Educación Física y Ciencia, vol. 24, nº 1, e207, enero-marzo 2022. ISSN 2314-2561
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Departamento de Educación Física

Artículos

Produção acadêmica brasileira sobre inclusão de alunos com deficiência na Educação Física

Camila Lopes de Carvalho

Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Marina Brasiliano Salerno

Curso de Educação Física, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Paulo Ferreira de Araújo

Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Cita sugerida: Carvalho, C. L., Salerno, M. B. y Araújo, P. F. (2022). Produção acadêmica brasileira sobre inclusão de alunos com deficiência na Educação Física. Educación Física y Ciencia, 24(1), e207. https://doi.org/10.24215/23142561e207

Resumo: A inclusão de alunos com deficiência no ensino comum alicerça-se nos conhecimentos acadêmicos para o desenvolvimento profissional docente segundo as normativas legais. Contudo, despontam dificuldades para efetivar tais medidas na Educação Física escolar brasileira. Isto posto, esse estudo objetivou analisar a construção do conhecimento acadêmico da Educação Física brasileira sobre a inclusão educacional de alunos com deficiência. Estruturou-se uma análise bibliométrica de teses e dissertações produzidas até 2019 nos programas de pós-graduação credenciados no Brasil a respeito desse tema, por meio de pesquisa no portal eletrônico da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e na página eletrônica da biblioteca de cada instituição de ensino a ela credenciada, com sequente análise integrativa dos dados. Como resultado, constatou-se que os estudos permeiam uma área recente, apresentando-se predominantemente conceituais com tímidas orientações às intervenções, caminhando em vistas a um amadurecimento metodológico e necessidade de redirecionamento de procedimentos avaliativos para os de intervenção.

Palavras-chave: Educação Física Escolar, Educação Inclusiva, Inclusão Educacional.

Brasilian academic production about inclusion of students with disabilities in Physical Education

Abstract: The inclusion of students with disabilities in regular education is based on academic knowledge for teacher training according to legal requirements. However, difficulties have arisen to effectively implement such measures in school Physical Education. That said, this study aimed to analyze the construction of academic knowledge of Physical Education on the educational inclusion of students with disabilities. A bibliometric analysis on the theses and dissertations produced until 2019 was structured in nationally accredited graduate programs on this topic, through research on the electronic portal of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel and on the website of library of each teaching institution accredited to it, with subsequent integrative data analysis. As a result, it was found that academic studies permeate a recent area, presenting themselves predominantly conceptual with timid guidelines for interventions, moving towards a methodological maturity and the need to redirect evaluative procedures to those of intervention.

Keywords: School Physical Education, Inclusive Education, Educational Inclusion.

Producción académica brasileña sobre inclusión de estudiantes con discapacidad en Educación Física

Resumen: La inclusión de los estudiantes con discapacidad en la educación ordinaria se basa en los conocimientos académicos para el desarrollo profesional de los docentes de acuerdo a las normas legales. Sin embargo, surgen dificultades para implementar tales medidas en la Educación Física escolar brasileña. Dicho esto, este estudio tuvo como objetivo analizar la construcción del conocimiento académico de la Educación Física brasileña sobre la inclusión educativa de estudiantes con discapacidad. Se estructuró un análisis bibliométrico de tesis y disertaciones producidas hasta 2019 en programas de posgrado acreditados en Brasil sobre este tema, a través de investigaciones en el portal electrónico de la Coordinación de Perfeccionamiento del Personal de Educación Superior y en el sitio web de la biblioteca de cada institución de enseñanza acreditada. a ello, con el posterior análisis integrador de datos. Como resultado, se constató que los estudios permean un área reciente, presentándose predominantemente conceptuales con tímidas orientaciones de intervención, transitando hacia una maduración metodológica y la necesidad de redirigir los procedimientos de evaluación hacia los de intervención.

Palabras clave: Educación Física, Educación Inclusiva, Inclusión Educativa.

Introdução

Ao ser introduzida no Brasil, a Educação Física sistematizada foi recebida por segmentos sociais com objetivos distintos - os militares e políticos visaram a manutenção da ordem estabelecida e o combate aos possíveis questionamentos ao sistema ditatorial vigente, médicos almejaram uma formação eugênica de indivíduos considerados saudáveis e educadores defenderam uma associação da área à formação humana (Castellani Filho, 1992; Linhales, 2009).

Enquanto campo de ensino superior, a implantação da Educação Física no Brasil principiou-se por cursos direcionados às modalidades esportivas e à formação de técnicos, caminhando a uma reorganização conforme sua consolidação como campo científico. Segundo Tojal (1989), Silva, Seabra Junior e Araújo (2008) e Salerno (2014), o oferecimento da formação em nível superior de Educação Física foi, de princípio, conduzido por instituições militares sob influência de métodos europeus, seguido por uma orientação norte-americana de ênfase técnica e exaltação dos aspectos biofisiológicos. Próximo à década de 1980, esses cursos passaram a se estruturar com preeminência dos conhecimentos produzidos nacionalmente, por meio de um movimento renovador da Educação Física que abriu espaço para discussões abrangentes das variadas dimensões que compõe a área, como pedagógica, humana e sociocultural.

Rosa e Leta (2011) destacaram um considerável crescimento da pós-graduação brasileira em Educação Física a partir dessa década devido ao regresso de estudantes de pós-graduação que haviam se dirigido às universidades estrangeiras e a organização de eventos e periódicos científicos para a área, além da abertura ao desenvolvimento de pesquisas nacionais. Por outro lado, se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação do Brasil (LDB) (1996) estabeleceu a necessidade de um vínculo entre a instituição de ensino superior (IES) e as atividades de pesquisa, poucas universidades acabaram por atuar no desenvolvimento dos conhecimentos explorados por todos os demais cursos de graduação de Educação Física do país (Kokubum, 2006). Esse descompasso ampliou-se acerca das diferentes temáticas exploradas pelos programas de pós-graduação, com valorização às pesquisas de cunho biodinâmico orientadas pelas ciências naturais, com facilitações para publicações e financiamentos científicos, implicando em dificuldades pela subárea pedagógica e sociocultural (Lovisolo, 2007).

Em meio a esse desenvolvimento da Educação Física e busca pela valorização da sua heterogeneidade, transformações sociais incidiram na área, como a que concerne ao princípio inclusivo. A inclusão faz referência a englobar a todos nos variados setores sociais, respeitando as suas singularidades (Silva, Seabra Junior & Araújo, 2008). Dentre o imenso público inclusos ao paradigma, as pessoas com deficiência destacam-se pelas especificidades de adequações impostas à sociedade, sendo, por conseguinte, delineadas como público alvo nesse estudo pela necessidade de direcionamento da discussão aqui proposta.

Por sua vez, na realidade escolar brasileira, multiplicaram-se os relatos a respeito da precariedade nos cursos de formação de professores; dificuldades das escolas regulares na realização de adaptações na organização didática, curricular, material, estrutural e de avaliação; e de ações docentes descontextualizadas e inseguras para uma intervenção inclusiva na prática, além de um desconhecimento sobre as especificidades e definições da proposta inclusiva (Seabra Junior, 2006; Carvalho, 2014; Salerno, 2014; Sanches Junior et al., 2015).

Perante a urgência em atender a esse contexto, a produção acadêmica na Educação Física, apesar de ser a responsável por 61% dos trabalhos na área 21 – na qual foi alocada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que também conta com Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia –, ainda apresenta predominância de estudos na subárea da biodinâmica sobre as demais, com defasagem de estudos fundamentados em aspectos socioculturais e pedagógicos que incidiriam sobre tal realidade (Frasson, Neto & Wittizorecki, 2019). Sabendo que, segundo Casagrande e Mainardes (2021), a educação inclusiva é um campo de estudos em inicial expansão no Brasil, deficitário em publicações perante as particularidades presentes na imensa extensão territorial do país, no contexto da Educação Física a insuficiência das investigações se destaca quando considerado esse permanente viés nas ciências naturais (Castro, Silva & Ludorf, 2019).

Dentre as pesquisas empreendidas, uma perspectiva diagnóstica no que concerne à formação e atitudes docentes tem norteado os estudos da área da Educação Física inclusiva (Oliveira, Nunes & Munster, 2017), com carência de intervenções pedagógicas suficientes para incidir na superação das dificuldades, destacando a necessidade de redirecionamento desse olhar para identificar lacunas e para produção de novos conhecimentos segundo as demandas vigentes (Souza et al., 2021). Por conseguinte, a produção científica sobre educação inclusiva se arquitetou para responder as estipulações normativas que oficializaram a educação inclusiva no Brasil. Mas complexidade do contexto político e pedagógico pressupõe a carência de maior profundidade para compreender criticamente o que se tem sido investigado e fundamentar novas formas de se entender e pensar essa realidade (Silva, 2018).

Indaga-se como tem se estruturado a produção acadêmica da Educação Física sobre o contexto inclusivo, já que tal produção engloba variáveis múltiplas como a sua reconstrução enquanto ciência heterogênea e as discussões sociopolíticas de inclusão da pessoa com deficiência nos variados contextos de práticas. Sabendo que a pós-graduação stricto sensu possui relevância tanto para a produção de conhecimentos que fundamentam um campo científico, quanto para a capacitação dos profissionais da área, esse estudo objetivou identificar e analisar o conhecimento acadêmico produzido em cursos brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Educação Física sobre a inclusão da pessoa com deficiência no contexto educacional.

Metodologia

Para a estruturação desta pesquisa empreendeu-se uma análise bibliométrica de teses e dissertações, mapeando o conhecimento produzido acerca da questão delimitada, com a interpretação e organização dos resultados segundo as suas similaridades e diferenças em prol de identificar possíveis lacunas, reinterpretar resultados e direcionar o caminhar de estudos futuros (Gomes & Caminha, 2014). A pesquisa delineou-se em 7 passos, segundo Higgins e Green (2011):

  • Formulação da pergunta: indagou-se os conhecimentos produzidos pelas pesquisas acadêmicas de mestrado e doutorado em programas de pós-graduação em Educação Física, credenciados no Brasil, referentes à temática da inclusão da pessoa com deficiência;

  • Localização, seleção dos estudos e coleta de dados: sendo a CAPES a regulamentadora da pós-graduação brasileira, foram identificados os programas nível stricto sensu em Educação Física em funcionamento, segundo as resoluções de 2010-2012. Na sequência, foram selecionadas as teses e/ou dissertações produzidas via portal eletrônico da CAPES e por meio da página eletrônica de cada instituição de ensino superior (IES), com a leitura de título e resumo de todas as produções para verificação quanto à temática;

  • Avaliação crítica dos estudos: Como critério de inclusão, se incorporou os estudos produzidos desde a criação de cada programa até dezembro de 2019, com resumo ou trabalho completo disponibilizado eletronicamente. Foram excluídos os que não traziam como assunto principal a população com deficiência e os que não disponibilizaram ao menos o resumo eletronicamente. Para a demarcação dos estudos, como condição de deficiência considerou-se as deficiências física, auditiva, visual, intelectual e autismo (Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015);

  • Análise e apresentação dos dados, Interpretação dos dados e Aprimoramento e atualização da revisão: A apreciação dos dados desprendeu-se por uma análise integrativa, com fundamentação qualitativa, associada ao uso de procedimentos quantitativos complementares (Gomes & Caminha, 2014). Na análise qualitativa, agrupou-se os resultados em 3 categorias de análise: Os programas de pós-graduação nível stricto sensu em Educação Física do Brasil, Os estudos de Educação Física sobre a pessoa com deficiência e Os estudos de Educação Física sobre a inclusão da pessoa com deficiência. O complemento de análise quantitativa estruturou-se pelo software Iramutec (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) (Ratinaud, 2009), hospedado no software R (R Development Core Team, 2011), o qual consiste em um programa destinado à apreciação de dados textuais, com o tratamento de material verbal transcrito ou materiais já escritos como textos, documentos e entrevistas. Neste programa, explorou-se a Análise de Similitude, fundamentada na teoria dos grafos (teoria matemática estudiosa das relações entre objetos) identificando as co-ocorrências entre as palavras, resultando em indicações de conexões entre elas; e a Análise Estatística de Formas Ativas, com a frequência das formas gramaticais (Camargo & Justo, 2013).

Resultados e discussão

Programas de pós-graduação nível stricto sensu em Educação Física

No Brasil, a Educação Física pertence à grande área de “Ciências da Saúde”, alocada na subárea 21, que também compreende os programas da Fisioterapia, da Terapia Ocupacional e da Fonoaudiologia. Identificou-se 30 programas de pós-graduação nível stricto sensu em Educação Física do Brasil – 10 de Mestrado, 19 de Mestrado e Doutorado conjuntamente, além de 1 de Mestrado Profissional –, que produziram 355 estudos com temáticas alusivas à pessoa com deficiência. Destes, apenas um não apresentou discussões nessa temática, transparecendo o alcance de espaço que o tema concernente à inclusão tem alcançado na área acadêmica da Educação Física brasileira, conforma representação da Figura 1.

Figura 1
Quantidade de estudos referentes à PCD produzidos em cada IES – Programa.
Quantidade de estudos referentes à PCD produzidos em cada IES – Programa.
Fonte: Elaborado pelos autores.

A IES UNICAMP sobressaiu-se no estudo sobre a pessoa com deficiência, similarmente ao relatado por Silva e Araújo (2012), que a identificaram como responsável por cerca de 60% das pesquisas do Brasil relacionadas à temática da Atividade Motora Adaptada. Essa conjuntura justifica-se por apenas esse programa apresentar uma linha temática direcionada a essa população – “Atividade física para pessoas com deficiência”. A produção de estudos por cada programa é influenciada por inúmeras variáveis que extrapolam o alcance das discussões aqui propostas, como o tempo de implantação do programa, a estrutura e a consolidação da IES onde o programa está inserido, bem como questões subjetivas como a afinidade dos pesquisadores pelo tema. Mas, a existência de uma linha específica para esse tema apontou contribuir com o amadurecimento das pesquisas, ampliando os estudos para a área.

Concomitantemente, a espontaneidade de estudos sobre a pessoa com deficiência em linhas temáticas não oferecidas predominantemente a essa população, como identificado na UFRGS, UDESC e UNESP/RC, remeteu à abertura da área para as pessoas com deficiência, em um processo de construção da inclusão da pessoa com deficiência na ciência da Educação Física. Ademais, um aspecto de regionalidade transpareceu, com a região Sul e Sudeste iniciando a produção acadêmica e propiciando abertura para os demais estados do país, processo este representativo ao delineamento dos estudos produzidos sobre a educação inclusiva no Brasil (Silva, 2018). De forma a exemplificar, o autor Silva (2016) apontou o Estado de São Paulo como responsável por 70% das investigações sobre os temas relacionados à pessoa com deficiência e aspectos educacionais.

Os estudos de Educação Física sobre a pessoa com deficiência

Estruturaram-se 355 estudos na Educação Física com ênfase na pessoa com deficiência. O primeiro datado de 1991, delineou-se pela UNICAMP, com tendência de crescimento no desenvolvimento dessas pesquisas, segundo notado pela Figura 2.

Figura 2
Teses e dissertações produzidas na Educação Física brasileira sobre a pessoa com deficiência.
Teses e dissertações produzidas na Educação Física brasileira sobre a pessoa com deficiência.
Fonte: Elaborado pelos autores.

O caminhar da produção acadêmica apresentou-se em consonância com o estudo de Oliveira (2003), o qual, desenvolvendo uma pesquisa sobre as produções referentes à Educação Física Adaptada no Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, identificou a intensificação do interesse por essa temática a partir da década de 1980, com acréscimo a partir de 1990.

Esse perfil de desenvolvimento dos estudos sobre a pessoa com deficiência, na área da Educação Física, pode ser derivado da impulsão de dois principais fatores:

  • A ampliação das discussões sociais sobre a inclusão da pessoa com deficiência:

    • O ano de 1981 se concebeu como o “Ano Internacional das Pessoas Deficientes”, instigando os países a realizarem ações sobre a participação da pessoa com deficiência nos diferentes segmentos sociais, culminando em promulgações brasileira sobre essa questão (Silva & Araújo, 2012).

  • O amadurecimento da Educação Física enquanto ciência:

    • A criação dos programas nacionais de pós-graduação em Educação Física, com a instituição do Mestrado em Educação Física no ano de 1977, e o de Doutorado em 1988, ambos pela Universidade de São Paulo, possibilitou o desenvolvimento de pesquisas nas diversas áreas que compõe a Educação Física, dentre elas, a destinada às pessoas com deficiência;

    • As discussões sociais sobre a pessoa com deficiência, associadas ao desenvolvimento científico da Educação Física acarretaram na inserção da disciplina Educação Física Adaptada (EFA) nos cursos de Educação Física, pela Resolução n° 03 de 1987, do Conselho Federal de Educação, com a abertura de espaço sobre essas discussões (Oliveira, 2003).

Nesse cenário, os estudos se desenvolveram abarcando diferentes objetivos, cenários e perspectivas, com temas referidos às categorias de Aspectos Biológicos (30,14%), Esporte (32,95%), Inclusão Educacional (16,05%), Saúde e Qualidade de Vida (9,57%), Práticas Corporais (5,91%), Aspectos Socioculturais (2,53%) e Lazer (2,81%), cujo caminhar de desenvolvimento das produções em cada temática encontra-se caracterizado na Figura 3.

Figura 3
Distribuição dos estudos referentes à pessoa com deficiência produzidos na Educação Física brasileira.
Distribuição dos estudos referentes à pessoa com deficiência produzidos na Educação Física brasileira.
Fonte: Elaborado pelos autores.

A ampliação na produção de estudos sobre a pessoa com deficiência na Educação Física ao longo dos anos foi incitada, principalmente, por temáticas pertencentes às categorias de Aspectos Biológicos e de Esporte, consequente ao contexto histórico marcado por uma inicial e contínua atuação da Educação Física com foco no desenvolvimento da aptidão física e na formação de atletas. Esse contexto se refletiu nos estudos acerca da população com deficiência ao, inicialmente, explorar uma visão biológica da sua condição e enfatizar, na década de 1980, uma atuação terapêutica da área como forma de reabilitação (Oliveira, 2003). Além disso, eventos ocorridos no Brasil, como as Paralimpíadas de 2016, induziram à transformação das IES em polos de recursos intelectuais sobre o esporte adaptado, impulsionando os estudos nessa temática.

Esses dados são corroborados pelo estudo de Frasson, Neto e Wittizorecki (2019), que identificaram um percentual de 77,60% da produção de teses e dissertações de Educação Física, defendidas entre os anos de 2013 e 2017, versando predominantemente aos temas da biodinâmica, atestando uma retroalimentação entre os fatores históricos que induziram a esse aumento inicial e a estrutura de funcionamento dos programas que os mantém em superioridade em relação às demais áreas.

Em segundo plano, as pesquisas sobre Inclusão Educacional despontaram consequentes a uma preocupação educacional em se adaptar perante as novas exigências legais de implantação da educação inclusiva no Brasil. As demais categorias apareceram em terceiro plano, que pode ser associado ao fato de não se referirem aos aspectos ainda arraigados historicamente como valorosos pela área – biológicos – nem aos de visibilidade na implantação obrigatória – educacionais –, evidenciando um descompasso entre as possibilidades de atuação desse profissional e a produção de conhecimento para auxiliar na formação continuada para atuar nos vários cenários, conforme estabelecido na Carta de Educação Física e Desporto (Unesco, 1981).

Refletindo e justificando essa discrepância entre as temáticas exploradas pelos estudos, o Fórum de Pesquisadores das Subáreas Sociocultural e Pedagógica (2015) informou que a subárea biodinâmica – aqui representada pelo “Esporte” e “Aspectos Biológicos” - detém mais de 70% do total dos cursos de pós-graduação vinculados à Educação Física no Brasil, enquanto às subáreas sociocultural e pedagógica cabem apenas 14,5% e 13,3%, respectivamente. Não obstante, segundo os mesmos autores, houve um aumento do número de cursos de licenciatura em Educação Física em detrimento do bacharelado, totalizando 56,9% da área no ano de 2015, enquanto, contraditoriamente, reduziram-se os trabalhos de pós-graduação nas áreas sociocultural e pedagógica, podendo acarretar em prejuízo à qualificação da formação docente inicial e continuada. Enfatizar o desenvolvimento biológico em detrimento da atuação pedagógica e influências socioculturais perpetua elementos históricos da Educação Física que preteriu aspectos humanos e enalteceu apenas um de seus desenvolvimentos possíveis.

Os estudos de Educação Física sobre a inclusão da pessoa com deficiência

Dentre o universo de estudos encontrados, os 16,05% pertencentes à categoria “Inclusão Educacional” corresponderam a 57 pesquisas distribuídas no seguinte decorrer temporal explicitado na Figura 4.

Figura 4
Quantidade de estudos sobre Inclusão Educacional produzidos nos programas de pós-graduação nível stricto sensu de Educação Física, em cada ano.
Quantidade de estudos sobre Inclusão Educacional produzidos nos programas de pós-graduação nível stricto sensu de Educação Física, em cada ano.
Fonte: Elaborado pelos autores.

O princípio da elaboração dessas pesquisas – 1998 – denotou uma consequência das determinações legais impostas tanto a partir da promulgação da Constituição Federal do Brasil, em 1988, a qual instituiu a inserção da pessoa com deficiência nas escolas regulares, quanto da terceira LDB (1996), que oficializou as perspectivas inclusivas no cenário educacional brasileiro, induzindo à construção de conhecimentos para adequar a atuação da Educação Física a ser desempenhada no contexto educacional. Ainda que discretos, os períodos de ampliação dessa produção processaram-se a partir de 2009, um momento em que dificuldades permearam a prática educacional, com ações legais que cada vez mais aproximaram os alunos com deficiência das classes comuns e, em contrapartida, professores revelaram-se despreparados para atender as especificidades desse alunado, clamando para a necessidade de uma intervenção teórica que a sustentasse.

Em diálogo sobre a perspectiva de inclusão na Educação Física brasileira, Chicon, Peterle e Santana (2013), analisaram as publicações em periódicos da área entre os anos de 2000 e 2010, apontando a escassez de estudos sobre esse tema, como resultado destes serem oriundos de uma problemática recente de mudanças de paradigmas, iniciadas apenas a partir da década de 1990. Silva (2018), bem como Casagrande e Mainardes (2021), atestaram que um movimento pró-inclusão, ocorrido a partir dos anos de 1990, contribuiu para a expansão dos estudos sobre a temática da educação inclusiva no Brasil, influenciando as várias disciplinas componentes; isso apoiado por uma também expansão dos programas de pós-graduação no país nesse mesmo momento histórico.

Isto posto, as IES produtoras dos estudos dessa temática, em perspectiva decrescente, foram a UNICAMP (Educação Física): 24; UFES (Educação Física): 9; UFRGS (Ciências do Movimento Humano): 5; UDESC (Ciências do Movimento Humano): 4; UFSC (Educação Física): 3; UNESP (Ciências da Motricidade) e UNIMEP (Educação Física): 2 cada; UCB (Educação Física), UFV (Educação Física), UFPEL (Educação Física), UFSM (Educação Física), UFRN (Educação Física), UNOPAR (Exercício Físico na Promoção da Saúde) e USP (Educação Física e Esporte) com 1 estudo cada.

A UNICAMP sobressaiu-se com quantidade significativa de estudos (a presença de uma linha de pesquisa específica para pesquisas destinadas à pessoa com deficiência revelou-se contributiva com o desenvolvimento de investigações também na temática da inclusão), seguida pela UFES e UFRGS (as quais contam com linhas de pesquisas abarcando as dimensões socioeducacionais, que incorporam discussões acerca do contexto inclusivo).

Por outro lado, a maioria dos programas (16) não discutiram a temática inclusiva. Carece uma reorganização dos programas de pós-graduação com a inserção de linhas de pesquisa exploradoras das questões socioeducacionais inclusivas, bem como das demais dimensões ainda em desprestígio na área para o desenvolvimento de conhecimentos sobre as diferentes temáticas e para contribuir com o amadurecimento da área considerando a sua heterogeneidade.

Quanto à temática, os estudos investigaram a “Formação de professores de educação física” (28%), as “Atitudes e entendimentos de professores e estudantes de educação física” (26%), o “Processo inclusivo global” (23%), as “Relações interpessoais e comportamento” (11%), as “Pesquisas acadêmicas” (4%), a “Avaliação” (4%), as “Práticas Pedagógicas” (2%) e o “Atendimento educacional especializado” (2%).

Temáticas semelhantes evidenciaram-se no estudo de Silva (2016) a respeito dos tópicos investigados em educação especial e inclusiva, atestando os temas citados de formação de professores, processos inclusivos gerais e atitudes como frequentes.

Nota-se que os temas concernentes à formação e às atitudes dos professores predominaram. Analisando estatisticamente as formas ativas presentes nos estudos, - sendo que o corpus se constituiu por 435 segmentos de texto, totalizando 15483 ocorrências (total de palavras no corpus) – identificou-se nas 20 formas de maior frequência a palavra “professor” com a segunda colocação dos vocábulos mais pronunciados, atestando a focalização das ações docentes pela produção acadêmica de Educação Física sobre o tema inclusivo.

Tabela 1
Análise estatística das formas ativas de vocábulos expostos nos resumos dos estudos.
Análise estatística das formas ativas de vocábulos expostos nos resumos dos estudos.
Fonte: Elaborado pelos autores.

Deriva-se, desses dados, uma compreensão que transcende a dimensão social e se insere no âmbito acadêmico de atribuição ao professor a responsabilidade principal pelo processo inclusivo. A centralidade do professor na responsabilização do processo inclusivo foi averiguada similarmente no estudo de Oliveira Nunes e Munster (2017), os quais destacaram a urgência no desenvolvimento de análises de forma mais sistemática sobre a realidade da inclusão escolar.

A inclusão educacional é um processo envolvente de múltiplas dimensões, necessidades e atuações. A formação profissional e a atuação docente são indispensáveis para o caminhar desse processo inclusivo, mas este também se encontra entremeado por fatores inerentes a toda a comunidade escolar, abarcando aspectos econômicos, culturais, pedagógicos, familiares, psicológicos e políticos. Laplane, Lacerda e Kassar (2006), tal qual Peluso et al. (2020), assinalaram a necessidade de exploração de outras temáticas da inclusão escolar para além da formação de professores, citando a organização dos recursos financeiros e materiais, a atuação do especialista de apoio à equipe escolar, a flexibilização do currículo e da avaliação, a captação de dados informativos sobre os alunos com deficiência, a estruturação da permanência do aluno com deficiência nas escolas e os cenários específicos, como a educação de jovens e adultos.

Não obstante, o vocábulo “deficiência” despontando como o mais frequente remete a uma persistência no foco biológico da condição, sugerindo resquícios de um paradigma médico e de uma vertente terapêutica da Educação Física. Mas a influência de um modelo social e pedagógica da deficiência e da Educação Física transparecem quando se averígua vocábulos como “pesquisa”, “processo”, “ação” e análise” denotando o buscar pelo agir docente de forma qualitativa aos atendimentos que se mostrarem necessários.

Sendo a Inclusão Educacional uma área recente da Educação Física, subentende-se uma multiplicidade de elementos a serem considerados no processo inclusivo, e estes inserir-se-ão nos estudos ao longo do tempo, entremeando paradigmas antigos com novas reflexões em um processo de reflexão constante e reconstrução da atuação e pensamento da Educação Física em direção ao aluno com deficiência. Os estudos produzidos mostram uma necessidade de continuidade na exploração dessa temática até o alcance das transformações necessárias agora em direção ao alcance das transformações práticas do docente, já que “as produções acadêmicas, ao longo deste tempo, responderam a muitas questões, porém, no que se refere à ação pedagógica ainda continuam lacunas a serem preenchidas” (Seabra Junior, 2006, p. 68).

As produções acadêmicas processam-se continuamente, em meio à discussões que não se findam, mas reorganizam-se segundo as necessidades do momento vigente. Nesse processo de reestruturação investigativa, os estudos delinearam-se por objetivos de:

  • Definição: visando conceituar a inclusão e os tipos de deficiência - 2 estudos;

  • Avaliação: analisando o processo inclusivo nas aulas de Educação Física - 46 estudos e;

  • Intervenção: realizando propostas de ações na realidade escolar - 9 estudos.

Os estudos orientados à Definição apareceram em 2 momentos aleatórios, sem associação nem continuidade entre eles, o que pode ser justificado por terem sido um alicerce inicial desenvolvido em momento antecessor às construções acadêmicas acerca da inclusão na Educação Física. Em contrapartida, houve um predomínio de pesquisas organizadas por procedimentos avaliativos, manifestando o aparecimento das dificuldades de construção do processo inclusivo na realidade escolar, as quais descortinaram uma série de temas a serem explorados. Já as propostas de intervenção originaram-se em 2000, com reaparecimento em 2014.

Os estudos de avaliação respaldaram a posterior fase de pesquisas destinadas à intervenção na realidade. Contudo, o momento exige um redirecionamento das investigações de forma a não apenas identificar dificuldades, as quais já estão suficientemente relatadas na literatura, mas despontar orientações às atuações, com debates mais próximas da intervenção profissional. Glat e Pletsch (2010) recomendaram uma reorientação das pesquisas para analisar as experiências de ensino, identificando estratégias bem-sucedidas e explorando metodologias contributivas à transformação escolar, como a pesquisa-ação.

No que se refere aos aspectos metodológicos, aspectos estes que possibilitam a compreensão do processo de amadurecimento alcançado por estes estudos, nota-se significativa predominância de aspectos qualitativos, conforme identificado pela Tabela 2.

Tabela 2
Aspectos metodológicos dos estudos sobre a inclusão da pessoa com deficiência
Aspectos metodológicos dos estudos sobre a inclusão da pessoa com deficiência
Fonte: Elaborado pelos autores.

O conhecimento sobre inclusão educacional na Educação Física brasileira estruturou-se predominantemente por pesquisas de caráter qualitativo. Considerando que a discussão inclusiva engloba aspectos socioeducacionais, esse fator justifica-se como consequente à intensa exploração dessa tipologia de pesquisas nos estudos dessa área, os quais enfocam discussões reflexivas e não representações numéricas (Frasson, Neto, Wittizorecki, 2019). Uma metodologia qualitativa traz contribuições relevantes para as questões socioeducacionais não apenas por reproduzir um dado científico, mas também investigar contextos e fenômenos concretos, possibilitando mudanças e propostas de soluções para os problemas ali encontrados (Flick, 2009).

Segundo Silva e Araújo (2012), através da temática da discussão inclusiva ocorreu a ascensão da metodologia qualitativa na área de estudos referentes à pessoa com deficiência na Educação Física nacional, a qual, até aquele momento, mantinha-se com caráter predominantemente biológico e quantitativo da Atividade Motora Adaptada.

Porém, se para essa área tais metodologias eram até então escassas, por outro lado, se mantiveram como as predominantes nos estudos de caráter educacional. Com pouca tradição em realização de trabalhos direcionados à área da educação com as metodologias quantitativas no Brasil, as escassas pesquisas desenvolvidas quantitativamente foram exploradas de forma prevalecente por pesquisadores de outras áreas, como estatísticos, prejudicando a reflexão e a interpretação dos dados de forma atrelada à prática educacional (Gatti, 2004), já que não cabe a coleta de dados numéricos como processo final para ampliar a interpretação de um contexto.

Proveniente a essa predominância qualitativa e de caráter avaliativo nos estudos, decorreu um destaque na presença de definições de pesquisas relacionadas a esse tipo metodológico, com as pesquisas delineadas, principalmente, por Estudo de Caso e Pesquisa Documental, usufruindo, como principais procedimentos de coleta de dados, da Entrevista, Observação e Questionário. Com escassas pesquisas interventivas, opções que possibilitariam tal ação, como a Pesquisa-ação e a Pesquisa Participante, foram pouco manipuladas.

Investigando o conhecimento sobre a inclusão em estudos de programas de pós-graduação de Educação Especial no Brasil, Manzini (2011) até 2011, se deparou com a predominância de pesquisas organizadas por meio do Estudo de Caso e com coleta de dados realizada pelos instrumentos tradicionais de Entrevista e Observação. Em contrapartida, em estudos recentes, esses dados diferem da sistematização realizada sobre as produções na área da educação especial e inclusiva no estado de São Paulo, que tem discorrido com maior atenção, no momento vigente, aos estudos voltados aos processos de ensino aprendizagem (Silva, 2016). Tal estruturação pode se transfigurar como uma orientação de direcionamento aos estudos da Educação Física no que se refere à temática inclusiva.

Em outro contexto, em estudo sobre a técnica de coleta de dados empregada nas pesquisas de Atividade Motora Adaptada, Silva e Araújo (2012) identificaram o emprego de Testes de Aferição de Habilidade Motora como o mais explorado. Atesta-se o fato da temática da inclusão ter aberto um novo espaço de metodologias de pesquisas qualitativas na área da Educação Física Adaptada. A aproximação da Educação Física com os procedimentos utilizados pelas pesquisas da área da Educação e Educação Especial possibilitou a construção de conhecimentos nas diversificadas dimensões humanas. Isso reforça a orientação à Educação Física para caminhar em direção às pesquisas interventivas como forma de contribuir com a área.

O viés qualitativo também se manteve no item “Análise dos dados”, contudo, com uma abertura maior à presença dos aspectos quantitativos. Nesse tópico, houve a predominância da técnica de Análise de Conteúdo, seguido pela Análise Estatística, com abertura aos aspectos quantitativos como apoio nas diversas definições de pesquisas de cunho qualitativo. Visualizou-se uma inicial exploração de diversidade técnicas, avançando em metodologias pouco utilizadas na pesquisa educacional, conforme proposto por Gatti (2004) e Manzini (2011).

Por outro lado, contradições despontaram devido às estruturações de pesquisas com fragilidades metodológicas. Apesar da pesquisa Documental ser relatada como a segunda mais utilizada, a técnica de Análise Documental ocupou a 5° colocação dentre os procedimentos de análise de dados, mesma colocação da forma de coleta de dados por Documentos. Evidenciou-se, ainda, um grande número de estudos que não especificaram os seus métodos quanto à definição da pesquisa (31,57%), à coleta dos dados (8, 77%) e à análise dos mesmos (14,034%).

Sendo recente a primeira pesquisa de inclusão na área da Educação Física – 1998 –, esses estudos se encontram em fase de amadurecimento, progredindo em alguns aspectos, como ao iniciar uma ampliação de formas de análise dos dados, mas apresentando vulnerabilidade em outros, como na metodologia de pesquisa. O desenvolvimento de uma pesquisa científica exige rigor e legitimidade, com a estruturação de sua metodologia de forma adequada, abarcando ampla descrição, justificativa dos procedimentos utilizados e análise criteriosa para fornecer avanços contributivos para a área (André, 2001). A inserção de disciplinas de metodologia científica como obrigatórias nos programas de pós-graduação desponta como uma possibilidade de contribuição para a superação dessas dificuldades metodológicas. De forma longitudinal, a reorganização dessas disciplinas também nos cursos de graduação mostrou-se necessária, já que as existentes aparentaram não ser suficientes para a construção desse conhecimento específico.

Em relação às populações alvo investigadas pelos estudos acadêmicos, sabendo que em alguns estudos foram consideradas mais de uma população, obteve-se uma predominância nas ações dos professores e estudantes de Educação Física, exibido pela Figura 5.

Figura 5
População alvo dos estudos da Educação Física sobre inclusão da pessoa com deficiência.
População alvo dos estudos da Educação Física sobre inclusão da pessoa com deficiência.
Fonte: Elaborado pelos autores.

Os estudos se direcionaram aos personagens com maior visibilidade no processo inclusivo – professores e alunos –, associado ao predomínio de temas orientados à atuação e à formação do professor de Educação Física. Aliando-se à Tabela 1, onde o vocábulo “deficiência” obteve maior frequência, pondera-se para um foco na ação docente segundo as limitações e não potencialidades desse aluno. Não obstante, outros grupos pouco foram abrangidos.

A atuação colaborativa, seja entre a gestão ou os professores especialistas de apoio e os professores da escola comum, é a principal demanda na visão de professores a respeito da educação inclusiva (Souza & Pich, 2013; Matos & Mendes, 2015), carecendo de fundamentação científica para contribuir com a inclusão escolar (Carvalho, 2014).

Além destas personagens, constatou-se precariedade na quantidade de trabalhos delineados com dados obtidos pelas próprias pessoas com deficiência, com a maioria dos estudos expondo uma interpretação do próprio pesquisador a respeito de suas atitudes e interações, sem indagar a ela própria. Já a família urge de pesquisas orientadoras para uma intervenção em situações conflituosas do cenário escolar, como o desconhecimento sobre as funções família/escola, a negação da família sobre a condição da criança, além da relutância em permitir a participação do filho na aula de Educação Física (Fiorini & Manzini, 2014).

Assim, os estudos desdobraram-se sobre um leque semântico das palavras mais frequentes: professor, aluno e deficiência, ilustrado pela Figura 6.

Figura 6
Análise de similitude das palavras contidas nos resumos dos estudos, segundo o Iramuteq.
Análise de similitude das palavras contidas nos resumos dos estudos, segundo o Iramuteq.
Fonte: Gerado pelo programa Iramutec.

A análise da árvore aponta para conexões entre o “professor”, com a sua “formação” e “ação”, bem como a “deficiência” do aluno. Identifica-se a necessidade da formação do professor com estudos sobre a deficiência para que o aluno esteja em uma escola que atenda às suas particularidades, mas com a deficiência não recebendo enfoque enquanto condição biológica incapacitando, mas como uma condição a ser conhecida para que intervenções adequadas possam ser desenvolvidas. Associando essa análise com os principais dados apontados pelos estudos, delineados no Quadro 1, desprende-se a existência de dificuldades em consolidar a inclusão nas aulas de Educação Física, mas também alguns caminhos possíveis.

Quadro 1
Conhecimentos produzidos na Educação Física sobre a inclusão da pessoa com deficiência.
Conhecimentos produzidos na Educação Física sobre a inclusão da pessoa com deficiência.
Fonte: Elaborado pelos autores.

A partir do Quadro 1, tem-se a perspectiva dos elementos já analisados e lacunas do conhecimento que podem ser exploradas, visualizando fatores desenvolvidos desde a aproximação da pessoa com deficiência das escolas comuns, bem como da Educação Física escolar.

Conclusões

A estrutura científica de temáticas concernentes às pessoas com deficiência na Educação Física brasileira foi impulsionada por dois fatores que ainda se encontram processo de consolidação. O primeiro se refere ao discurso político social da inclusão e o segundo à mudança de paradigmas desdobrada especificamente na área da Educação Física (Silva & Araújo, 2012). Nesse viés, notou-se uma evolução nesse campo de pesquisa, em um caminhar que, originado das definições e avaliações tem se direcionado à elaboração de intervenções na sociedade, incluindo a pessoa com deficiência como partícipe da ciência que fundamenta a Educação Física.

As responsabilidades da pesquisa acadêmica em superar a agonia docente em relação a essa nova proposta inclusiva estão atreladas ao fornecimento de subsídios para esclarecimentos, atualizações teóricas e também direcionamentos práticos a serem percorridos pelos docentes para ultrapassarem as dificuldades e alcançarem uma prática com qualidade. Estas não devem se apresentar como receitas, mas sugestões propiciadoras de reflexões e reconstruções da atuação do mesmo.

Ao pesquisador impera desenvolver pesquisas em colaboração com professores, popularizando os seus resultados não apenas pela simplificação das escritas, mas associando-as aos contextos da realidade pedagógica (Tardif & Zourhlal, 2005). Também urge aos sistemas de avaliação das produções acadêmicas uma alteração no seu posicionamento sobre a atuação da Educação Física, considerando a sua função na Grande Área de Ciências Humanas conjuntamente à de Ciências da Saúde, valorizando os pesquisadores que desenvolvam trabalhos de forma colaborativa à comunidade escolar e investindo no desenvolvimento desses estudos.

É imprescindível um processo de amadurecimento metodológico, diversificação da população foco dos estudos e redirecionamento dessa área de pesquisa para a elaboração de possibilidades de intervenções para auxiliarem na organização de um ensino de qualidade para todos, conscientes e almejando contribuir com a superação dos entraves impostos por um sistema educacional com tamanhas fragilidades. Afinal, a Educação Física inclusiva está influenciada por esse contexto de múltiplas dificuldades, mas não é determinada pelo mesmo.

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Recepción: 11 Septiembre 2020

Aprobación: 10 Diciembre 2021

Publicación: 01 Febrero 2022

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