou bases científicas, pois são poucas as vezes que esses profissionais se remetem a elas. Nesse sentido, percebe-se que a principal referência está na própria voz de autoridade do especialista e na experiencia dos condutores do canal, o que acaba por refletir nos modos de agir e se portar durante os vídeos, seja na linguagem manifesta, na vestimenta utilizada, ou no local de gravação.

Esses modos de agir alteram-se de acordo com o tema tratado, a começar pelo conteúdo mais abordado na playlist Saúde que é o “Treinamento físico/Lesões”. Neste caso, as academias de ginástica são utilizadas como local recorrente para registrar este tema. Há vídeos realizados em estabelecimentos privados, dentro de condomínios residenciais e academias ao ar livre. Verifica-se, portanto, uma intenção de mostrar a academia como um lócus de produção de um corpo treinado.

Em parte, tal endereçamento estandartiza a compreensão deste espaço como uma arquitetura na qual as tecnologias modernas são aplicadas para difundir uma cultura de embelezamento, vigor e de exploração das funcionalidades e potencialidades do nosso corpo, constituindo convicções do que é ter boa aparência (Bastos, Castiel, Cardoso, Ferreira e Gilbert, 2013). De outro modo, podemos pensar que o eixo central reside mais no estímulo do canal para que a audiência incorpore a ideia que treinar é uma ação indispensável à vida de um ciclista do que propriamente isso seja feito em um local específico. Isto porque mesmo na academia, as mensagens parecem bastante preocupadas em antecipar o treinamento como conduta normativa a quem pedala, seja ele feito naquele local ou em qualquer outro em que se precise improvisar.

Os sete vídeos feitos no ambiente da academia contam com a presença regular de um professor de Educação Física. Em geral, ele aparece com roupa esportiva – camiseta, calça ou bermuda de moletom e tênis –, utilizando-se de algumas chamadas que desafiam o usuário a fazer este ou aquele treino. Isso acontece ao ressaltar que a prática é facilmente atingida, quando o professor comenta: “Repararam que a gente utilizou somente o peso do corpo e alguns acessórios que você pode utilizar em casa, na praça ou no parque?” (Trecho extraído do vídeo 05, 21/04/2016). Ou ainda, aparece em questões motivacionais, como em uma chamada de treino ao ar livre para ciclistas, em que é dito: “Então acabou a moleza, não tem mais desculpa, corre para a pracinha mais perto da sua casa e comece os exercícios hoje mesmo” (Trecho extraído do vídeo 04, 04/04/2016).

Esses vídeos nos dão a sensação de que qualquer pessoa leiga no treinamento físico se veja encorajada a assumir a posição expressa pelas chamadas, já que as demonstrações de exercícios tomam grande parte do tempo nessa categoria de conteúdo. Há alguns momentos que uma linguagem mais anatômica é utilizada para explicar um movimento, por exemplo: “O próximo exercício, Mario [preparador físico], é um exercício de fortalecimento do manguito rotador, você vai flexionar e estender abrindo lateralmente o rotador externo da musculatura do ombro” (Trecho extraído do vídeo 11, 15/10/2016). Mesmo nesse caso, que parece atingir àqueles mais entendidos sobre o tema, não deixa desamparados os ditos iniciantes, pois a demonstração é uma estratégia que cobre possíveis incompreensões.

É relevante esclarecer ainda que o canal faz uma associação entre treinamento físico e alimentação como processos que auxiliam o emagrecimento. Isso aparece em observações rápidas em determinados vídeos dentro do treinamento, como por exemplo: “treinos na bike, na academia, só o corpo e com suporte da nutricionista!” (Trecho extraído do vídeo 21, 09/09/2019 – grifos da fonte)5. Na mesma linha, utiliza-se de relatos de participantes que se propuseram a cumprir desafios propostos pelo canal, ao dizerem: “gostei muito da dieta da doutora Fernanda, dos exercícios do Mario Xuxa” (Trecho extraído do vídeo 25, 21/10/2019).

Mario Xuxa é o nome do preparador físico que aparece com regularidade no canal quando se trata de assuntos referentes a emagrecimento e treinamento físico. Frequentemente, junto com os apresentadores, propõe desafios à audiência através de programas de treino e emagrecimento. Estes se caracterizam por ter vagas limitadas, desenvolvimento em módulos e não gratuitos.

Ainda na categoria “Treinamento físico/Lesões”, identificamos endereçamentos com outras configurações nos vídeos sobre lesões. Observamos que, nesse caso, há a presença de uma fisioterapeuta e o local de gravação sempre foi uma clínica. A profissional encontrava-se sempre de jaleco branco, o que histórico e culturalmente remete a uma autoridade médica pela confiança e compaixão que denota, mesmo que ultimamente seu uso sofra críticas pelo elitismo e ansiedade provocada ao paciente (O’Donnell e Chinelato, 2020).

As dinâmicas mantinham uma regularidade em que a fisioterapeuta mostrava peças anatômicas do corpo humano para a audiência entender melhor onde e como ocorreu o trauma, sendo explicados na sequência, a causa, os sintomas e o respectivo tratamento. Essas exposições utilizavam tanto uma linguagem técnica, quanto recursos mais triviais. No primeiro caso, mencionamos a situação em que a fisioterapeuta comenta sobre epicondilite, ao dizer que se trata de um “processo inflamatório dos tendões e dos músculos que estão fixados no cotovelo” (Trecho extraído do vídeo 07, 06/07/2016).

Já a trivialidade foi lançada mão em casos como o do vídeo sobre condromalácia patelar, quando a especialista comentou sobre um dos sintomas que é a crepitação: “sabe aquele barulhinho quando você coloca a mão no joelho e você estica e dobra o joelho parece que tem um monte de areinha?” (Trecho extraído do vídeo 06, 25/04/2016).

Já nos vídeos referentes à categoria “Alimentação/Suplementação”, encontramos dois profissionais atuando – a nutricionista e o professor de Educação Física –, cada qual lidando com uma parte desse conteúdo. Nessa divisão, a nutricionista era a referência para tratar da alimentação e os vídeos foram gravados uma única vez em uma padaria e duas vezes no estúdio/oficina do canal Pedaleria. O jaleco já não apareceu a todo o momento com a profissional que, por sua vez, preocupava-se em oferecer dicas de alimentos a consumir antes, durante e depois da pedalada: “se a gente tem pouco tempo a gente deve consumir carboidrato de rápida absorção como os sucos de frutas, os pães brancos” (Trecho extraído do vídeo 13, 21/10/2016). No conjunto dos vídeos, em nenhum momento a nutricionista citou as quantidades a serem consumidas, apenas advertia que elas dependiam do tempo entre a ingestão dos alimentos e o início da pedalada.

O professor de Educação Física protagonizou o único vídeo desta categoria que abordou a parte de suplementação. Ele foi gravado em uma academia de ginástica em que o professor está atrás de uma bancada com vários produtos deste ramo que são de seu acervo pessoal. A fala do professor tinha um tom prescritivo já que explicava como deveria ser feita a dosagem associada ao tipo e tempo de exercício. Além disso, percebemos aqui uma das raras vezes em que uma fonte científica é citada, especificamente, o Colégio Americano de Medicina Esportiva quando faz referência ao cálculo para ingestão diária de água.

Sobre o conteúdo “Ajustes do ciclista”, a autoridade da informação se concentrou em um dos apresentadores do canal, baseado nos anos de experiência neste setor, conforme anunciado no próprio site. Dos cinco vídeos dessa categoria três foram gravados em estúdio fixo do canal construído com as características de uma oficina mecânica e outros dois em uma loja de bicicletas. Estes últimos contaram com a presença de uma pessoa especializada em bike fit6. A forma de transmitir as informações foi simplificada com explicações rápidas acompanhadas de simulações de ajustes (in)corretos, por vezes motivada por algum questionamento do apresentador. Daqui pode-se depreender a ideia que esse é um conhecimento de fácil assimilação e que o usuário pode aplicar desde que reconheça a garagem da sua casa como uma oficina, sem a necessidade de levar a uma loja especializada.

Ao finalizar o rol de análises podemos afirmar que o canal cria um conteúdo traduzido de modo a facilitar o acesso para aquela pessoa que pretende ser ciclista. Isto é encontrado nas formas como os vídeos são roteirizados, desde a presença de um especialista, em que notamos uma decodificação de alguns conhecimentos mais complexos, seja através de ilustrações, demonstrações ou na linguagem utilizada; até os momentos em que o canal se vale da presença de terceiros, ou seja, pessoas ordinárias convidadas a dar depoimentos especificamente sobre terem seguido as dicas de emagrecimento, como se garantissem que aquilo funciona. Estas estratégias junto às chamadas do canal produzem certa informalidade e tendem a aproximar a audiência, desde o iniciante até o mais expert no mundo da bike. Até porque, a ampliação de um público-alvo (ou número de inscritos) é ambição do canal que se propõe a produzir conteúdo na internet.

Conclusões

Ao longo do texto, nos dedicamos a examinar duas playlists - Saúde e Treinos - que integram o Pedaleria, um canal de YouTube com reconhecida produção de conteúdo sobre ciclismo levando em consideração o número de inscritos e de visualizações. As descrições dos conteúdos contidos nestas playlists e dos modos de exposição utilizados para tal nos levam a concluir que parte do canal produz um conjunto de chamadas que convoca a audiência a assumir a posição de um ciclista, independente do nível de aproximação estabelecida com a prática. O endereçamento analisado reside no interesse em demonstrar para quem assiste que se tornar um ciclista está ao alcance de todos, e que ele – o canal Pedaleria – pode para dar seguimento a esse processo identitário quando compartilha determinado tipo de conteúdo e estratégias de posicionamento.

É bom lembrar que não se trata aqui de uma relação direta entre emissão e recepção. Como nos diz Ellsworth (2001), “embora os públicos não possam ser simplesmente posicionados por um determinado modo de endereçamento, os modos de endereçamento oferecem, sim, sedutores estímulos e recompensas para que se assumam aquelas posições de gênero, status social, raça, nacionalidade, atitude, gosto, estilo” (p. 25) aos quais um filme, uma propaganda ou, no caso específico, um canal de ciclismo se endereça.

Em síntese, no que diz respeito ao conteúdo, a idealização em ser um ciclista a partir das duas playlist examinadas demanda que o usuário tenha três tipos de preocupações: as de ordem médica, física e técnica. As de ordem médica referem-se à capacidade em identificar dores que possam ser indícios de alguma lesão e entender as medidas a serem adotadas para o tratamento, como, por exemplo, a procura de um especialista como o fisioterapeuta. As preocupações de ordem física estão no fato de saber como fortalecer membros superiores e inferiores do corpo; de optar por treinos facilmente acessíveis; de cuidar da alimentação e reconhecer a necessidade de emagrecer para manter um peso adequado à prática. Já a preocupação técnica encaminha que, para ser um ciclista, é fundamental ser capaz de ajustar a bicicleta ao seu biotipo – altura do selim, ângulo dos manetes – para que não ocorram desconfortos durante a pedalada.

No que tange à maneira com que estes conteúdos foram exibidos, é possível afirmar que se recorre a todo instante a uma noção de facilitar a vida da audiência para que ela possa praticar o ciclismo. Nisso, chama atenção a utilização de três aspectos: a produção de uma certa informalidade na relação com o usuário; o uso de pessoas anônimas em depoimentos; e um destaque à realização de treinos curtos dando a entender que podem ser feitos em qualquer lugar e em qualquer momento do dia.

Encontramos parte dessa informalidade em chamadas rápidas e sutis anunciadas no meio de alguma matéria, como “se prepare agora (Trecho extraído do vídeo 12, 15/10/2016), “faz parte da vida do ciclista” (Trecho extraído do vídeo 09, 28/09/2016), “a gente se vê por ai nos próximos vídeos” (Trecho extraído do vídeo 33, 03/01/2018), que não só tentam criar uma intimidade com os apresentadores, mas fideliza a audiência ao canal. Verificamos um retrato dessa facilitação quando foram expostos os relatos dos próprios usuários sobre a participação em desafios de emagrecimento propostos pelo canal, e na exibição de pequenos treinamentos que podem ser feitos com o peso do próprio ou através de acessórios improvisados que se tem em casa, ainda que transmitidos em vídeos cujo cenário é academia de ginástica.

Com esse conjunto de informações, o canal exerce um modo de educar a audiência em como se tornar um ciclista mesclando conhecimentos científicos ou não, em grande parte vinculados à área da saúde e outros baseados em experiências pessoais. Assim como em todo processo educativo, é preciso empreender uma atitude crítica a qualquer conhecimento antes de apreendê-lo. No caso deste estudo, apontamos como potência o estado permanente de se perguntar “o que esse canal quer que eu seja?”, uma vez que a instância midiática produz sistemáticas compreensões acerca das práticas corporais e seus praticantes que, se naturalizadas, simplificam o próprio conhecimento de que trata.

Ademais, o recorte de duas playlists em um universo de 45 que constituem o canal representa uma limitação do estudo por não corresponder a totalidade daquilo que lhe interessa endereçar. Admitimos que outros enquadramentos, que não a ode à saúde, por exemplo, possam ser produzidos pelo canal em outras playlists com viés à educar a audiência. Resta o fato de nós – profissionais ou usuários – pensarmos no quanto nos apropriamos deste tipo de conhecimento e, voltando-se aos professores de Educação Física, o quanto isso pode gerar efeitos no exercício de suas atuações profissionais.

Referências bibliográficas

Alves, J. D. y Cunha, E. L. (2017). O sistema cicloviário como alternativa para a mobilidade urbana: uma análise em Piracicaba – São Paulo. Revista Científic@, 4(1), 32-49. https://doi.org/10.29247/2358-260X.2017v4i1

Andrade, O. S. D., Santos, A. L., Aniceto, R. R. y Souza, A. A. (2018). Perfil psicométrico de composição corporal e bioquímico de ciclistas amadores de mountain bike: um estudo longitudinal. Journal of Physical Education, 29(1), e2975. https://doi.org/10.4025/jphyseduc.v29i1.2975

Andrade, V., Marino, F., Rodrigues, J. y Lobo, Z. (Org.) (2016). Mobilidade por bicicleta no Brasil. Rio de Janeiro: PROURB/UFRJ.

Bastos, W., Castiel, L. D., Cardoso, M. H. C. A., Ferreira, M. S. y Gilbert, A. C. B. (2013). Epidemia de fitness. Saude soc., São Paulo, 22(2), 485-496. https://doi.org/10.1590/S0104-12902013000200018

Bauman, Z. (2011). 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno. Rio de Janeiro: Zahar.

Burgess, J. y Green, J. (2009). YouTube e a Revolução Digital: como o maior fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. São Paulo: Aleph.

Burgos, E. (2017). El aprendizaje informal y las habilidades transmedia. Temas de Comunicaión, 34, 26-41.

Camargo, E. M., Fermino, R. C., Anez, C. R. R. y Reis, R. S. (2014). Barriers and facilitators to bicycle use for transport and leisure among adults. Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde, Pelotas, 19(2), 256-265. https://doi.org/10.12820/rbafs.v.20n2p103

Carita, R. A. C., Greco, C. C. y Pessoa Filho, D. M. (2013). Cinética do VO2 durante o exercício realizado na potência crítica em ciclistas e indivíduos não-treinados no ciclismo. Motriz, Rio Claro, 19(2), 412-422. https://doi.org/10.1590/S1980-65742013000200018

Carneiro, J. G., Bortolotti, H., Camata, T. V., Bigliassi, M., Kanthack, T. F. D. y Altimari, L. R. (2013). Efeito da ingestão de cafeína sobre o desempenho físico e estado de humor de ciclistas. Rev. educ. fis. UEM, Maringá, 24(2), 279-286. https://doi.org/10.4025/reveducfis.v24.2.16991

Carvalho, M. V. (2011). Efeitos da temperatura e do volume de água ingerido no desempenho durante 40 km de ciclismo com intensidade autorregulada no calor. Motriz, 17(1), e223. https://doi.org/10.5016/1980-6574.2011v17n1p223

Carvalho, M. L. y Freitas, C. M. (2012). Pedalando em busca de alternativas saudáveis e sustentáveis. Ciência & Saúde Coletiva, 17(6), 1617-1628. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000600024

Couto, P. G., Tomazini, F., Silva-Cavalcante, M. D., Correia-Oliveira, C. R., Santos, R. A. y Dal’Molin KISS, M. A. P. (2015). Contrarrelógio de ciclismo de média distância: Determinação e reprodutibilidade de parâmetros derivados da distribuição de potência. Rev. educ. fis. UEM, 26(3), 443-449. https://doi.org/10.4025/reveducfis.v26i3.24671

DeleuzeE, G. (2010). Post-scriptum sobre as sociedades de controle. En G. Deleuze, Conversações (3a Ed.). São Paulo: Editora 34.

Ellsworth, E. (2001). Modos de endereçamento: uma coisa de cinema; uma coisa de educação também. En T. T. Silva (Org.), Nunca Fomos Humanos. Belo Horizonte: Autêntica.

Frosi, T. O., Cruz, L. L., Moraes, R. D. y Mazo, J. Z. (2011). J. A prática do ciclismo em clubes de Porto Alegre/RS. Pensar a Prática, 14(3), 1-18. https://doi.org/10.5216/rpp.v14i3.9755

Gastaldo, É. (2009). "O país do futebol" mediatizado: mídia e Copa do Mundo no Brasil. Sociologias, Porto Alegre, 22, 353-369.

Gestchko, D. (2009). Internet, mudança ou transformação? En Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação. São Paulo.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2019). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD Contínua 2019. Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal. Rio de Janeiro.

Kienteka, M., Camargo, E. M., Fermino, R. C. y Reis, R. S. (2018). Quantitative and qualitative aspects of barriers to bicycle use for adults from Curitiba, Brazil. Rev. Bras. Cineantropom Desempenho Hum, 20(1), 29-42. https://doi.org/10.5007/1980-0037.2018v20n1p29

Kleinpaul, J. F., Mann, L., Diefenthaeler, F., Moro, A. R. P. y Carpes, F. P. (2010). Aspectos determinantes do posicionamento corporal no ciclismo: uma revisão sistemática. Motriz, Rio Claro, 16(4), 1013-1023. https://doi.org/10.5016/1980-6574.2010v16n4p1013

Kleinpaul, J. F., Mann, L., Reis, D. C., Carpes, F. P. y Moro, A. R. P. (2012). Efeito da altura do selim na cinemática da lombar de ciclistas. Motriz, Rio Claro, 18(4), 783-794. https://www.scielo.br/j/motriz/a/gsHzRNJnQ47vZvCwMNFmcTK/?lang=pt

Loizos, P. (2002). Vídeo, Filme e Fotografia como documentos de pesquisa. En M. Bauer y G. Gaskel (Orgs), Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: um manual prático. (2a Ed). Petrópolis: Rio de Janeiro.

Lessa, P. R. y Moraes e Silva, M. (2017). O Ciclismo de Estrada e a construção de uma cultura nacionalista: um olhar sobre o Tour de France. Movimento, Porto Alegre, 23(1), 407-418. https://doi.org/10.22456/1982-8918.64603

Moura, B. M., Moro, V. L., Rossato, M., Lucas, R. D. y Diefenthaeler, F. (2017). Effects of saddle height on Performance and muscular activity during the wingate test. J. Phys. Educ. Maringá, 28, e2838, 1-10. https://doi.org/10.4025/jphyseduc.v28i1.2838

Mezzaroba, C. y Bitencourt, F. (2020). Sociodinâmica cultural, mídias e tecnologias: implicações no campo da educação física. En S. Dorenski, L. Lara y P. Athayde, Comunicação e mídia: história, tensões e perspectivas. Natal, RN: EDUFRN.

Mendes, D. S. (2020). Cultura digital e cultura corporal de movimento: apontamentos preliminares sobre o contemporâneo. En S. Dorenski, L. Lara y P. Athayde (Org.), Comunicação e mídia: história, tensões e perspectivas. Natal, RN: EDUFRN.

Mokitimi, M. M. y Vanderschuren, M. (2017), The significance of non-motorised transport interventions in South Africa - a rural and local municipality focus. Transportation Research Procedia, 25, 4798-4821. https://doi.org/10.1016/j.trpro.2017.05.491

Nichele, H. E. (2021). Relações entre ciclismo e rede de saúde e o caso de Curitiba. Cad. Metrop. São Paulo, 23(52), 993-1016. https://doi.org/10.1590/2236-9996.2021-5207

O’Donnell, V. R., Chinelatto, L. A., Rodrigues, C. y Hojauij, F. C. (2020). Uma breve história de uniformes médicos: da história antiga aos tempos da COVID-19. Rev. Col. Bras. Cir., Rio de Janeiro, 47, e20202597, 1-4. https://doi.org/10.1590/0100-6991e-20202597

Oliveira, R. S., Santana, J. E., Moura, F. A. y Cunha, S. A. (2013). Variações angulares do quadril, joelho, e tornozelo entre dois métodos de ajuste de altura de selim da bicicleta: um estudo de caso. Pensar a Prática, 16(1), 69-84. https://doi.org/10.5216/rpp.v16i1.15938

Pacheco, C. V. y Velozo, E. L. (2017). A bicicleta e o ciclismo na literatura científica brasileira e suas relações com a educação do corpo. Revista Espacios. 38(1), 16-28. http://www.revistaespacios.com/a17v38n01/a17v38n01p16.pdf

Pedaleria (2021). Pedaleria. Disponível em: https://www.youtube.com/c/Pedaleria/featured. Acesso em: 29 jun. 2021.

Rezende, S. B. y Rezer, R. (2015). Concepções de saúde em profissionais de Educação Física que atuam em academias. Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde, Pelotas, 20(4), 425-434. https://doi.org/10.12820/rbafs.v.20n4p425

Queiroga, M. R., Cravazzotto, T. G., Katayama, K. Y., Portela, B. S., Tartaruga, M. P. y Ferreira, S. A. (2013). Validity of the RAST for evaluating anaerobic power performance as compared to Wingate test in cycling athletes. Motriz, Rio Claro, 19(4), 696-702. https://doi.org/10.1590/S1980-65742013000400005

Silva, M. P. O. da. (2016). YouTube, juventude e escola em conexão: a produção da aprendizagem ciborgue (Dissertação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais.

Santana, D. T., Rechia, S. y Rodrigues, E. A. P. C. (2017). As brechas da cidade: A praça de bolso do ciclista da cidade de Curitiba/PR. Movimento, Porto Alegre, 23(1) 311-324. https://doi.org/10.22456/1982-8918.66384

Troncoso, L. D. M., Puttini, R. F., Junior, L. G. y Toro-Arévalo, S. A. (2018). Ciclismo urbano como direito humano à mobilidade ativa na cidade de São Paulo. Movimento, Porto Alegre, 24(3), 1015-1028. https://doi.org/10.22456/1982-8918.82908

Teixeira, J. P. G., Oliveira, B. N., Oliveira, B. N. y Feitosa, W. G. (2016). Políticas públicas de mobilidade urbana e práticas corporais: repercussões do sistema de bicicletas compartilhadas. Motrivivência, Florianópolis, 28(49), 71-81. https://doi.org/10.5007/2175-8042.2016v28n49p71

Tiwari, G. y Jain, H. (2008). Bicycles in urban India. En Mahadevia, D. Bicycling in Asia (pp. 9-25). Delhi, India: Interface for Cycling Expertise.

Pedaleria. (24 de setembro de 2019). Canal Pedaleria. Disponível em: https://www.youtube.com/c/Pedaleria/about

Youtube. (19 de novembro de 2020). Youtube para imprensa. Disponível em: https://www.youtube.com/intl/pt-BR/about/press

Notas

1 O termo “prosumidores” é cunhado por Burgos (2017) para se dirigir à figura híbrida formada da união entre os termos “produtor y consumidor” que, segundo ele, “redimensiona no solamente el clássico modelo comunicacional, sino que supone la posibilidad de establecer um diálogo entre los ciudadanos y la política” (p.29).
2 Dados extraídos em dezembro de 2021. Para acessar o canal: https://www.youtube.com/user/canalpedaleria/about
3 Novo coronavírus é o nome pelo qual ficou conhecido o vírus respiratório que se disseminou no mundo a partir de dezembro de 2019 e que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar a existência da pandemia de Covid-19 em março do ano seguinte. No Brasil, o primeiro caso foi registrado em fevereiro de 2020 espalhando rapidamente pelo território nacional obrigando, no mês seguinte a adoção de protocolos de segurança incluindo distanciamento social, uso de máscara, medidas restritivas de circulação de pessoas e fechamento de estabelecimentos comerciais e de ensino.
4 Road biker é o responsável do canal em trazer assuntos referentes ao ciclismo de estrada. Cleber Anderson foi integrante da seleção brasileira de ciclismo de pista e um dos pioneiros em mountain-bike no país ao final dos anos 80.
5 O grifo em negrito reproduz a forma como os termos apareceram em nota no próprio vídeo analisado, portanto, não são de iniciativa da autoria deste artigo.
6 Bike fit é uma técnica empregada por um profissional especializado e que consiste em providenciar os ajustes biomecânicos da bicicleta ao ciclista utilizando suas medidas corporais e objetivos com a prática.

Recepción: 21 Febrero 2022

Aprobación: 05 Julio 2022

Publicación: 01 Agosto 2022

ediciones_fahce
Ediciones de la FaHCE utiliza Marcalyc Sistema de Marcación, herramienta desarrollada con tecnología XML-JATS4R por Redalyc. Proyecto académico sin fines de lucro desarrollado bajo la iniciativa Open Access