Educación Física y Ciencia, vol. 24, nº 2, e217, abril-junio 2022. ISSN 2314-2561
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Departamento de Educación Física

Artículos

A prática pedagógica da educação física no Brasil no período de pandemia de COVID-19

Raphaell Moreira Martins

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Brasil
José Ribamar Ferreira Júnior

Centro Universitário Fametro (Unifametro), Brasil
Pedro Henrique Silvestre Nogueira

Centro Universitário do Vale do Jaguaribe (UniJaguaribe), Brasil
José Airton de Freitas Pontes Junior

Universidade Estadual do Ceará (Uece), Brasil
Cita sugerida: Martins, R. M., Ferreira Junior, J. R., Nogueira, P, H. S. y Pontes Junior, J. A. F. (2022). A prática pedagógica da educação física no Brasil no período de pandemia de COVID-19. Educación Física y Ciencia, 24(2), e217. https://doi.org/10.24215/23142561e217

Resumo: Este estudo objetiva verificar a situação das aulas de Educação Física escolar no contexto da pandemia de COVID-19 na perspectiva da prática pedagógica dos professores de Educação Física. Utiliza a abordagem quantitativa por meio da pesquisa por levantamento, tendo como instrumento um questionário, que contou com 439 participações. Aponta que 72,6% dos docentes asseguraram que as escolas nunca tinham trabalhado com plataformas digitais, sendo que 65,1% desse número nunca participaram de algum curso sobre tecnologias. WhatsApp (45,8%) e YouTube (26,1%) foram utilizadas como as principais plataformas digitais nas aulas. Conclui que a adesão dos alunos nesse período estava longe do ideal, porém aponta que os grupos de WhatsApp promoveram mais aproximação entre a escola e a família.

Palavras-chave: Ensino Remoto, Prática Pedagógica, Educação Física Escolar.

The pedagogical practice of physical education in brazil during the COVID-19 pandemic

Abstract: This study aims to verify the situation of school Physical Education classes in the COVID-19 pandemic context from the perspective of the pedagogical practice of Physical Education teachers. It uses a quantitative approach through survey research, using a questionnaire as an instrument, completed by 439 participants. The data reveal that 72.6% of teachers assured that their schools had never worked with digital platforms before, and 65.1% of those had never participated in any course on technologies. WhatsApp (45.8%) and YouTube (26.1%) were used as the main digital platforms for classes. Thus, student adherence in this period was far from ideal, yet WhatsApp groups promoted more rapprochement between schools and families.

Keywords: Remote Teaching, Pedagogical Practice, School Physical Education.

La práctica pedagógica de la educación física en brasil en el período de pandemia por COVID-19

Resumen: Este estudio tiene como objetivo verificar la situación de las clases de Educación Física escolar en el contexto de la pandemia de COVID-19 en la perspectiva de la práctica pedagógica de los profesores de Educación Física. Utiliza un enfoque cuantitativo a través de una investigación de encuestas, utilizando como instrumento un cuestionario, que contó con 439 participantes. Señala que el 72,6% de los docentes aseguró que las escuelas nunca habían trabajado con plataformas digitales, y el 65,1% de esa cifra nunca había participado en ningún curso sobre tecnologías. WhatsApp (45,8%) y Youtube (26,1%) se utilizaron como principales plataformas digitales en las clases. Concluye que la adhesión de los estudiantes en este período estuvo lejos de ser la ideal, pero señala que los grupos de WhatsApp promovieron más acercamiento entre la escuela y la familia.

Palabras clave: Enseñanza Remota, Práctica Pedagógica, Educación Física Escolar.

Introdução

Desde a abertura política ocorrida a partir da década de 1980, a educação brasileira tem sido cenário de disputas de uma diversidade de concepções acerca do fazer pedagógico na escola. Contudo percebemos que todo esse contexto de disputa foi colocado em “suspensão” dada a pandemia do novo coronavírus, causador da doença denominada COVID-19, em que foi necessário um movimento nacional para encontrar formas de organizar as escolas para que o ambiente de ensino não se tornasse mais um difusor do vírus Sars-CoV-2 (Zhu, Wei & Niu, 2020).

A busca dessas transformações nas aulas de Educação Física foi o anseio central do presente estudo. Fazia-se necessário compreender como seria a prática pedagógica da componente curricular neste contexto pandêmico. Tendo em vista que, no Brasil, o primeiro caso da COVID-19 foi notificado no dia 26 de fevereiro de 2020, posterior a esta data os órgãos de vigilância sanitária buscaram medidas efetivas para a diminuição da circulação do vírus, o que afetaria o fluxo comum das escolas.

Vale destacar que o mês de março de 2020 também atestou um total despreparo da educação brasileira para situações iminentes, como a da COVID-19, pois várias estratégias foram tomadas sem um devido cuidado e, principalmente, sem um alinhamento de decisões, entre as quais se destacaram, suspensões de atividades, férias antecipadas, adoção do ensino remoto etc. Essa situação foi pontuada por Silva e Martins (2020) como a última evidência do fracasso da educação bancária no Brasil.

Sendo assim, Farias e Giordano (2020) asseveram que, nesse contexto de ensino remoto, as primeiras propostas adotadas pelas escolas brasileiras traziam muito mais possibilidades de oferta de educação mais aproximadas do entretenimento pedagógico do que vislumbramos ser uma educação crítica e transformadora. Nesse modelo, não existe uma obrigatoriedade de atividades síncronas nos ambientes virtuais de aprendizagens (AVA) e os alunos possuem maior flexibilidade para participar e realizar tais atividades. Nessa modalidade de ensino, os docentes elaboram fóruns, blogs, perfis em redes sociais e(ou) usam um AVA ou mais para garantir o acesso ao conhecimento. Inclusive foi criada a Portaria MEC nº 544 (2020), do Ministério da Educação, autorizando, até 31 de dezembro daquele ano, a suspensão, em caráter excepcional, de atividades presenciais para o ensino superior e educação básica.

Pontuar o ensino remoto de forma opcional para o contexto pandêmico exige reflexões mais aprofundadas. A desigualdade social foi uma das grandes barreiras para a Educação não só no Brasil, mas também em outros países. Em recente publicação, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgou alguns dados que deveriam subsidiar iniciativas para o ensino no período de pandemia. Para situar as condições de acesso à internet no mundo todo, somente 50% dos alunos possuem um computador passivo de interações nas plataformas digitais em suas residências. Desse grupo, somente 57% possuem acesso à internet doméstica (Unesco, 2020).

Como explicam Moreira, Martins e Rocha (2020), existe o fato da politização da COVID-19 no Brasil, que também foi observado em outros países, como, por exemplo, nos Estados Unidos da América. Podemos destacar que a desigualdade social na experiência brasileira precisa ser colocada como ponto fulcral em todos os cenários que almejam estudar e problematizar os tempos pandêmicos. O aspecto da desigualdade social dilacerante no país colocou uma parcela significativa da população brasileira em situação de calamidade.

No Brasil, foram realizadas pesquisas de levantamento de dados. Uma destas foi publicada no mês de junho de 2020, promovida pelo consórcio entre Imaginable Futures, Fundação Lemann, Itaú Social, Datafolha denominada Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e das suas famílias: onda 1, a qual revelou que houve um aumento de 74% para 79% no acesso do corpo discente às atividades não presenciais (ensino remoto).

Para o caso específico da Educação Física, faz-se relevante buscar o mapeamento de como vem ocorrendo a prática pedagógica neste período de ensino remoto, pela própria lógica interna que envolve o contexto desse modelo de ensino adotado no período da pandemia no Brasil, que são práticas pedagógicas mediadas por plataformas digitais, como aplicativos, com conteúdos, atividades, notificações, e(ou) plataformas síncronas e assíncronas, como Microsoft Teams, Google Sala de Aula, Google Meet e Zoom, entre outros (Alves, 2020).

Destarte, o período de pandemia mobilizou a adoção de outras plataformas digitais a fim de contribuir para o ensino emergencial remoto. Como exemplo, podemos citar os grupos de WhatsApp utilizados com a finalidade de estreitar a comunicação entre a família e os professores neste momento. Tais grupos transformaram-se também em espaços de aprendizagem, pois são neles que as dúvidas são esclarecidas e as orientações repassadas (Pimentel, Araújo & Oliveira, 2020).

Essa opção de ensino remoto na educação brasileira ocorreu de forma aligeirada dado o contexto pandêmico e dinâmica do próprio vírus, que exige tomada de decisões muito rápidas. Os professores de Educação Física, por sua vez, foram inseridos nessa esteira de forma abrupta. Para clarificar essa condição, seria mais fácil comentar que os docentes dormiram “forasteiros digitais” e acordaram “nativos digitais” (Moreira et al., 2020).

Por essa razão, precisamos compreender o que ocorre de fato com o ensino remoto na Educação Física escolar em todo o país, na criação de um quadro mais próximo do real de como estão sendo as aulas dessa disciplina no período pandêmico. Sendo assim, nosso intuito neste artigo é verificar o quadro das aulas de Educação Física escolar no contexto da pandemia de COVID-19 na perspectiva da prática pedagógica das professoras e dos professores de Educação Física.

Metodologia

A abordagem do estudo foi quantitativa, por meio de pesquisa por levantamento (survey), de modo transversal, descritivo e exploratório (Thomas, Nelson & Silverman, 2012). Assim, a pesquisa tem enfoque quantitativo dado seu intento de fazer generalização e indicar tendências, além de descrever contextos a fim de detalhá-los.

A escolha dessa estratégia se deve ao fato de que se trata de um objeto de estudo que envolve a coleta e a análise de dados representativos de uma população extensa, no caso, professores de Educação Física de todo o Brasil. Considerando a inexistência do número total de docentes de Educação Física atuando no ensino remoto, mas sabendo que esse número é superior a 10 mil, utilizamos o cálculo amostral para população infinita com uma variável dicotômica “a” e “não a” com variância populacional máxima de 0,25 para 95% de confiança e estimativa de erro 5%. Portanto o valor mínimo que tínhamos como alvo era 385 docentes, e o obtido foi composto por 439 docentes. Após esse cálculo, consideramos a distribuição proporcional da população brasileira, em que relacionamos os elementos mínimos e os obtidos para cada região, conforme a Tabela 1 a seguir.

Tabela 1
Distribuição proporcional da população brasileira
Distribuição proporcional da população brasileira
Fonte: Elaboração própria.

O questionário organizado para esta investigação foi fruto de intensas reuniões entre os pesquisadores que compreendiam o fato histórico da pandemia e seu ineditismo para a Educação Física. Inclusive realizamos vários estudos com o objetivo de encontrar os termos mais adequados para aproximar a pesquisa com o que vinha ocorrendo no ensino remoto. Submetemos o questionário a um grupo de pré-teste (calibração), formado por professores de diversas instituições de ensino superior do estado do Ceará (Brasil), com a intenção de verificações e alterações do instrumento.

É importante destacar que a escolha pelo pré-teste, cada vez mais utilizado na área da educação, permitiu melhorias no instrumento utilizado, neste caso o questionário. Corrigimos algumas alterações no intuito de propor maior clareza aos colaboradores. Para Duarte, Tavares, Nishimoto, De Azevedo, Silva e Da Silva (2018), o pré-teste tem, como um de seus principais objetivos, ensaiar como a pesquisa poderá ser interpretada.

Após essa consulta e os ajustes solicitados, chegamos à versão final do questionário eletrônico. Organizamos esse instrumento em seções e em escalas do tipo Likert ou em múltipla escolha. Optamos pelo encaminhamento do questionário por meio do Google Forms, que é uma ferramenta Web 2.0 que permite a divulgação ampla dos seus documentos (Klemann & Rapkiewicz, 2011) por várias vias possíveis.

Para a designação/escolha/delimitação de quem colaboraria, requeremos dois requisitos básicos: estar, pelo menos, cursando a Licenciatura em Educação Física e vinculado a alguma instituição que ofertasse alguma etapa da Educação Básica. Ao todo, tivemos 439 participações validadas. Assim, em um estudo que se propõe investigar a prática pedagógica em Educação Física no período de pandemia, o alcance da investigação mostrou-se significativo. Para termos uma noção da diversidade do grupo pesquisado, compartilhamos alguns dados a seguir.

Tabela 2
Formação acadêmica dos(as) colaboradores(as) da pesquisa
Formação acadêmica dos(as) colaboradores(as) da pesquisa
Fonte: Elaboração própria.

Sobre o local de atuação docente, 81,2% atuam em escolas públicas. Isso não significa que seja somente em escolas públicas, mas demonstra a quantidade de docentes que estão inseridos na educação básica por meio das redes de ensino públicas. Outra característica do grupo estudado foi que 42,9% dos docentes estão lotados nas séries iniciais do ensino fundamental, já 39,9% estão atuando nas séries finais do ensino fundamental e 32%, no ensino médio. Esses dados, não foram isolados, ou seja, um mesmo professor de Educação Física poderia atuar nas três etapas de ensino da educação básica. Um último dado dos educadores e que compõem a nossa arquitetura metodológica deste mapeamento da prática pedagógica das aulas de Educação Física no período pandêmico foi compreender a média do tempo de atuação deste grupo estudado, no caso, foi de 11,38 anos (desvio-padrão de 8,86).

O corte temporal da pesquisa encontra-se entre os dias 28 de abril de 2020 até o dia 30 de junho de 2020. Considerando, ainda, o âmbito nacional como campo/território/seara investigativo, o questionário caminhou lado a lado com a implementação do ensino remoto nos primeiros meses de pandemia. A análise dos dados foi realizada por meio de estatística descritiva (frequência simples e absoluta) com suporte do Microsoft Excel 2016.

Os procedimentos éticos que adotamos no estudo foram os seguintes: para responder ao questionário por meio do formulário encaminhado era necessário inicialmente assinalar a opção que concordava com o aceite de participação no estudo. Sem essa ação, era impossível o sujeito colaborador avançar para as próximas seções.

No tocante ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), destacamos essa posição no texto inicial do questionário, amparada no art. 1º da Resolução MS/CNS nº 510 (2016), que dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Isso implica informar que não será registrada nem avaliada pelo sistema CEP/Conep “pesquisa de opinião pública com participantes não identificados” (Resolução MS/CNS n. 510, 2016). Por isso, o participante tinha compreensão de que não seria identificado caso concordasse em participar do estudo.

Resultados e discussão

Nesta seção, apresentaremos os resultados encontrados em nosso estudo, que serão contextualizados e discutidos com o que há de mais recente na literatura sobre a temática do ensino remoto na pandemia. Para melhor apreciação dos docentes na feitura do instrumento de mapeamento dos dados, dividimos as perguntas em seções temáticas. A primeira seção contemplava elementos estruturais e organizativos que implicavam a prática pedagógica em tempos pandêmicos. Nosso primeiro achado identificou a preocupação que a comunidade escolar demonstrava com relação a conjuntura da pandemia, como mostra a Tabela 3 a seguir.

Tabela 3
Organização escolar no período de pandemia
Organização escolar no período de pandemia
Fonte: Elaboração própria.

Podemos observar que a maioria dos participantes declarou “frequente” quanto à preocupação da comunidade escolar com o cenário da pandemia, 69,4% (n=306), e em relação à produção, pela escola, de atividades pedagógicas diversificadas depois do pedido de distanciamento social, 53,5% (n=236), gerando as garantias necessárias para a diminuição da difusão do vírus. Por outro lado, a maioria dos professores declarou “nunca” quando questionado se a escola já trabalhava com plataformas digitais interativas nas aulas de Educação Física, 72,6% (n=320), bem como em relação à participação em curso de formação continuada sobre o ensino da Educação Física por meio de atividades remotas mediadas por tecnologias, 65,1% (n=287).

Esse dado deve ser destacado, partindo do pressuposto de que a maioria das escolas não adotava algum tipo de plataforma digital interativa como possibilidade pedagógica no período anterior à pandemia, como também a grande parcela de docentes da área de Educação Física não possuía formação continuada mínima para sistematizar suas ações pedagógicas por meio dessas plataformas digitais. As nossas análises apontam que o processo de reinvenção e adaptação pedagógica ocorreu de forma aligeirada e abrupta, em um contexto de ensino e reflexão da própria experiência pedagógica. Para Santos, Acosta, Santana, Catapan e Baade (2020), em estudo com professores acerca das tecnologias educacionais no período da pandemia, quando perguntados sobre a percepção da pandemia na educação, 52,8% responderam que se trata de uma oportunidade para aprender novas formas de ensino, enquanto 19,4% percebem a pandemia com insegurança no trabalho como educador.

Ainda com base na Tabela 3, podemos inferir que os principais procedimentos administrativo-pedagógicos adotados pelas escolas no período de isolamento voluntário foram atividades remotas obrigatórias, 40,4% (n=178), e antecipação das férias do período central do calendário letivo, 21,8% (n=96). No entanto, 15,4% (n=68) informaram que a decisão da escola no período de implementação do estudo foi de atividades remotas facultativas e 13,2% (n=58) expressaram que a decisão foi de suspensão do calendário letivo.

Em nossa interpretação, essa decisão pode ser uma posição de prudência e de reorganização do trabalho pedagógico para o ensino remoto, como também um reconhecimento de que existiam tantos problemas na escola antes mesmo da pandemia e de que tentar promover o ensino remoto seria inviável num primeiro momento. Isso não indica que existe acordo com essas duas posições. Compreendemos que a iniciativa de mobilizar o ensino remoto era mais do que necessário, era a continuidade de um direito constitucional brasileiro.

Destacamos que essas respostas diversas para a tomada de decisão de como seria garantido o acesso ao conhecimento tematizado da Educação Física no período pandêmico demonstram a inexistência de uma ação consistente dos governos federal, estaduais e municipais sobre como agir, quando agir e por quais motivos estão garantindo essa ação para com a educação brasileira. Na prática, o que aconteceu com as aulas de Educação Física foi uma fotografia da estrutura educacional, que transferiu responsabilidades para as escolas decidirem como realizar, ou não, o ensino remoto.

No tocante à pergunta que objetivou constatar se a escola se organizou para produzir atividades pedagógicas diversificadas, 53% (n=232) dos participantes declararam que essa organização era frequente. No entanto um quantitativo de 9,1% (n=39) de docentes anunciou que essa organização nunca aconteceu. Elegemos, como atividades pedagógicas diversificadas, o conjunto de orientações, medidas, formações etc. que visam ampliar o repertório de possibilidades dos professores de Educação Física em direção às tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) no período de pandemia.

Sabendo da situação caótica do atual contexto educacional brasileiro, no qual temos observado um aumento nas taxas de evasão escolar (Berg, Zwierewicz & Lobo-Costa, 2020), evidenciamos um retorno a um instrumentalismo e tecnicismo na função docente. Com base na Tabela 3, observamos que um número satisfatório de escolas teve a atitude de repensar o atual cenário e, nesse sentido, assumiu, com todo o esforço, o árduo papel de tentar garantir o mínimo de aprendizado aos alunos. No entanto não podemos avançar nesse debate sem reconhecer o contraponto apresentado por Silva, Silva Neto e Santos (2020), que apontam que a adoção de práticas de ensino pautadas no uso de recursos tecnológicos foi mais excludente do que inclusiva, por analisarem que, em um país em que ainda existem muitas desigualdades sociais e econômicas, é importante fazer uma análise do contexto histórico-cultural para adoção de práticas mais formativas.

Em relação às plataformas digitais interativas na realização das atividades remotas para as aulas de Educação Física neste período de isolamento social, podemos perceber, na Tabela 4, que “nunca” foram utilizadas pelos professores de Educação Física participantes do estudo as plataformas Blackboard, 94,1% (n=415), Microsoft Teams, 85,9% (n=379), e Moodle, 82,1% (n=362). Já o WhatsApp, 45,8% (n=202), o YouTube, 26,1% (n=115), as plataformas digitais interativas das próprias das instituições, 20,4% (n=90), e o Google Sala de Aula, 20% (n=88), são utilizados de forma “frequente” para realização das atividades remotas.

Tabela 4
Plataformas digitais interativas utilizada nas aulas de Educação Física no período de ensino remoto
Plataformas digitais interativas utilizada nas aulas de Educação Física no período de ensino remoto
Fonte: Elaboração própria.

Analisamos, como um dos achados relevantes deste estudo, o uso do WhatsApp e de vídeos do YouTube. Em nossa compreensão, como interface para produzir interações entre professores e alunos neste período do ensino remoto emergencial na área da educação, essa percepção de garantir o mínimo de desenvolvimento educacional também foi constatada por Lima, Falcão e Lima (2021). Esse dado se relaciona muito bem com a inferência anterior em que os docentes não utilizavam plataformas digitais interativas antes da pandemia e não tiveram acesso a formações continuadas que abordassem a temática das TDIC nas aulas de Educação Física, ocorrendo a utilização em potencial do WhatsApp e do YouTube pela facilidade de manuseio e familiaridade. Embora estes não tenham sido desenvolvidos com propósitos pedagógicos, foram reconfigurados para contexto dos professores pesquisados como uma possibilidade didática.

Para Moreira et al. (2020), as estratégias mais comuns observadas em todo o país no ensino remoto foram por meio de grupos de WhatsApp, que serviam como repositório de atividades, orientação dos trabalhos tutorados, informações administrativas da escola, espaço para partilha de dúvidas dos pais e alunos e, essencialmente, envio de material de apoio, que, em sua grande parcela, era formalizado por gravações de áudios e encaminhamentos de vídeos do YouTube, com produções de outros profissionais, não sendo necessariamente um vídeo do professor da turma de ensino.

Um ponto que devemos demarcar nesta análise é que, ao questionarmos os professores de Educação Física acerca de como mobilizaram o ensino remoto nas condições objetivas de trabalhos que possuíam, não podemos ignorar as condições efetivas de trabalho da grande maioria dos docentes de todo o país, sem recursos tecnológicos necessários, utilizando seu próprio plano de internet, tendo que dar conta das demandas profissionais, familiares e sanitárias ao mesmo tempo. Numa clara negação da dimensão humana que media os processos de ensino e aprendizagem. Como Freire (2013) muito bem nos lembra, na concepção bancária, o professor assume o papel de imitar o mundo, de “encher” as educandas e os educandos com os conteúdos, ou seja, se falta amorosidade, solidariedade e justiça social entre os seres humanos, isso será transferido para a realidade do ensino remoto.

Por fim, no tocante à última seção do referido questionário, fizemos dois importantes questionamentos aos participantes: como foram desenvolvidos os conteúdos da Educação Física trabalhados no formato de atividades remotas e qual o nível de participação das alunas e dos alunos nas atividades remotas das aulas de Educação Física?

Em relação ao primeiro questionamento, buscamos identificar quais estratégias didáticas foram utilizadas. Como podemos ver na Tabela 5, a maioria das respostas, 59,5% (n=261), se referem à utilização das atividades escritas enviadas por e-mail ou outras plataformas digitais interativas. Esse fato nos apresenta um predomínio da dimensão conceitual neste período, colocando a Educação Física num patamar assemelhado à tradição de outros componentes curriculares que desenvolvem com maior recorrência essa interface dos conteúdos, em vez da dimensão procedimental, especificidade mais recorrente da Educação Física.

A utilização de atividades escritas pode ser um problema quando pensamos nas dificuldades de pais ou responsáveis em acompanhar as atividades de ensino domiciliares dos filhos. Entre os fatores, podemos pensar na rotina de trabalho e na grande parcela da população adulta no Brasil, especialmente as famílias de baixa renda, que não possui formação adequada, como aponta o Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf) de 2018, em que cerca de 3 em cada 10 brasileiros são considerados analfabetos funcionais (Ação Educativa & Instituto Paulo Montenegro, 2018).

Embora não menos importantes, as demais respostas foram classificadas na categoria “Outros”, destacando-se pela sua diversidade. Nessa alternativa, apresentaram-se diversas descrições, entre elas, não estar havendo aula remota, videoaulas ao vivo, apenas cursos de capacitação dos professores, atividades impressas etc. Para nós, essas alternativas representam uma pseudoautonomia das escolas neste período ou um abandono, tendo em vista, nos últimos anos, haver uma lacuna entre os que pensam (secretarias de educação, especialistas, estudiosos) e os que fazem, ou seja, os professores.

Tabela 5
Metodologia na transmissão conteúdo na pandemia
Metodologia na transmissão conteúdo na pandemia
Fonte: Elaboração própria.

A utilização de atividades enviadas seja por e-mail ou por outras plataformas digitais por artefatos pedagógicos em formato de áudio e vídeo foi predominante, o que corrobora com os achados de Godoi, Kawashima, Gomes e Caneva (2021), que confirmaram que 90% das atividades recebidas pelos alunos de Educação Física na pandemia foi por meio do WhatsApp. Desse modo, caracterizou-se, como muito bem pontuado por Nogueira, Martins, Lacerda, Borges, Souza e Martins (2022), uma pedagogia do WhatsApp.

A participação nas atividades no ensino remoto emergencial nas aulas de Educação Física foi nosso último dado de análise. Desse modo, indicamos que os impactos que a pandemia causou na vida da maioria dos estudantes foram exponenciais. A pesquisa Impactos primários e secundários da covid-2019 em crianças e adolescentes, encomendada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, 2020), afirma que 91% das crianças e adolescentes de 4 a 17 anos de idade matriculados na escola antes da pandemia continuaram realizando atividades escolares durante a pandemia, enquanto 9% de crianças e adolescentes que estavam na escola antes da pandemia não conseguiram continuar as atividades em casa, abandonando a escola.

Em comparação ao nosso estudo, percebemos um resultado bem mais preocupante. Com relação à participação dos alunos nas aulas de Educação Física nesse período, observamos os seguintes achados: rara participação, 9,1% (n=40); baixa participação, 26,2% (n=115); moderada participação, 37,8% (n=166); alta participação, 10,9% (n=48); calendário letivo suspenso, 26% (n=70). Por resultados como esses, investigações rigorosas de mapeamento de todo o território nacional são indispensáveis para uma vigilância epistemológica da educação brasileira e, mais particularmente do nosso quadro, das aulas de Educação Física. Apreciando com muita seriedade os dados apresentados, observamos que o ensino remoto foi a proposição adotada na maior parte do país, mas os mecanismos adotados não foram suficientes para o rompimento da desigualdade que o momento da pandemia escancarou, por isso, somente pouco mais de 10% dos docentes lograram êxito em uma participação massiva e autêntica no ensino remoto.

Portanto, fazendo uma síntese dos resultados e da discussão gerada, apontamos que os docentes que nunca utilizaram, antes da pandemia, nenhum tipo de plataforma digital interativa e não tiveram acesso a formações continuadas que produzissem iniciativas pedagógicas para o acesso do conhecimento por meio dessas plataformas digitais estavam em uma condição de falta de assistência e planejamento das redes de ensino que adotaram o ensino remoto, sem fortalecer e valorizar os professores de Educação Física. Esse cálculo gerou duas condições observadas: a primeira foi a implementação de um modelo de ensino remoto organizado por grupos de WhatsApp, alimentado, muitas vezes, por vídeos do YouTube, que substituiu, em grande parte, os materiais didáticos convencionais; a segunda foi uma baixa adesão dos alunos às aulas remotas de Educação Física, o que, pela desigualdade social no Brasil, já poderíamos esperar.

Considerações finais

Diante do exposto, acreditamos que nosso estudo contribui para toda a comunidade acadêmica brasileira, pois consegue identificar o cenário das aulas de Educação Física no período de pandemia de COVID-19 no Brasil. Diagnosticamos que a maioria das escolas estavam preocupadas com a pandemia desde o anúncio da primeira morte em solo brasileiro. Isso repercutiu evidentemente na tomada de decisão rápida de parar as aulas presenciais em todas as escolas do país. Com isso, o nosso estudo conseguiu detectar decisões distintas entre as escolas e sem um alinhamento político-pedagógico.

Reunimos dados suficientes para reconhecer que a utilização das plataformas digitais interativas antes da pandemia nas aulas de Educação Física era praticamente inexistente em grande parte das escolas do Brasil. Percebemos que a formação continuada dos professores de Educação Física não tratava da temática das tecnologias educacionais na sala de aula como uma possibilidade efetiva, bem como que uma proporção significativa de docentes não teve acesso a esse tipo de metodologia de ensino antes da pandemia.

Localizamos um dado imponente que demonstrou que, em grande parte das escolas do Brasil, as aulas de Educação Física foram oportunizadas por meio de grupos de WhatsApp, que assumiu a função de principal canal de interlocução para orientação pedagógica entre os vários entes da escola. Observamos que o YouTube foi um recurso amplamente utilizado como material de apoio pedagógico, que, no período da pesquisa, serviu como uma possibilidade efetiva de consulta para os alunos sobre os objetos de conhecimentos tematizados.

Situamos que a adesão dos alunos nas aulas de Educação Física no ensino emergencial remoto em todo o país estava longe do ideal. Mas precisamos categorizar esse dado dentro de um cenário pandêmico em que o número de mortes de brasileiros aumentava todos os dias, pois o nosso estudo foi implementado no período de crescimento do número de óbitos e nos primeiros meses do ensino remoto. Indicamos que esse fenômeno social complexo possui implicação direta nessa baixa adesão dos alunos, que já estavam delimitados em escolas que nunca tinham adotado as plataformas digitais interativas. No caso dos professores de Educação Física, o nosso estudo conseguiu justificar que houve uma reinvenção pedagógica compatível com as condições possíveis de cada realidade docente. Mas, com a ousadia e o comprometimento dos vários professores de Educação Física, o conhecimento sobre a nossa área chegou nas residências das alunas e dos alunos de todo o país.

REFERÊNCIAS

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Recepción: 21 Junio 2021

Aprobación: 22 Marzo 2022

Publicación: 04 Abril 2022

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