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Alunos do bacharelado em Educação Física no Brasil: formação, representações e relações com os saberes
Resumo: Este artigo objetiva analisar as representações que um grupo de alunos de um curso de Bacharelado em Educação Física de uma universidade pública do Brasil possuem sobre a formação que receberam. Fundamenta-se nos preceitos teóricos da Relação com o Saber e das Representações Sociais. Metodologicamente, configura-se como uma pesquisa de natureza qualitativa e do tipo descritivo-interpretativa, utilizando, como instrumentos de coleta de dados, um questionário aberto e semiestruturado. Os sujeitos foram 31 discentes do quarto período do curso. Percebeu-se que a maioria dos alunos espera uma graduação com mais conteúdos de teor prático e que eles têm mais facilidade de identificar o que acreditam estar “errado” no curso do que o que está dando “certo”. Além disso, notou-se que é preciso compreender o aluno que está sendo recebido e que talvez o grande desafio do curso, de modo geral, seja de fazer com que eles, com diferentes representações, consigam dar sentido ao que é ensinado e vivenciado na graduação, o que diverge, em muitos casos, das experiências anteriores à entrada na universidade que trazem consigo.
Palavras-chave: Educação Física, Formação, Bacharelado, Representações.
Students of the Bachelor’s Degree in Physical Education in Brazil: formation, representations and relations with the knowledge
Abstract: This work aims to understand the representations that a group of students who entered a Bachelor's Degree in Physical Education in a public university from Brazil have about the training they received. It uses as an instrument of data collection an open and semi-structured questionnaire. It works with the theoretical and methodological contribution of the theory of Relation with Knowledge and Social Representations. The participants were 31 students from the fourth period of the course. It was noticed that most students expect an undergraduate course with more practical content and that they find it easier to identify what they believe to be “wrong” in the course than what is working “right”. In addition, it has been observed that it is necessary to understand the students and that perhaps the great challenge of the course, in general, is for students, with different representations, to be able to give meaning to what is taught, which many times diverges, in many cases, from the experiences prior to entering the university that they bring with them.
Keywords: Physical Education, Formation, Bachelor, Representations.
Estudiantes del Grado en Educación Física en Brasil: formación, representaciones y relaciones con el saber
Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar las representaciones que un grupo de estudiantes de un curso de Grado en Educación Física de una universidad pública de Brasil posé sobre la formación que recibieron. Se basa en los preceptos teóricos de la Relación con el Conocimiento y las Representaciones Sociales. Metodológicamente, es una investigación cualitativa y descriptiva-interpretativa, utilizando un cuestionario abierto y semiestructurado como instrumentos de producción de datos. Los participantes fueron 31 alumnos del cuarto período del curso. Se notó que la mayoría de los estudiantes esperan un curso de pregrado con contenido más práctico y que les parece más fácil identificar lo que creen que está "mal" en el curso que lo que está funcionando "bien". Además, se señaló que es necesario comprender al alumno que está siendo recibido y que quizás el mayor desafío del curso, en general, es hacerlos, con diferentes representaciones, capaces de dar sentido a lo enseñado y vivido en la graduación, lo que difiere, en muchos casos, de las experiencias previas al ingreso a la universidad que traen consigo.
Palabras clave: Educación Física, Formación, Grado en Educación Física, Representaciones.
1. Introdução
Após ampla discussão na área de Educação Física a respeito da formação necessária aos seus professores para atuar nas instituições educacionais e não escolares, e sob a crítica da formação oferecida nos cursos de licenciatura plena, foi designado, sobretudo a partir da década de 1990, que houvesse uma reformulação curricular nas instituições que ofereciam a Educação Física em nível superior (Camargo Barros, 1995; Andrade Filho, 2001; Benites, Souza Neto & Hunger, 2008).
As resoluções CNE/CP0 nº 01/02 e CNE/CES nº 07/04 materializaram os resultados de tais discussões. Dessa maneira, a formação em Educação Física passou a ser realizada nas modalidades licenciatura e bacharelado. A primeira, formando os alunos para trabalhar como professores nas escolas públicas e particulares da educação básica; e a segunda, formando professores para atuar nos campos das práticas corporais relacionadas com a saúde, o esporte e o lazer (Dias, Malina, Telles, Sousa & Azevedo, 2019).
Seguindo essas normas e diretrizes com fundamentação na lei, o curso de licenciatura plena em Educação Física da universidade por nós investigada foi dividido, em 2006, entre bacharelado e licenciatura. O curso de bacharelado recebeu sua primeira turma no ano de 2008, tendo como um dos seus objetivos “Oferecer um curso capaz de atender à demanda por profissionais no campo das práticas corporais relacionadas à saúde e nos campos do esporte e do lazer” (PPP, 2008, p. 5).1
Dessa forma, o presente estudo procura dar continuidade a uma pesquisa longitudinal, em desenvolvimento, iniciada no ano de 2013 em nossa universidade. Nele, objetivamos analisar, à luz das Teorias das Representações Sociais, de Serge Moscovici (2003), e da Relação com o Saber, de Bernard Charlot (2000), quais são as representações que uma turma de alunos do quarto período do curso de Bacharelado em Educação Física possuíam sobre a formação que estavam recebendo até aquele momento da graduação e qual o tipo de relação eles estavam estabelecendo com os diferentes saberes compartilhados durante o processo de formação.
Para entender essas perspectivas dos alunos, pautamo-nos nos principais autores que desenvolveram estudos sobre as Teorias das Representações Sociais e da Relação com o Saber, que serão caracterizadas na revisão a seguir.
A Teoria das Representações Sociais foi elaborada e desenvolvida por Serge Moscovici, autor romeno, radicado na França, que centra seus estudos na área da Sociologia, com ênfase na Psicologia Social, buscando tratar os diversos processos de entender e explicar o mundo por meio das relações sociais e psíquicas com uma dada realidade concreta. Essas relações se organizam em função da composição dos grupos em nossa sociedade, com base em alguns fatores que estão intrínsecos nos indivíduos e em suas relações sociais e psicológicas com o mundo em que vivem e com os outros sujeitos que o compõem.
Segundo Moscovici (2003), para compreender o mundo e os grupos que o compõem, era necessário o desenvolvimento de uma teoria com uma visão que possibilitasse perceber os fenômenos psicológicos de um ponto de vista social e cultural. Dessa forma, para o autor, estava se desenvolvendo uma nova proposta que teria como pano de fundo, ou até mesmo justificativa, uma teoria que permitisse as suas análises tendo como fundamento uma Psicologia Social.
Jodelet (1989), suas contribuições no estudo da teoria, afirma que as Representações Sociais são construídas e, consequentemente, externadas no momento de uma necessidade que faz com que um indivíduo busque se apropriar do mundo, ao mesmo tempo em que se adapta a ele e dele faz uso. Nesse momento, há construção de meios de identificação e resolução de problemas e nas mais variadas situações cotidianas. Mesmo não percebendo, somos, de certa forma, guiados por nossas representações, pois, a partir delas, tomamos decisões e nos posicionamos em frente ao pluralismo cotidiano e seu universo de informações.
Schneider, Kuhn & Santos (2008, p. 154) ressaltaram em seu estudo:
Deve-se tratar das Representações Sociais como ‘ideias’ que os indivíduos possuem sobre determinado objeto, por isso há a necessidade de se investigar quais os fatores que contribuem para configurar cada fato/ação social em cada contexto/situação específico. Assim cada indivíduo tem um conhecimento de sua experiência e atribui relevância a determinados temas/fatos de acordo com sua história de vida, interpretando o mundo em função de suas representações sociais e refletindo assim os seus interesses.
As representações estão contidas no meio social. Elas fazem parte da essência dos sujeitos e dos mais variados espaços institucionais: uma praça, uma igreja ou uma sala de aula.
Jovchelovicht (2002), também em seus estudos sobre Representações Sociais, expõe o espaço público como a grande esfera propulsora da construção representacional do ser humano. Ao trazer Arendt para suas análises, a autora enriquece a discussão expondo que a diversidade e a pluralidade caracterizam o espaço público, um lugar que está aberto às diferentes perspectivas e experiências. Um dos seus objetivos é provocar o discurso, a fala e a troca entre os indivíduos, construindo, assim, o aprendizado.
Em nossa pesquisa, propomos a análise das representações de sujeitos que estão na posição de alunos, estudantes de uma universidade pública federal. Representações advindas de um processo anterior construído na Educação Física escolar.
Para compreendermos, com base em tais representações, os tipos de relações que são estabelecidas pelos alunos do grupo analisado com os saberes compartilhados no curso, utilizaremos a Teoria da Relação com o Saber, desenvolvida por Bernard Charlot (2000).
A Relação com o Saber é tida como uma visão de análise científica, que busca compreender os sujeitos inseridos no meio social como um conjunto de relações e processos. Esses sujeitos se apropriam do mundo ao seu redor e por ele são construídos e o constroem. Essa teoria engloba em seu contexto uma Sociologia que leva em consideração o diálogo com a Psicologia e a Antropologia para significar o homem como um sujeito. Para Charlot (2000, p. 78-79):
[...] a relação com o saber é relação com o tempo. A apropriação do mundo, a construção de si mesmo, a inscrição em uma rede de relações com os outros – ‘o aprender’ – requerem tempo e jamais acabam [...]. Esse tempo, por fim, se desenvolve em três dimensões, que se interpenetram e se supõem uma à outra: o presente, o passado, o futuro. São essas as dimensões constitutivas do conceito de relação com o saber [...]. Analisar a relação com o saber é estudar o sujeito confrontado com a obrigação de aprender, em um mundo que ele partilha com os outros: a relação com o saber é relação com o mundo, relação consigo mesmo, relação com os outros.
O autor elabora uma proposta para o desenvolvimento de estudos que busquem compreender as diversas formas pelas quais os sujeitos que compõem a sociedade têm de aprender a relacionar-se e apropriar-se dos mais variados saberes que lhes são compartilhados, e até mesmo impostos, pois, para ele: “Nascer é ingressar em um mundo no qual estar-se á submetido á obrigação de aprender. Ninguém pode escapar dessa obrigação, pois o sujeito só pode ‘tornar-se’ apropriando-se do mundo” (Charlot, 2000, p. 59).
Como as Representações Sociais, a Teoria da Relação com o Saber vem sendo utilizada em trabalhos da Educação Física, tanto os que analisam o meio escolar, quanto aqueles que dão evidência às práticas e formação em outros contextos, como o ensino superior (Santos et al., 2017; Gama et al., 2017). Entendemos que suas contribuições dão uma nova visão e trazem novas perspectivas para a área. Schneider & Bueno (2005, p. 44) reforçam essa ideia em sua pesquisa “A relação dos alunos com os saberes compartilhados nas aulas de Educação Física”, expondo que: “[...] uma abordagem dos dados sob esse novo ângulo poderia permitir outras possibilidades de análise [...]”.
Charlot (2000) afirma que o pesquisador que estuda as relações com o saber, estuda relações com lugares, pessoas, objetos, conteúdos de pensamento e situações, desde que tenha uma relação com o aprender. Assim, estudar relações com o saber é uma forma de interpretar o sujeito dentro de sua singularidade e de suas relações.
Utilizaremos a Teoria da Relação com o Saber, de Bernard Charlot, em nossa pesquisa como um meio de análise, para compreendermos, com base nas representações, quais são os tipos de relações estabelecidas pelos alunos do grupo analisado com os saberes compartilhados no curso de Educação Física Bacharelado.
A pesquisa questiona quem são os sujeitos que buscam a formação de bacharel em Educação Física, quais as representações que trazem consigo, bem como o que eles esperavam do curso e o que nele encontraram. Entendemos que essas são algumas questões que norteiam esse tipo de formação. Com elas buscamos compreender quais são os principais processos que levam um aluno a optar pela carreira na Educação Física, em especial, no bacharelado.
2. Metodologia
Nossa proposta caracteriza-se como um estudo descritivo-interpretativo, de natureza qualitativa e cunho investigativo, ancorado na Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 2003) e na Teoria da Relação com o Saber (Charlot, 2000).
A pesquisa descritivo-interpretativa objetiva interpretar, a partir das descrições, as características de uma determinada população, partindo de questionamentos. Para Flick (2004, p. 28), “[...] é orientada para análise de casos concretos em sua particularidade temporal e local, partindo das expressões e atividades das pessoas em seus contextos locais”.
Os sujeitos participantes do nosso estudo foram uma turma de alunos que estavam cursando o quarto período do Bacharelado em Educação Física, composta por um total 31 estudantes que responderam ao questionário naquele momento. Destes, 19 eram do gênero masculino e 12 do gênero feminino.2
Souza Filho (1995) ressalta a importância da coleta de dados em pesquisas que envolvam análise de Representações Sociais. O autor propõe que, ao se produzir uma entrevista/questionário, é preciso elaborar uma ou mais perguntas que possibilitem captar representações dos indivíduos que estão sendo estudados. As perguntas devem ser realizadas de forma simples, evitando muitas interpretações para que as representações expressas nas respostas possam ser controladas pelas questões direcionadas aos participantes. Dessa forma, as questões devem que ser elaboradas levando em consideração que o objeto se relaciona com os sujeitos inseridos em um determinado contexto que expressa as suas características.
Como isso, utilizamos, como instrumento para produção dos dados, um questionário semiestruturado, aplicado na metade do curso em 2014/2, constituído por 18 perguntas, que foram formuladas com base nas teorias por nós assumidas, a saber:
1– Nome completo; 2 – Idade; 3 – Cidade em que reside atualmente; 4 – Naturalidade; 5 – Já é formado em outro curso superior ou técnico? Qual? 6 – Em que ano e semestre você ingressou no curso? 7 – Por que escolheu fazer o curso de Educação Física? 8 – Você já consegue diferenciar licenciatura e bacharelado? Justifique: 9 – Educação Física foi sua primeira opção de curso? 10 – O curso até agora tem sido o que você esperava dele? Justifique: 11 – Para você, qual(is) foram as disciplinas mais importantes vistas e estudadas até agora? Justifique: 12 – O que o vem motivando a seguir no curso? 13 – O que você espera do curso mais à frente? 14 - Qual(is) disciplina(s) você considera desnecessária(s) no seu currículo de formação dentro do bacharelado? Justifique: 15 – Em que você pretende trabalhar depois de formado? 16 – O que sua família pensa em relação à sua escolha de carreira na Educação Física? 17 – O que você acredita que seja necessário para ser um bom profissional em sua área de trabalho? 18 – Tem algo que não foi perguntado ou que gostaria de deixar registrado?
Em nosso questionário, procuramos, de maneira central, captar: as representações dos alunos sobre como estavam compreendendo a formação recebida até aquele período, que era a metade do curso; o que os estava motivando a permanecer no curso; quais disciplinas eles julgavam mais importantes e quais consideravam menos relevantes até o momento; se os seus anseios iniciais estavam sendo atendidos; se tinham dúvida em relação ao que queriam fazer; o que acreditavam ser necessário para se tornarem bons profissionais da área; e quais eram as suas expectativas tanto em relação à continuidade no curso, quanto à sua área de atuação profissional depois de formado.
Como estratégia para a análise e aprofundamento das respostas, buscaremos explorar apenas a pergunta nº 10 do nosso questionário aplicado: “O curso tem sido o que você esperava dele até o momento? Justifique”. Acreditamos que essa pergunta nos possibilitará realizar as primeiras verificações sobre o que mantém ou afasta os alunos do bacharelado. Souza Filho (1995, p. 118) reforça que, “Independentemente da pretensão de um estudo ‘arqueológico’ de R.S., trata-se de reunir todos os significados (re)produzidos por uma determinada população a respeito de um objeto delimitado”.
Justificamos que a escolha de tal questão possui intencionalidades e foi direcionada a partir de uma primeira aproximação com a turma, realizada na entrada dos alunos no curso, como apontam Gama et al. (2017). Conforme os autores, naquela primeira incursão, quando também foi aplicado um questionário mais simplificado com cinco perguntas, notou-se que 68% dos alunos diziam saber o queriam do curso. Dessa forma, entendemos que a pergunta 10 nos possibilita compreender se tais expectativas foram supridas ou não e que tipo de transformações ocorreram com esses estudantes durante o processo de formação.
Após a coleta foi realizada tabulação dos dados por meio do software Microsoft Excel version 2010. Destacamos, ainda, que, apesar de o foco estar em uma pergunta, também utilizamos as outras de maneira periférica para auxílio e compreensão ampla dos sujeitos, contexto de análise e também para o acompanhamento longitudinal do objeto, sobretudo para o desenvolvimento de outras pesquisas, como já apontado por Gama et al. (2017). Nesse sentido, selecionamos as perguntas que buscavam instigar os entrevistados a mobilizar as suas representações e saberes sobre a formação inicial dos dois primeiros anos.
3. Resultados e discussões: com a palavra os alunos
A questão nº 10 indaga aos alunos se o curso vinha sendo o que esperavam. Porém, na resposta, eles também tinham que justificar o motivo de olhar mais positivamente, ou negativamente, explicando o seu posicionamento em frente ao que o bacharelado vem lhes oferecendo. Dessa forma, essa questão nos permite perceber as suas representações e as relações com o saber que são estabelecidas entre a sua trajetória como aluno até o quarto período (momento de aplicação do questionário), as suas experiências anteriores e fora do ambiente acadêmico com a Educação Física e também as perspectivas apontadas no início do curso.
Após coleta e tabulação, foi feita uma categorização das respostas obtidas conforme demonstra o Quadro 1 a seguir:
Ao observarmos o Quadro 1, percebemos uma primeira divisão nas respostas à pergunta nº 10, o que nos permitiu criar duas categorias que, em seguida, foram subdivididas em dez subcategorias. Notamos que, nas duas categorias, o Sim e o Não obtiveram 12 respostas consideradas positivas em relação ao que se esperava do curso, e 15 percebidas como negativas. Isso nos levou a uma primeira reflexão, que nos permitiu perceber que a maior proporção dos entrevistados não estava satisfeita com o curso, não atribuindo um sentido mais positivo ao que a eles estava sendo ensinado.
Existiam aqueles que conseguiam apontar de forma mais positiva, nas representações, a percepção de que estavam tendo acesso àquilo que esperavam da formação. Charlot (2000) afirma que um evento, um lugar ou uma pessoa produzem efeitos diferentes em indivíduos com as mesmas características. Compreender essas diferentes formas de avaliar o que estava sendo aprendido pelos alunos é importante, pois nos possibilita perceber os interesses deles em relação aos interesses do curso.
As cinco primeiras subcategorias analisadas estão no grupo de participantes que responderam sim à questão. Nossa primeira subcategoria a ser analisada nos remete às respostas em que, apesar de lançar um olhar positivo, os alunos esperavam mais atividades práticas no curso, como podemos observar em uma das respostas que o Aluno 9 nos fornece, na qual ressalta: “Apesar de esperar mais conhecimentos práticos, o curso tem atendido às [...] expectativas [dele]”.
Utilizando como referência essa resposta, percebemos que existe um conhecimento orientando as representações, que podem estar fundamentadas em saberes práticos. Eles chegam ao curso esperando disciplinas que trabalhem a Educação Física em sua perspectiva prática. Podemos dizer que, provavelmente, as suas representações sobre o curso de Educação Física estão ligadas aos saberes compartilhados pela disciplina no período anterior à entrada na universidade. Conforme Schneider & Bueno (2005) destacam, os saberes que legitimam a Educação Física, principalmente no meio escolar, são aqueles que estão inscritos no corpo, no domínio de uma atividade essencialmente prática, o que Charlot (2000) caracteriza como uma das figuras do aprender, como saberes-práticos ou saber de domínio. Logo, esses saberes encontram-se incorporados nos alunos desde a educação básica.
Para Charlot (2000), as figuras do aprender são formas de aprender e, consequentemente, apropriar-se do mundo. Esses tipos de apropriação de saberes se apresentam ao sujeito sob três formas possíveis: 1) saberes-objeto (são saberes contidos em objetos empíricos, como um livro, um jornal, a linguagem escrita etc.); 2) saberes de domínio (são os saberes inscritos no corpo, nas práticas e em atividades a serem dominadas); 3) saberes relacionais (são os saberes inseridos nos relacionamentos, no contato com o outro).
Entretanto, é preciso ficar atento para não atribuirmos à Educação Física apenas os saberes práticos, uma vez que também assumimos que os saberes relacionais e os saberes-objeto fazem parte dos conteúdos, aprendizagens, apropriações e práticas de representação da Educação Física. No diálogo com Charlot (2009) & Santos et al. (2020), entendemos que o corpo não deve ser concebido como um “corpo máquina” e dicotômico em sua essência, mas sim como um “corpo-sujeito”, sem fragmentação entre físico e intelecto, unificado e com uma linguagem específica de trajetórias, adaptações e ressignificações.
“Com efeito, se ‘eu sou meu corpo’, quem ‘sabe’ o que é o corpo e como se pode educá-lo, é esse eu-sujeito-encarnado e, portanto, junto a ele é que se devem procurar as informações a respeito dos efeitos da EF” (Charlot, 2009, p. 240).
Schneider, Kuhn & Santos (2008, p. 159-160), em um estudo semelhante realizado em outra universidade do Brasil, ressaltam que, após a divisão dos cursos de Educação Física em bacharelado e licenciatura, o aluno:
[...] [ingressava] no curso com a expectativa, e às vezes certeza, de que [...] [iria] reforçar seu conhecimento sobre as modalidades esportivas a que teve acesso e, além disso, [...] [ampliaria] o conhecimento de outras. [...] a concepção do curso de Educação Física para a maioria, antes da entrada na universidade, era um espaço em que teriam com um curso essencialmente prático [...].
Obtivemos respostas próximas a esse estudo realizado em 2008, o que pode se revelar em uma tendência de que a maioria dos discentes que iniciam uma formação superior em Educação Física esperam encontrar um curso essencialmente prático. Os alunos que responderam de forma negativa à questão nº 10 também nos indiciam para essa tendência, pois a necessidade de atividades práticas é utilizada por eles para avaliar o que e como estavam aprendendo. Nesta subcategoria, percebemos a proporção de seis respondentes, em um total de 15, que apontaram que o curso não atendia seus anseios e expectativas, pois eles esperavam mais atividades práticas.
Para esses discentes, o que era expresso na grade curricular não contemplava o que esperavam, como nos informa o Aluno 25, com a seguinte resposta: “Não. Achei que as disciplinas teriam teoria e também prática; as aulas práticas são pouquíssimas e são importantes”. Da mesma forma respondeu o Aluno 6, que afirma: “Não. Esperava matérias funcionais, ou seja, que fossem ser mais aproveitadas na atuação”.
Percebemos que eles associam sobremaneira a formação inicial a questões de uma formação prática, pois acreditam que esse saber é o que vai capacitá-los para atuar em um campo de trabalho voltado para o ensino e a avaliação das práticas corporais, no esporte e nas modalidades de ginástica.
Nas análises, existe uma situação que é perceptível de forma significativa: tanto aqueles que têm um olhar negativo, quanto os que têm uma visão positiva do curso esperam que ele ofereça mais atividades práticas. É muito provável que as representações que esses alunos trazem consigo estejam fortemente ligadas às possíveis relações estabelecidas com os saberes práticos compartilhados pela Educação Física, seja ela escolar, seja em um clube, seja até mesmo expressa pela mídia e pelas vivências na rua. Essa relação com o conhecimento pode estar gerando esse choque de perspectiva, uma vez que a formação acadêmica propõe uma relação com o saber que, em muitos casos, vai ser oposta ao que ele estava acostumado ao sair do ensino básico.
A segunda subcategoria analisada relaciona-se com as repostas que se mostraram otimistas em relação ao curso, mas os alunos não exploraram a questão de forma mais complexa, por não se sentirem interessados em responder, ou por não quererem pensar sobre o assunto. Dessa forma, encontramos respostas lacunares, como a do Aluno 26, que disse: “Sim, até o momento”. Para eles, possivelmente não é relevante pensar sobre esse tema de maneira mais aprofundada, o que nos ofereceu pistas sobre a forma como se apropriam dos saberes partilhados pelo curso.
Concordamos com Charlot (2000, p. 78), ao conceber que “O mundo é dado ao homem através do que ele percebe, imagina, pensa desse mundo, através do que ele deseja, do que ele sente: o mundo se oferece a ele como um conjunto de significados, partilhados com outros homens”.
Na terceira subcategoria, alocamos respostas em que os alunos procuraram estabelecer proximidades entre a Educação Física e as Ciências da Saúde. Nesta subcategoria, encontramos duas, entre doze respostas que justificavam a escolha. O Aluno 22, ao expressar sua relação positiva com o que estava aprendendo no curso, ponderou da seguinte forma: “Sim, gosto da área de saúde e a cada dia me encanto com os ensinamentos”.
Percebemos que apenas dois alunos, ao responderem se o curso estava sendo o que eles esperavam, associam uma avaliação positiva do processo com o fato de terem realizado, até o quarto período, quase a metade das disciplinas voltadas para a área das Ciências da Saúde.
As representações que são dadas a ver nas respostas de cada participante nos mostram que os alunos voltavam suas atenções para uma única vertente da Educação Física, a área da saúde, e que gostavam do que estudavam, como explicitado na escrita do Aluno 22, quando diz que estava encantado com os ensinamentos dessa área. Isso nos leva a pensar que esse grupo, provavelmente, já conseguia atribuir um certo sentido e direcionamento à sua formação.
A quarta subcategoria analisada dentro deste grupo nos remete aos três alunos que afirmavam que o curso atendia plenamente o que se esperava dele. Em uma das respostas, o Aluno 11 afirma: “Sim, pois tem atendido às diversas demandas que a formação proporciona”. Notamos que ele, assim como outros dois, é muito positivo em relação à formação recebida, entretanto são apenas três em meio a 31 estudantes.
Talvez esse baixo número de alunos que estão conseguindo dar sentido ao que estão aprendendo no curso esteja sendo refletido no grande número de evasão e no pequeno número daqueles que chegam aos últimos períodos da formação inicial do bacharelado em Educação Física (Camargo Barros, 2008; Gama et al., 2017).
Suas representações sobre a Educação Física podem ter se modificado ao longo dos dois primeiros anos ou, também, eles podem ter iniciado no curso com uma expectativa já bem clara sobre o que iriam estudar, pois “[...] representação significa não apenas representar os objetos, mas repensá-los, re-experimentá-los, fazê-los à nossa maneira, em nosso contexto, introduzindo-os numa região de pensamento e do real, da qual fomos eliminados e na qual investimos a fim de torná-la como própria” (Guareschi, 1995, p. 218).
No diálogo com Davok & Bernard (2016), compreendemos que essa é uma questão ampla, que pode estar ligada a fatores de ordem pessoal, como vocação e/ou percepção de carreira, mas pode também estar associada a aspectos de natureza econômica, de assistência socioeducacional e das próprias políticas de permanência de alunos nas universidades brasileiras. “Nessa linha, o mundo do trabalho, em consequência das mudanças que ocorrem na economia do país e que interferem diretamente na valorização ou desvalorização de algumas profissões, também contribui diretamente na decisão do aluno” (Davok & Bernard, 2016, p. 507).
Nossa quinta e última análise referente à categoria “Sim” nos remete a uma subcategoria semelhante à apresentada, pois trata daqueles alunos que dizem que o curso tem atendido em parte o que se esperava dele. Nesse sentido, o Aluno 3 responde: “Sim. Em parte, o curso apresenta de forma contundente a Educação Física, com matérias específicas da área do bacharelado e outras voltadas um pouco mais para a licenciatura, mas tem muito a melhorar”. Em meio a algumas ressalvas, os discentes acreditam que, parcialmente, a formação para o bacharelado tem sido atendida, mas percebem que, em alguns aspectos, o conhecimento oferecido tem se aproximado muito da formação do licenciando.
A resposta do Aluno 3 é interessante. Nela ele identifica, segundo seu ponto de vista, que existem matérias obrigatórias "fora do lugar", muito mais voltadas para a licenciatura dentro da grade curricular do curso de bacharelado. Em suas representações, existe uma marcação que associa disciplinas das áreas das Ciências da Saúde ao bacharelado e disciplinas das áreas das Ciências Humanas à licenciatura. Essa observação faz crer que ele pensa que o curso está incompleto em relação às disciplinas ofertadas.
Esses aspectos identificados nas narrativas demonstram que a dubiedade na interpretação sobre as disciplinas perpassa não só pelo conteúdo que é ministrado, mas também por uma discussão ampla e complexa que deve abarcar a constituição dos Projetos Político-Pedagógicos e, consequentemente, a grade curricular dos cursos de bacharelado, bem como a definição clara dos eixos formativos centrais e transversais e a própria concepção de Educação Física, entendida por nós, a partir do diálogo com Santos et al. (2020), como o patrimônio cultural e imaterial da humanidade, constituído nas práticas corporais manifestas por meio dos jogos e brincadeiras, das danças, das lutas e dos esportes.
Dessa maneira, ancoramo-nos em Gama, Ferreira Neto & Santos (2021), ao concebermos que é de fundamental importância pensar concepções formativas direcionadas sobretudo para o bacharelado, que levem em consideração a correlação existente entre a formação teórica, prática e os campos de atuação. Com isso, busca-se uma formação que, ao mesmo tempo, seja ampla e integral, mas também específica e direcionada em sua área.
No caso dos autores supracitados, a formação para atuação com o esporte em contexto não escolar é um dos caminhos que pode ser pensado e trilhado. Assim, “[...] é preciso estabelecer um campo de discussões com continuidade nas pesquisas acerca da formação para atuação com o esporte em contexto não escolar” (Gama, Ferreira Neto & Santos, 2021, p. 15).
Em continuidade ao estudo, passaremos a dialogar com as respostas que foram categorizadas, tomando como referência as observações entendidas como negativas, respondidas com um “Não” à pergunta "O curso até agora tem sido o que você esperava dele?". Nesta categoria, foram produzidas cinco subcategorias que buscavam sistematizar os discursos dos alunos que diziam que o curso não estava atendendo os seus anseios até aquele momento.
Cabe mencionar que faremos aqui a análise de três das cinco subcategorias contidas neste grupo, pois a primeira subcategoria, que diz respeito aos alunos que esperavam mais práticas durante o curso, já foi analisada. A subcategoria “outros”, com quatro respondentes, não será analisada, uma vez que esses participantes não responderam ao que foi pedido na questão proposta e, nesse sentido, foram alocados em tal categorização, o que também nos aponta elementos do como se relacionam com os saberes e como representam tal processo nas respostas, ou seja, dando outras interpretações àquilo que lhes fora perguntado/confrontado acerca do seu processo formativo.
Nossa primeira subcategoria a ser destacada para análise está ligada aos alunos que acreditavam que o curso não estava suprindo as suas demandas em função de alguns conteúdos ensinados. Dessa forma, nas respostas, eles não concordam com algumas disciplinas ofertadas na grade curricular. Essa subcategoria é organizada com base nas respostas de 4, de um total de 19 participantes. Destacamos a fala do Aluno 1, que afirma que o curso não supre as suas demandas de formação por acreditar que muitas disciplinas não têm relação com a Educação Física. Quando perguntado: “O curso até agora tem sido o que você esperava dele?”, responde: “Não, pois muitas disciplinas que temos acho que não têm muito a ver com a Educação Física e com isso o curso acaba sendo cansativo”.
Com base nessa fala, percebemos que esses alunos trazem incorporadas representações sobre Educação Física que divergem do que se encontra na proposta de formação. Precisamos entender que, na universidade em questão, são oferecidos diferentes direcionamentos para o bacharelado, dividindo-o em três subáreas, a saber: o esporte, a saúde e o lazer. Entretanto, muitos desses discentes não estão atentos a tal diversidade, que se materializa nesses possíveis eixos de atuação. Outro elemento a ser destacado é que, até esse momento da formação (4º período), o currículo parece privilegiar a subárea da saúde em detrimento das outras.3 Tais elementos têm um impacto ao longo dos anos de graduação e criam uma identidade particular ao programa de formação aqui evidenciado.
Se recorrermos as duas primeiras questões analisadas, veremos que a maioria dos alunos chegaram ao curso com representações de que a Educação Física estava apenas relacionada com as práticas esportivas ou com a área da saúde. Dessa forma, não dão muita atenção às possibilidades que o lazer, por exemplo, pode possibilitar para a inserção no campo de trabalho, assim como outros campos de atuação.
Conforme expõem Schneider, Kuhn & Santos (2008), esse aluno ingressa no curso esperando encontrar um aprofundamento maior na parte esportiva e na parte fisiológica, pois foram essas as relações que se estabeleceram com os saberes compartilhados pela Educação Física vivenciada fora do âmbito acadêmico. Isso, consequentemente, acaba criando uma forte representação de que a Educação Física se resume apenas a algumas práticas.
Talvez isso explique essa divergência encontrada nesta subcategoria, pois o que é apropriado pelo aluno fora da universidade vai de encontro ao que é oferecido dentro da grade curricular, gerando resistências ao que é apresentado como conhecimento em algumas disciplinas. Esses saberes são, de fato, importantes para a formação do discente, porém, com base em seu ponto de vista, são desnecessários, pois ele não consegue dar sentido ao que aprende.
Na segunda subcategoria de nossas análises, encontram-se aqueles discentes que responderam não, pois esperavam mais aprofundamento dentro do curso. O Aluno 23 se expressa da seguinte forma, “Não. Entrei no curso esperando um ensino que vai além do obtido. Falta interesse de muitos professores em orientar, e dos alunos de serem orientados”.
Notamos, analisando a resposta do Aluno 23, que era esperado um ensino que fosse além do que se oferta atualmente. Possivelmente, isso pode estar relacionado com uma representação de que um curso superior, no caso em questão o de bacharelado em Educação Física, poderia transformar completamente e especializar o sujeito que nele entrasse, oferecendo-lhe tudo que fosse necessário para a atuação profissional.
Essa é uma questão que precisa ser tratada em conjunto com as ações de permanência dos alunos nas universidades, pois, em algumas situações, de fato, eles esperam que lhes sejam oferecidas diversificadas oportunidades que vão formá-los “por completo”. Nesse sentido, é preciso compreender o que eles pensam e como o processo formativo impacta suas representações e auxilia na tomada de decisões por parte da instituição (Davok & Bernard, 2016).
É preciso entender que as representações sociais se encontram, no dia a dia, nas formas diversas de relações. Elas também advêm do senso comum e das interações cotidianas. Dessa forma, a experiência e o conhecimento proporcionam a compreensão e a apropriação do mundo. Uma experiência pode ser comum a vários sujeitos, porém o conhecimento adquirido e o sentido atribuído a essa experiência é individual e subjetivo, produzidos de diferentes formas em cada indivíduo (Minayo, 2002).
Essas representações entram em conflito e, provavelmente, são colocadas em xeque no momento em que são apresentadas a outras representações sobre o sentido da Educação Física, que tem por trás de si outros saberes que concorrem para a atuação profissional.
A terceira subcategoria de análise nos remete às respostas que atribuem ao curso a falta de estrutura física e teórica, levando-o a não ser o que eles esperavam. Dessa forma, quando o Aluno 13 é questionado, ele afirma: “Não. Percebo falta de estrutura e de professores doutores voltados para área da fisiologia do exercício”.
Notamos que o aluno mobiliza a representação de que o curso poderia ser bom e atender o que dele se espera, caso tivesse uma melhor estrutura, laboratórios, quadras e secretarias funcionando durante o período de aula, contando também com professores mais bem preparados para ensinar. Percebemos, pelas respostas, que esses participantes atribuem valor à estrutura física e à formação dos professores.
Jovchelovicht (2002) explicita que a diversidade e a pluralidade caracterizam o espaço público como um espaço que está aberto às diferentes experiências, à troca de informações, de diálogos, de debates e de produção de sínteses, o que possibilita um aprendizado coletivo e aberto a muitas possibilidades de ressignificações de saberes, entre eles, das próprias representações.
A primeira parte da resposta do Aluno 13 nos apresenta a ideia de que é importante para eles que um curso de Educação Física possua uma estrutura física que permita a formação do aluno, em especial que possibilite que as práticas sejam realizadas, por isso os laboratórios são representados por eles como espaços de aprendizagens e consolidação de um saber prático. A teoria aparece como o conhecimento que permitiria que os saberes pudessem ser significados e aplicados a “situações concretas”. Os laboratórios, quando mencionados, estão ligados a disciplinas que os alunos acreditam serem as mais necessárias, como as ligadas às áreas biológicas e da fisiologia do exercício, o que permitiria que os professores oferecessem um conhecimento mais aprofundado.
Nesse sentido, corroboramos o pensamento de Paula et al. (2018) e percebemos que a forma como os alunos avaliam o curso, de maneira mais crítica ou não, é resultante de um processo que envolve não apenas o escrever sobre, mas também o fazer com as práticas corporais e a relação que cada um estabelece com os sabres específicos inerentes ao contexto formativo em que está inserido. Dessa forma, é preciso entender que esses sujeitos se apropriam de saberes teóricos, práticos e relacionais e suas narrativas materializam práticas de representação que estão, a todo momento, em transformação.
A representação passa por um processo de construção de atividades simbólicas, dentro de um espaço potencial, onde os mundos da fantasia, que são por nós construídos, e o mundo real se encontram ou se inserem para a formação de símbolos. As construções simbólicas das representações têm origem nas relações entre o eu e os outros, porém elas se dão dentro de uma rede de significados já construídos, pois o mundo e suas construções preexistem (Jovchelovicht, 2002). A chave para a atividade simbólica de construção da representação está no trabalho de o sujeito recriar as representações que já estão em circulação. Esse processo o transforma e o legitima como sujeito autônomo.
O curso, com base no que temos estudado, precisa ficar atento para não atuar como em um monólogo, esquecendo-se de dialogar com um mundo exterior, que não é o ideal, mas o real, em que cada aluno, depois de formado, irá atuar. Dessa forma, é preciso compreender o sujeito que está sendo recebido, não estigmatizando as suas representações, pois elas podem ser a forma para se ter acesso a outros saberes e assim ressignificar o conhecimento prático que ele possui antes de entrar na universidade. Além disso, o diálogo com Dias, Malina, Telles, Sousa & Azevedo (2019) nos faz perceber que os currículos de cursos de Educação Física das universidades brasileiras, sobretudo as públicas, precisam ser estudados de maneira mais específica, caso a caso.
Considerações finais
Após a análise e discussão das respostas, em que questionamos os alunos do quarto período do bacharelado em Educação Física da universidade investigada sobre o que eles esperavam do curso, podemos elencar algumas considerações que nos servem de reflexão para temas relevantes no processo formativo, sobretudo nesse tipo de graduação.
Em primeiro lugar, podemos pensar nas questões da identidade do curso e sobre a forma como ele está estruturado. Esse é um curso recente, que já passa por uma reorganização do seu currículo. A primeira turma data do início do ano de 2008/1. Observamos que o curso vem tentando construir sua identidade como um bacharelado em Educação Física, com muitos desafios para vencer em relação ao perfil de profissionais, da formação acadêmica e da profissão que procura tornar possível com o que foi proposto.
Podemos destacar também que os alunos têm mais facilidade de perceber o que eles acreditam que está “errado” no curso do que o que está dando “certo”. Isso se relaciona com uma “falsa expectativa” criada em relação ao que eles esperavam de um curso de bacharelado em Educação Física.
Em algum momento do processo de formação acadêmica, os sujeitos que entraram no curso, trazendo consigo representações construídas em diferentes espaços sociais, deparam-se com outras realidades, diferentes daquelas que vivenciaram no período anterior à entrada na universidade. Essas realidades causam impactos, e as representações influenciam o modo como os discentes avaliam o curso.
Talvez o grande desafio do curso, de modo geral, seja fazer com que seus alunos, com diferentes representações, consigam dar sentido ao que é ensinado, o que muitas vezes diverge do que eles trazem consigo e do que acham que deveria ser proporcionado, pois o que foi apropriado por eles fora da universidade geralmente vai de encontro com o que é oferecido na graduação. Possivelmente, isso cria resistências no processo de aprendizagem de alguns conteúdos que são importantes para a formação do discente, porém, no seu ponto de vista, são desnecessários, pois eles não conseguem dar o sentido necessário ao que está sendo aprendido.
Portanto, é importante compreender as representações que os alunos trazem, pois eles não são uma folha em branco; possuem experiências acumuladas da educação básica, das atividades realizadas nas ruas, nos parques, nas academias e do que a mídia oferece como forma de interpretar o papel da Educação Física na sociedade. Essas representações possuem maior ou menor sintonia com o que é oferecido como conteúdo e conhecimento na grade curricular do bacharelado.
Importa, assim, entender os pontos de conexão para possibilitar o diálogo sobre os saberes ofertados no curso com as experiências anteriores dos estudantes. Essa não é uma tarefa fácil. Demanda sensibilidade do professor do ensino superior para ressignificar, em conjunto com os alunos, os saberes das experiências com os conhecimentos científicos para a atuação profissional.
O campo de atuação do professor formado no bacharelado em Educação Física é amplo e, em razão dessa condição, muitas são as representações sociais que podem ser geradas sobre o trabalho e os conhecimentos necessários para ser um bom profissional. O contato que os alunos interessados em se formar como bacharéis em Educação Física têm com essas representações, por meio da mídia, dos clubes, da família, das práticas etc., cria diferentes expectativas, que podem não estar em ressonância com o que o curso pode lhes oferecer como condição para o estudo e o desenvolvimento de habilidades físicas e intelectuais. Porém, essas expectativas/representações que o discente apresenta não estão deslocadas; elas atendem a uma série de interesses que também são da própria sociedade.
A visão do discente está pautada na maneira como sua formação se dá. Dessa forma, a visão negativa dificulta que ele perceba como os saberes são articulados para potencializar sua formação inicial. O que se espera é que cada aluno, com base nas novas experiências de leituras e práticas corporais ofertadas no decorrer da formação, possa ressignificar suas representações sobre a Educação Física e consiga ampliar suas concepções acerca da complexidade do tema, podendo, assim, dar conscientemente sentido e direção aos diferentes caminhos de formação apresentados pelo bacharelado em Educação Física.
Ressaltamos que a temática de estudo sugere continuidade, principalmente após as mudanças em curso estabelecidas nos currículos e, consequentemente, nos processos formativos dos sujeitos, após a publicação da resolução CNE/CES nº 584/2018 (Brasil, 2018), que permite às instituições ofertar as formações de licenciatura e bacharelado com um currículo comum até determinado nível do curso, cabendo ao aluno escolher sua área de especialização, conforme os critérios estabelecidos.
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Notas
Recepción: 30 Agosto 2020
Aprobación: 30 Marzo 2021
Publicación: 01 Abril 2021
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