Artículos
“Ginástica sem fronteira”: as contribuições do Programa International Youth Leader Education na universidade e na atuação profissional
Resumo: Neste artigo trazemos como objetivo central investigar as contribuições do programa de intercâmbio International Youth Leader Education (IYLE) nas instituições de ensino superior brasileiras e na atuação profissional em Ginástica, na perspectiva de ex-participantes do intercâmbio. Para a coleta de dados realizamos entrevistas semiestruturadas e para tratamento dos dados, utilizamos análise de conteúdo proposta por Bardin (2011). Nas universidades brasileiras de vínculo dos intercambistas, após o retorno, foi constatado diversas contribuições, principalmente com aulas, oficinas e produções acadêmicas, especialmente dentro e por meio da participação em grupos de extensão e pesquisa na área da Ginástica. Durante o intercâmbio, os participantes destacaram, por suas percepções, características do ensino como a estrutura e a qualidade dos materiais como facilitadores pedagógicos; por outro lado, a organização da escola, professores e alunos, e aulas com pouca teoria e muitas atividades práticas. As principais contribuições no aspecto pessoal foram as amizades e a experiência internacional. Já no âmbito profissional, constatamos a formação em Ginástica por meio das vivências práticas, performances e outras contribuições como diferencial da formação internacional no currículo. A formação da IYLE contribuiu de diversas formas na trajetória profissional, principalmente pela aplicação dos conhecimentos adquiridos e pela experiência vivida.
Palavras-chave: Intercâmbio, Formação Profissional, Ginástica, Dinamarca.
“Gymnastics without borders”: the contributions of The International Youth Leader Education Program at university and in professional practice
Abstract: This article seeks to investigate the contributions of the International Youth Leader Education (IYLE) exchange program in Brazilian higher education institutions and in the professional performance in Gymnastics, from the perspective of former participants of the exchange. Data was collected through semi-structured interviews, and processed with the content analysis approach proposed by Bardin (2011). In the Brazilian universities where the exchange students were hosted, several contributions were observed after their return, mainly with classes, workshops and academic productions, especially within and through participation in outreach and research groups in the area of Gymnastics. During the exchange, the participants highlighted certain characteristics of the teaching practice, such as school structure and good quality materials, school organization, their teachers and students, lessons with little theory and many practical activities, as pedagogical facilitators. The primary personal benefits included forming friendships and gaining international experience. In the professional realm, including Gymnastics in the curriculum—as marked by practical experiences, performances and other contributions—distinguishes it from international training programs. The IYLE training contributed in several ways to the professional path, mainly through the application of knowledge and experience gained.
Keywords: Exchange, Vocational Training, Gymnastics, Denmark.
“Gimnasia sin fronteras”: los aportes del Programa Internacional de Educación De Jóvenes Líderes en la universidad y en la práctica profesional
Resumen: En este artículo, traemos como meta central investigar las contribuciones del programa de intercambio International Youth Leader Education (IYLE) en las instituciones de educación superior brasileñas y en el desempeño profesional en Gimnasia, desde la perspectiva de los ex-participantes del intercambio. Para la recolección de datos, realizamos entrevistas semiestructuradas y para el procesamiento de datos, utilizamos el análisis de contenido propuesto por Bardin (2011). En las universidades brasileñas donde están vinculadas las estudiantes de intercambio, después de su regreso, se observaron diversas contribuciones, principalmente con clases, talleres y producciones académicas, especialmente dentro y a través de la participación en grupos de extensión e investigación en el área de Gimnasia. Durante el intercambio, los participantes destacaron, a través de sus percepciones, características de la enseñanza como la estructura y calidad de los materiales como facilitadores pedagógicos; por otro lado, la organización de la escuela, docentes y alumnos, clases con poca teoría y muchas actividades prácticas. Los principales aportes en el aspecto personal fueron las amistades y la experiencia internacional. En el campo profesional, encontramos la formación en Gimnasia a través de experiencias prácticas, actuaciones y otros aportes como diferencial de la formación internacional en el currículo. La formación de IYLE contribuyó de varias maneras a la trayectoria profesional, principalmente a través de la aplicación de los conocimientos y la experiencia adquirida.
Palabras clave: Intercambio, Formación Profesional, Gimnasia, Dinamarca.
1. Introdução
Quando se fala em Ginástica no Brasil, podemos destacar que as influências internacionais foram primordiais desde as primeiras implementações no período colonial até as manifestações gímnicas atuais. Embora essas influências tenham sido essenciais, a formação de professores na área da Ginástica ainda não se estruturou de forma significativa a fim de atender as demandas do campo de atuação às quais abrange desde o campo escolar até o campo esportivo.
Na atualidade, a ginástica contempla uma diversidade de possibilidades de práticas, as quais podem acontecer em contextos variados, com finalidades e particularidades distintas. Souza (1997) propõe cinco grandes grupos que representam seus campos de atuação, quais sejam: ginástica de condicionamento físico (que tem por objetivo a aquisição ou a manutenção da condição física); ginástica de competição (modalidades esportivizadas regulamentadas por federação); ginástica de conscientização corporal (propostas de abordagem do corpo conhecidas por técnicas alternativas ou ginásticas suaves); ginástica fisioterápica (utiliza o exercício físico na prevenção ou tratamento de doenças); ginástica de demonstração (tem como característica marcante a não competitividade, tendo como função principal a interação social entre os participantes).
Além do mais, é importante mencionar a dificuldade de estabelecer os conhecimentos ginásticos fundamentais na graduação (Barbosa-Rinaldi, 2005; Carbinatto et al., 2017), o que reflete também na ausência da Ginástica no contexto escolar (Costa et al., 2016) e na insatisfação de treinadores no âmbito esportivo pela falta de um sistema de formação específico (Nunomura e Nista-Piccolo, 2003; Nunomura, Carbinatto e Carrara, 2013).
Em vista das dificuldades de efetivar os conteúdos da modalidade na graduação e em um programa de especialização, podemos mencionar os outros meios nos quais se baseia a formação desses profissionais, como a participação em minicursos, palestras, oficinas, a extensão universitária (Bahu e Carbinatto, 2016). Enquanto formação no exterior, podemos mencionar eventos como festivais, cursos e intercâmbios durante a graduação. Nesse aspecto, tendo em vista as possibilidades de mobilidade educacional na área da Ginástica, destacamos para este estudo o programa de Intercâmbio IYLE, o qual oferece bolsas de estudo na Dinamarca em escolas com fortes tradições na Ginástica.
Desenvolvido pela International Sports and Culture Association (ISCA)1 juntamente com a escola dinamarquesa Gymnastikhøjskolen i Ollerup, o programa IYLE recebe alunos de todo o mundo desde 1995, com participação de brasileiros desde 1997. Posteriormente, as oportunidades de intercâmbio foram ampliadas com as bolsas oferecidas pela escola Viborg Idrætshøjskole a partir de uma cooperação com a ISCA - América Latina (ISCALA). Atualmente, já estudaram um total 118 participantes brasileiros, incluindo diversos alunos de instituições públicas de ensino superior.2
A Ginástica na Dinamarca é entendida como elemento chave para o desenvolvimento dos indivíduos em uma perspectiva lúdica, cultural, de aprendizagem e de relacionamentos (Lacerda, 2010). A divulgação e a prática de várias manifestações gímnicas podem ser evidenciadas nos grandes eventos, como o Landstaevne,3 que reúne milhares de pessoas e fomenta o esporte e a Ginástica para Todos (Patrício e Boroleto, 2015). A Escola de Ginástica de Ollerup demarca essa característica rendendo-se ao prazer pela prática (Truzzi, 1999).
Dessa forma, considerando a adesão brasileira no programa de intercâmbio, e a potencialidade dessa participação na formação em Ginástica, trazemos como objetivo desse estudo investigar as contribuições do programa IYLE nas instituições de ensino superior brasileiras de vínculo dos intercambistas e na atuação profissional em Ginástica dos alunos participantes.
2. Metodologia
O presente estudo foi desenvolvido por meio de uma abordagem qualitativa. É uma pesquisa descritiva que explora as particularidades e os traços subjetivos considerando a experiência pessoal do entrevistado (Gil, 2002).
Mediante a submissão e aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola Superior de Educação Física (ESEF) – UFPel através da Plataforma Brasil com o parecer de número 4.314.102, foram selecionados 16 participantes formados pelo programa IYLE, sendo 10 da escola de Ollerup e 6 da escola de Viborg.
Referente ao maior número de participantes de Ollerup em relação a Viborg se deu pela maior proporção de alunos e pelo maior período de tempo da escola no programa. Embora exista maior expressividade na adesão de alunos da Unicamp (Assumpção e Toledo, 2015), o estudo incluiu sujeitos de outras regiões do Brasil.
Os critérios de inclusão para a elegibilidade de participantes deste estudo versavam sobre: a participação no programa IYLE; ser formado por pelo menos um dos cursos de graduação em Educação Física (bacharelado4 e/ou licenciatura); atuar em uma das modalidades (bacharelado ou licenciatura) que possibilitou abordar a Ginástica. Os critérios de exclusão foram: desistência do programa; e não ter realizado nenhuma disciplina de Ginástica nas escolas dinamarquesas.
A amostra foi intencional, embora a pretensão inicial fosse distribuir de forma uniforme o número de participantes a partir de 1997, poucos convidados responderam ao contato feito por e-mail, e ainda alguns não se enquadraram nos critérios de inclusão e exclusão do estudo. Dessa forma, conforme o quadro 1 a seguir, observa-se o ano de ingresso no intercâmbio, a instituição de vínculo no Brasil (todas universidades públicas) e a Escola Dinamarquesa em que os respectivos entrevistados estudaram:
Levando em consideração a formação em Educação Física e suas subáreas, também destacamos o tipo de formação em nível de graduação dos participantes de acordo com o quadro 2 a seguir:
A coleta e dados se deram através de entrevistas semiestruturadas na obtenção de informações a partir de questões previamente definidas. O roteiro abordava questões como: as contribuições para a instituição universitária de vínculo do participante; as contribuições deste programa em seu desempenho como profissional; e de que forma utiliza/ou estes conhecimentos adquiridos em sua atividade profissional.
Utilizamos a Análise de Conteúdo de Bardin (2011) para a análise, tratamento e intepretação dos dados coletados. A autora sistematiza um conjunto de técnicas para a análise de dados, dentre elas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Desta forma, foram realizadas as inferências e interpretações sobre os dados tratados e organizados a fim de compor o conteúdo e expor qualitativamente os temas que constituíram relações com as falas dos participantes do programa IYLE.
3. Resultados e discussões
3.1 Contribuições a partir da instituição universitária
Com a formação do IYLE concluída e com o retorno do participante para o Brasil, apresentamos no quadro 3 as principais contribuições do programa para a instituição universitária de vínculo do participante:
De acordo com o quadro 3, é possível perceber que a maior parte dos participantes contribuíram de alguma forma com os conhecimentos adquiridos no exterior em sua instituição de vínculo. A maneira como essas contribuições acontecem também evidencia os espaços mais impactados, como fica evidente nas falas referentes ao agrupamento “Aulas, oficinas, cursos”, o qual ganhou destaque nessa categoria:
Outro agrupamento em destaque foi “Produções acadêmicas”, com resumos em congressos, trabalhos de conclusão de curso (TCC), artigos e outros:
Embora muito evidenciado pelos participantes a respeito de produções acadêmicas, vale ressaltar que a maior parte dessas produções foram resumos em eventos, trabalhos de conclusão de curso e principalmente o uso de relato de experiência como método de pesquisa.
O agrupamento “Palestras” foi mencionado por apenas três participantes, e também foi destacado como contribuição, de acordo com as seguintes falas:
Na fala dos participantes é possível perceber o engajamento dos grupos de pesquisa e extensão como o principal veículo para compartilhar os conhecimentos adquiridos e até mesmo os conduzir a outros espaços. Essa interação é realizada entre os discentes e também reflete na contribuição para a sociedade por meio dos conhecimentos adquiridos pelos participantes. É possível ver essa relação nos estudos de Silva (2013), que propõe a ligação de alguns integrantes de Grupos Ginásticos Universitários enquanto bolsistas e bolsistas voluntários.
Embora a formação prática da IYLE possa ter maior inclinação para ser compartilhada em espaços voltados à Ginástica, pouco foi especificado sobre iniciativas que partissem de outro caminho na Instituição para que as experiências pudessem ser compartilhadas entre outros setores dentro da universidade, como explicam os seguintes participantes:
Eu acho que poderia ter tido ainda mais incentivo: numa disciplina... um seminário onde todos pudessem contar suas experiências, então isso não teve. Foi muito mais interno para o grupo ginástico do que para a universidade. Claro que temos que compartilhar dentro do grupo de pesquisa e extensão da Ginástica, o que acho o mínimo. Mas chegar para os alunos da graduação e dividir, não teve isso (p. 5);
Mas cheguei a me colocar à disposição, falar que podia dar aula. Cheguei com sede de falar sobre, de querer falar para o mundo tudo o que aprendi. Não tive muito apoio da universidade, nem do laboratório que eu fazia parte ou do Centro de Educação Física (p. 13).
Outras contribuições pouco mencionadas foram: a “Aproximação da ISCA – Universidade” devido a participação de discentes e, por conseguinte, a filiação da instituição; “Planejamento de viagem do grupo Ginástico”, em que P15 especifica a aplicação de conhecimentos da formação do IYLE para o planejamento e arrecadação de fundos para viagens do grupo ginástico; e, por fim, que “Não houve contribuições”, onde o participante relata que havia um curto período de vínculo após intercâmbio.
3.2 Contribuições na trajetória profissional em ginástica
As trajetórias dos participantes envolvem diferentes percursos que estão ligados a aspectos sociais e individuais, como espaços, oportunidades, relações, motivações e tomada de decisões. Contudo, alguns pontos em comum referentes às contribuições da participação do programa IYLE na vida profissional, se destacaram. A seguir, apresentamos o quadro 4 com as principais contribuições conforme relatado nas entrevistas:
Como exposto, o agrupamento que mais se destacou foi “A aplicação dos conhecimentos adquiridos”, mencionado por 13 dos 16 participantes:
Esses conhecimentos, de forma geral, parecem ter agregado de forma positiva na formação dos participantes. A aplicação, embora em diferentes espaços, se refere à reprodução de algumas atividades, ou à adaptação para diferentes contextos de aprendizado. Considerando que os conhecimentos adquiridos se transformam e se combinam com outros conhecimentos, “ao acumular habilidades de docência, o mesmo estará formando sua personalidade profissional, que só pode ser adquirida ‘por aquela pessoa’” (Betti e Mizukami, 1997, p. 114).
Por outro lado, a razão para não desenvolver algumas atividades é explicada por alguns participantes, os quais destacam a falta de recursos de qualidade: “Não tínhamos os materiais que tinha lá, então tínhamos que adaptar para a nossa realidade, mas os exercícios de base, a ludicidade, pude trazer, inclusive nas minhas aulas de ballet” (p. 8); “As acrobacias, entre aspas, perigosas, eu acabei não utilizando, pois nos espaços em que trabalhei não tinha estrutura para isso (...)”.
Outra contribuição em destaque foi “As experiências adquiridas”, que diz respeito à relevância das experiências do intercâmbio na bagagem dos participantes:
As experiências adquiridas contribuíram na bagagem dos participantes, possibilitando trocas e exemplos que não se restringem apenas ao imaginário, mas abarcam a realidade vivida pelo profissional que potencializa a aproximação com o ambiente de trabalho, com os alunos, constituindo uma nova relação com o aprendizado e os indivíduos.
Nesse sentido, recorremos a Larrosa (2016), que nos faz questionar sobre as experiências sensíveis, aquelas que nos tocam, pois elas nos inquietam, nos fazem pensar e produzir mais e mais sobre elas. Nesse sentido, as experiências vivenciadas são afetadas pela heterogeneidade, e cada qual em suas comunidades demarca o tempo e o espaço onde vive. O sentimento de algo novo que se aproxima faz com que o momento desse encontro seja cultivado, esperado, repleto de curiosidades, dúvidas, anseios, medos e alegrias. Nesses relatórios, o medo do novo, a insegurança diante do desafio que está sendo proposto aparece logo no correr das primeiras páginas, o que, com o passar do tempo, vai abrindo espaço a outros sentimentos, como a alegria e o saudosismo, por exemplo.
Portanto, a experiência de participação em um intercâmbio se constituiu de forma singular no processo de formação de professores, mas também de formação humana. A experiência é aqui tomada nos termos como Larrosa (2016) propõe e diz respeito ao que nos acontece, nos afeta, nos torna, nos transforma, em alguma medida, em algo que não somos mais, mas que ainda não somos, também, plenamente. Assim a experiência é sempre tomada como processo.
“A ampliação de oportunidades”, também mencionada por parte dos participantes, diz respeito às relações, ao status profissional e às competências adquiridas que ampliaram as oportunidades no âmbito profissional:
Outro agrupamento com poucas menções foram os “Aspectos sociais”, que estão associados com a relação professor aluno:
Esses aspectos mencionados, que também se conectam com a educação do sensível dos participantes, evidenciam um olhar para a aproximação afetiva com o aluno. Dessa forma, ao destacar sobre amor e respeito pelos alunos, concordamos com Betti e Mizukami (1997, p. 114), pois enfatizam que “ninguém ensina a outrem a gostar. A afetividade e o respeito são necessidades intrínsecas a quem se propõe a educar”.
Por fim, há o agrupamento “O interesse de estudo e produções científicas”, mencionado por P10, o qual está relacionado ao interesse por pesquisas sobre a Ginástica Para Todos e o Esporte Para Todos. O participante especifica que o interesse na área também parte das experiências vividas no intercâmbio.
3.3 A utilização da ginástica dinamarquesa pelos ex-intercambistas
A Ginástica dinamarquesa sistematizada por Bukh, na prática atual, raramente é exibida nos formatos originais em que priorizavam movimentos altamente sincronizados e alinhados. O formato moderno traz outras influências, abrindo espaço para a criatividade, onde os corpos se movem mais livremente e também se comunicam (Bonde, 2020).
A respeito da popularidade da Ginástica dinamarquesa, foram de grande importância as performances feitas pelo mundo, as relações políticas e as pontes criadas com diversos países (Bonde, 2009, 2020). No Brasil, vale ressaltar a vinda dos dinamarqueses com a realização de performances, a qual Marinho (1952) relata nos prolegômenos de sua obra sobre ter assistido a performances guiadas pelo próprio Niels Bukh, em 1938, no Rio de Janeiro. Em registros mais recentes, podemos exemplificar a vinda do time nacional por duas vezes à Unicamp e também a participação dos Dinamarqueses com performances e oficinas em parceria com o SESC9 em algumas edições do Fórum Internacional de Ginástica Para Todos (FIGPT).10
Sobre as influências da Ginástica Dinamarquesa no Brasil, pouco se destaca na literatura, uma vez que o processo sócio-histórico do país teve outros desdobramentos e outras fontes de influência no âmbito da Ginástica, como discutido nesse estudo sobre as influências internacionais da Ginástica no Brasil.
Com a participação de intercambistas desde 1997, apresentamos no quadro 5 como os participantes utilizam ou/e utilizaram a Ginástica dinamarquesa nos seus espaços de atuação como profissionais formados:
Como exposto, podemos destacar que a principal utilização da Ginástica dinamarquesa mencionada por 14 dos 16 participantes é “Como um conteúdo nas aulas práticas”, sendo que esse conteúdo compõe uma etapa da aula, vivências ou se combina a outros conteúdos utilizados pelo professor:
A aplicação da Ginástica dinamarquesa pelos participantes em alguma etapa das aulas abrange diversos objetivos, como trabalhar ritmo, coordenação, flexibilidade, aspectos estéticos pela beleza dos movimentos, ou simplesmente para entregar uma vivência diferenciada para os alunos.
Em concordância com a fala dos participantes, Langlade e Rey de Langlade, (1986) descrevem sobre ritmo, dinamismo, flexibilidade e destreza, como aspectos marcantes trabalhados na Ginástica dinamarquesa. Os Swings, ou movimentos de oscilação, os quais foram enfatizados por P3, P4, P5, P6, P7, P9, P11, P13, P14 e P15, correspondem aos movimentos ritmados e interligados que compõem sequências fluídas explorando a amplitude das articulações e, portanto, a flexibilidade (Langlade e Rey de Langlade, 1986).
Além disso, é importante ressaltar que a aplicação desses conhecimentos também vem acompanhada de ressignificações para os espaços e o conhecimento do público-alvo, que, em geral, pouco sabe sobre a Ginástica Dinamarquesa. Nesse aspecto, dois participantes enfatizam não especificar para os alunos que se trata do método dinamarquês quando este é aplicado (p. 7; p. 10), ou há algum tipo de resistência e/ou estranhamento por parte dos alunos ao método:
Utilizei a Ginástica dinamarquesa em uma aula de funcional falando o que era isso, mas não consegui inserir muito esse tipo de Ginástica por as pessoas não conhecerem, acharem que é uma dança ou por acharem muito difícil. Foi mais assustador do que interessante para pessoas que não estão inseridas na Ginástica, dança. Mas deixo essa ferramenta disponível para inserir onde tiver oportunidade e interesse (p. 15).
Esse estranhamento pode estar diretamente ligado à falta de conhecimento a respeito do método no Brasil, pois, além das influências historicamente desenvolvidas no país serem voltadas a outras vertentes, os meios de informação e comunicação supervalorizam outros tipos prática, como as modalidades de competição, e consequentemente também limitam o entendimento das pessoas a respeito da Ginástica e de suas possibilidades.
Nesse contexto, Carvalho (2007) destaca que a divulgação da televisão também pode estar ligada à motivação das práticas esportivas e, por conseguinte, gera impacto social. Além disso, a autora ainda destaca que os conteúdos midiáticos enaltecem o esporte de alto rendimento associado a grandes eventos, aos atletas campeões, seus resultados e suas capacidades corporais, limitando a visão do esporte a uma prática excludente (Carvalho, 2007; Lima, 2010). Destacando os aspectos contemporâneos com a internet e as redes sociais, Reis-Furtado et al. (2021), ao analisarem as postagens de Instagram da CBG, verificaram ênfase para as modalidades já consolidadas (Ginástica Artística e Ginástica Rítmica) e os eventos internacionais, com evidência para a imagem dos atletas, o que reforça a repercussão para o alto rendimento e o esporte espetáculo.
Para o agrupamento “Conteúdo no exercício docente”, reunimos apontamentos referentes à utilização da Ginástica dinamarquesa ao abordar Ginástica no exercício docente:
De acordo com as declarações, é notória a utilização da Ginástica dinamarquesa como fonte para transposição de saberes na área da Ginástica. Esses saberes envolvem não apenas a vivência prática de um método específico, mas a aproximação de uma realidade mais concreta parece favorecer o desenvolvimento de alguns assuntos, como mencionados pelos participantes.
A aquisição, no intercâmbio, desses saberes que agregaram ao conjunto de outros saberes adquiridos nas trajetórias individuais dos participantes pode ser considerada de forma significativa, uma vez que o saber docente é constituído pela formação e pelo exercício da docência e apresenta constante evolução. No ensino da Ginástica, as experiências vividas na área podem interferir de forma positiva no trabalho docente, uma vez que essas vivências podem ampliar as fontes de exemplos reais (Lima, 2010).
Por fim, há o agrupamento “Jogos e brincadeiras”, o qual está relacionado à utilização de atividades lúdicas que compunham as aulas na Dinamarca e aparece na fala de três participantes:
O aspecto lúdico e a utilização de jogos e brincadeiras, que também foram descritos nas falas referente às percepções de ensino e aprendizagem durante o intercâmbio, demarcam a inserção de um formato de aula que também valoriza o prazer pela prática. Embora os participantes não enfatizem a utilização dessa perspectiva lúdica em todos os momentos das aulas, podemos destacar que esse formato torna pode tornar a aula mais atrativa, especialmente na iniciação.
Contribui para esse pensamento, as considerações de Kunz (2004) quando fala a respeito da transformação didático-pedagógica como um caminho para priorizar o prazer pela prática que se traduz na satisfação do aluno antes dos padrões de uma determinada modalidade.
4. Considerções finais
Sabemos o quanto o tema intercâmbio traz impacto as sociedades num todo, ele é um fenômeno multifacetado, com dimensões econômicas, sociais, políticas e culturais, interligadas de modo complexo. Tomando-se como referência a Ginástica, buscamos contribuições do programa para as instituições de ensino superior e na atuação profissional em Ginástica dos alunos participantes.
De forma geral, foi possível constatar que os conhecimentos adquiridos e as vivências proporcionadas pela participação no programa IYLE foram relevantes para os indivíduos e vêm sendo utilizados por eles no exercício profissional com Ginástica. Na instituição de vínculo, as contribuições acontecem, na maioria das vezes, através de aulas, oficinas e minicursos e produções acadêmicas. Contudo, essas contribuições são mais restritas aos grupos de extensão e pesquisa na área da Ginástica, ou a iniciativas que partem desses grupos.
Na trajetória profissional, a participação na IYLE também trouxe contribuições, das quais destacamos: a aplicação dos conhecimentos adquiridos, que, embora em diferentes espaços, se referem à reprodução de algumas atividades, ou à adaptação para diferentes contextos de aprendizado que, em alguns casos, também carece de estrutura e materiais de qualidade; as experiências adquiridas, que agregaram na bagagem dos participantes, possibilitando troca de experiências e uma nova relação com o aprendizado e os indivíduos; a ampliação de oportunidades pelo diferencial no currículo com a experiência internacional, além de outras contribuições.
Referente à Ginástica dinamarquesa, a utilização se deu, basicamente, como um elemento nas aulas práticas, como em aquecimentos, exercícios de preparação física, coreografias e outros. Não houve relatos de práticas regulares com a utilização do método, principalmente por este ser desconhecido pela maioria das pessoas. No exercício docente, a utilização se destacou como um conteúdo da Ginástica, com contextualização histórica, vivências e exemplos práticos. Por fim, alguns aspectos como a ludicidade dos jogos e brincadeiras também foram incorporados nas aulas de Ginástica, principalmente no que diz respeito a atratividade da prática.
Não foram constatadas diferenças relevantes entre as escolas de Ollerup e Viborg dentro do que propomos na investigação, apesar da escola de Ollerup ter maior ênfase e tradição com a Ginástica em relação à escola de Viborg.
Ainda é necessário pensar o programa de intercâmbio como uma possibilidade de ampliação da formação profissional que beneficie não apenas os protagonistas, mas que o conhecimento tenha outros alcances por meio da produção e a ampla circulação de saberes e conhecimentos, que este seja o mais plural possível, concebendo a Ginástica como um bem cultural de acumulação histórica, portanto, público e de direito de todos.
Estudos futuros podem trazer outros apontamentos, além da possibilidade de contribuir com outras perspectivas de outros participantes. Afinal, apesar dos pontos em comum, cada vivência representa uma nova potencialidade da Ginástica, seja ela no meio esportivo ou escolar. Além disso, compreender como a formação através da internacionalização pode contribuir para uma formação mais consistente, acaba por evidenciar a importância e, talvez, a necessidade destes programas na formação de profissionais que optam por viver (d)a Ginástica.
Referências
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Notas
Recepción: 04 Septiembre 2023
Aprobación: 21 Diciembre 2023
Publicación: 01 Febrero 2024