Educación Física y Ciencia, vol. 21, nº 1, e074, enero-marzo 2019. ISSN 2314-2561
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Departamento de Educación Física

Artículos

Rio x São Paulo: A Copa de 1950 contada através das lutas de representações pela identidade brasileira

Simone Gonçalves de Paiva

Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

Edivaldo Góis Junior

Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

Silvia Cristina Franco Amaral

Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

Cita sugerida: Paiva, S. G., Góis Junior, E. y Amaral, S. C. F. (2019). Rio x São Paulo: A Copa de 1950 contada através das lutas de representações pela identidade brasileira. Educación Física y Ciencia, 21(1), e074. https://doi.org/10.24215/23142561e074

Resumo: O objetivo do estudo foi observar as lutas de representações pela constituição de uma identidade brasileira através do futebol a partir da rivalidade entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, que competiam pelo controle e representação dessa identidade. Em termos metodológicos, foi realizada uma pesquisa histórica que teve como fonte jornais de grande circulação das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, publicados no período de 1949-1950, sendo que naquela temporalidade eles eram os meios de comunicação abrangentes, ou seja, tinham destaque na formação de opinião. Assim, o trabalho analisa como a grande imprensa oriunda das duas cidades representava a identidade brasileira de acordo com suas representações regionais mediante à realização do evento. Concluiu-se que a organização da Copa e o desempenho da equipe brasileira eram mobilizados como discursos no sentido de produzir disputas simbólicas entre as duas cidades que almejavam mais poder em relação à produção de saberes e práticas autorizados e constituintes da brasilidade.

Palavras-chave: Futebol, História, Copa do Mundo, Imprensa.

Rio x São Paulo: The 1950 World Cup as told through the conflicts of representations over the Brazilian identity

Abstract: This study aimed at observing the struggle for representation of the constitution of a Brazilian identity through soccer, taking into consideration the rivalry between the cities of Rio de Janeiro and São Paulo, which were competing for the control and representation of this identity. In terms of methodology, a historical research was carried out in newspapers with wide circulation in these cities and published in the period between 1949-1950. At the time, they were the most widespread means of communication in the country, that is, they had more influence on the public opinion. Thus, this work analyzes how the big media from the two cities represented the Brazilian identity according to their local representations during the event. The conclusion is that the World Cup organization and the Brazilian team’s performance were mobilized as discourses that produced symbolic disputes between the two cities, which longed for more power over the production of knowledge and authorized and constituent practices of a “Brasilidade”.

Keywords: Soccer, History, World Cup, Press.

1 Introdução

Era 1950 e o futebol já se firmava como uma importante prática cultural na sociedade brasileira. O fatídico domingo de 16 de julho de 1950 marcaria, até então, a maior tragédia do futebol brasileiro. Foi no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, que se escreveu o capítulo lembrado até hoje como “Maracanazo”. O estádio teve sua construção idealizada especialmente para aquela Copa do Mundo e era encarado como um verdadeiro templo do futebol.

O Mundial de 50 vinha para marcar o lugar do Brasil no mundo. Assim como o governo anterior, o governo de Eurico Gaspar Dutra procurou utilizar um evento esportivo de repercussão internacional para mostrar o Brasil, tanto para os brasileiros quanto para o mundo como uma potência em ascensão, um país capaz e confiável para fazer negócios (Banchetti, 2011). O Maracanã era o maior símbolo da busca dessa grandeza.

Vencer o mundial depois da Copa de 19381 na França se tornou uma forma de afirmação da identidade brasileira. Logo, perder em 50 foi tratado como tragédia pelos torcedores mais fanáticos no estádio que foi construído para se celebrar a vitória e a marca de grande nação (Máximo, 1999).

Segundo Paschoalino (2012) “todo o processo de identificação entre o brasileiro e o futebol reproduz a construção da sociedade brasileira em que valores como a tradição e o sagrado sempre prevaleceram” (p.1). O futebol não pode ser considerado um patrimônio nacional ou uma prática marcada pela brasilidade (Helal, Lovisolo & Soares, 2001), no entanto é tratado como tal por boa parte dos brasileiros, como representação do “jeito brasileiro de ser” (Paschoalino, 2012, p.2). Desde que chegou ao Brasil, o Futebol se envolveu com a vida dos brasileiros, se converteu em uma expressão cultural das mais importantes da nossa sociedade. Desse modo, o futebol era representado como manifestação da brasilidade por produzir simbolicamente sentimentos de pertencimento sobre os quais, uma identidade era imaginada.

Para Anderson (2008), analisar a constituição de identidades nacionais é percebê-las como “comunidades imaginadas”, uma vez que seus cidadãos não se conhecem, porém, se produz entre eles um sentimento de pertencimento. Assim, pensar os nacionalismos no contexto de uma comunidade imaginada leva-nos a uma interpretação sobre suas escolhas identitárias, no que deve ser evidenciado e/ou silenciado nas lutas pela representação do que seria a brasilidade. Em outras palavras, a comunidade é imaginada destacando seus valores considerados pelos próprios habitantes como positivos, e criticando seus desvios a partir dos mesmos códigos de conduta. Como afirma Anderson (2008): “é o entendimento do nacionalismo alinhando-o não a ideologias políticas conscientemente adotadas, mas aos grandes sistemas culturais que o precederam, e a partir dos quais, ele surgiu, inclusive para combatê-los” (p.39).

Nesse sentido a identidade nacional é interpretada neste estudo como uma representação do mundo social, ou seja, como uma construção cultural que sempre está em disputa por diversos grupos que almejam mais poder simbólico na determinação do que é reconhecido como positivo, como aceito, como autorizado. Quando se fala de uma identidade nacional em um país multicultural, como o Brasil, muitas lutas se travam no campo das representações.

A brasilidade seria, então, compreendida neste estudo no campo das “representações”, vocábulo de importante inserção na história cultural, pois nos permite perceber na análise documental a dimensão simbólica dos discursos em relação às práticas. Neste artigo, tomamos as representações do mundo social a partir da interpretação de Roger Chartier (2002), compreendendo-as como percepções do social que não são discursos neutros, pois, ao contrário, produzem estratégias e práticas que validam autoridades na medida em que desautorizam outros discursos e práticas vistos como desviantes, sendo assim menosprezados e/ou silenciados. Enfim, “as lutas de representações” são tão importantes quanto às lutas econômicas:

As relações econômicas e sociais não são anteriores às culturais, nem as determinam, elas próprias são campos de prática cultural e produção cultural – o que não pode ser dedutivamente explicado por referência a uma dimensão extracultural da experiência. (Hunt, 1992, p.9)

As representações ainda têm a particularidade de expor as estratégias simbólicas que “determinam posições e relações e que constroem, para cada classe, grupo ou meio, um ser-percebido constitutivo de sua identidade” (Chartier, 1991, p. 184). Uma maneira plausível de observarmos estas lutas de representações do que seria constituinte de uma identidade brasileira, de uma brasilidade, seria evidenciar empiricamente, os discursos midiáticos relacionados à Copa do mundo de Futebol, pois além de ser um dos maiores eventos esportivos do mundo, no Brasil, é um fenômeno com relevante potencial simbólico na constituição da identidade nacional.

O Brasil respira futebol. Especialmente na época de disputa de uma Copa do Mundo, os meios de comunicação inundam nossos sentidos com este esporte tão apaixonante. Um clima de unidade nacional é forjado, não deixando imunes sequer aqueles que não gostam desse esporte. Ser brasileiro tornou-se sinônimo de torcer pelo selecionado de futebol do país. (Negreiros, 2003, p.122)

Em particular, na organização da Copa de 1950, organizada no Brasil, a mídia daquela época, principalmente formada pelos jornais impressos e o rádio foram importantes veículos na construção de representações sobre esta relação entre o futebol e a brasilidade. No entanto, este estudo busca observar conflitos que renegam a interpretação de uma brasilidade homogênea operada em práticas como o samba, e no caso deste estudo, o futebol. A pesquisa de Melo (2006) ao estudar as imagens da literatura e do cinema sobre Pelé, jogador do clube paulista Santos FC e Garrincha jogador do Botafogo FR, clube carioca, evidenciou esta rivalidade entre Rio de Janeiro e São Paulo na disputa pela identidade nacional.

Pressupomos que cidades brasileiras, que tinham poderes econômico e simbólico, como é o caso do Rio de Janeiro e São Paulo, produziriam discursos conflitantes como estratégia nas lutas por representações legítimas em relação à brasilidade. Desse modo, a “comunidade imaginada” como Brasil a partir dos discursos sobre o futebol teria características identitárias homogêneas? Ou a brasilidade poderia ser constituída em diferentes perspectivas oriundas das lutas de representações por parte dos seus integrantes, no caso, paulistanos e cariocas?

Logo, o objetivo do presente estudo foi observar as lutas de representações pela constituição de uma identidade brasileira através do futebol, em particular, na mídia impressa durante a Copa do Mundo de 1950, tendo como fontes os principais jornais esportivos das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.

Compreender aquele mundial vai além de compreender a derrota, é analisar o significado que o Futebol adquiriu naquele momento para as disputas simbólicas por poder na constituição da identidade nacional. Existem muitos artigos que abordam a Copa de 1950, e, principalmente, a questão da identidade brasileira, no entanto, este estudo busca preencher uma lacuna, qual seja a de evidenciar as lutas de representações entre paulistanos e cariocas pelo poder de imaginar uma comunidade brasileira nos seus próprios termos. Partimos da hipótese que as lutas simbólicas mobilizariam discursos identitários locais e pertinentes às cidades. Ao interrogarmos as fontes, observamos que Rio de Janeiro e São Paulo eram duas cidades que se colocavam como as mais importantes do país, sendo a primeira a capital federal e a segunda, parte importante da economia nacional. Sendo assim, muitas vezes o discurso regional se sobrepunha em relação ao discurso nacional, desconstruindo a imagem de uma unidade brasileira.

2 Metodologia

Em termos metodológicos, foi realizada uma pesquisa histórica que teve como fontes jornais cariocas e paulistanos. Adotamos o recorte temporal definido de junho de 1949, por evidenciar na mídia impressa os preparativos para a realização da Copa do Mundo, até junho de 1950, em que se observaram as notícias que envolveram a realização do evento e o desempenho da equipe de futebol brasileira.

A análise dos jornais como fonte exige do pesquisador a compreensão de que a imprensa não constitui um registro neutro dos acontecimentos, mas, sim, ela permite percebê-la como discurso com força ativa na vida moderna, com escritos que se tornam linguagem constitutiva de práticas, que segundo Cruz e Peixoto (2007, p. 258) “detém uma historicidade e peculiaridades próprias, e requer ser trabalhada e compreendida como tal, desvendando, a cada momento, as relações imprensa/sociedade, e os movimentos de constituição e instituição do social que esta relação propõe.” Nesse sentido, selecionamos como fontes jornais que protagonizavam o debate esportivo naquela temporalidade e que tinham grande circulação nas cidades de São Paulo e Rio Janeiro. Por meio destes critérios, selecionamos como fontes:

Em primeiro lugar, no Rio de Janeiro, O Sport Illustrado, que em meados de 1941 alterou a escrita do nome para Esporte Ilustrado. Tratava-se de uma revista esportiva, que tinha sua circulação semanal, toda quinta uma nova edição era colocada nas bancas. Seus principais jornalistas era Charles Guimarães e o cronista e editor chefe Levy Kleiman. A Gazeta de Noticias, também do Rio de Janeiro, tinha circulação diária, exceto as segundas-feiras. Ao contrário do Sport Illustrado que era especializado em esportes, a Gazeta de Noticias era um jornal que abordava esportes, política, coluna social, economia entre outros temas. Tinha um posicionamento governista, apoiando o final do governo Vargas e o futuro Presidente Eurico Gaspar Dutra (Gazeta de Noticias, 1968). O Editor-chefe do período analisado era Vasco de Castro Lima, nesse período o jornal foi vendido por Vladimir Bernardes para Amberê Santinho e Benjamim Rangel, que teve como diretor do Jornal Fioravanti Di Pietro, e logo depois assumido por José Bogea, que seria também sócio majoritário.

Em relação à cidade de São Paulo, escolhemos o paulistano O Jornal de Noticias, assim como o jornal carioca A Gazeta de Noticias, tinha circulação diária com exceção das segundas e abrangia diversos temas além do esporte. O diretor responsável pelo jornal naquele período era André Carrazzoni. Para representar um jornal especializado em esportes, optamos pelo O Mundo Esportivo, que era semelhante à revista Sport Illustrado. Sua circulação acontecia a cada sete dias, todas as sextas-feiras. O diretor responsável pelo jornal era Geraldo Bretas, os principais jornalistas eram João Teimoso e Wilson Brasil.

Selecionadas as fontes, a partir do acervo digital da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, foram utilizadas as seguintes palavras-chave: Copa do Mundo; Campeonato do Mundo de Futebol; Selecionado Nacional e seleção brasileira, que formaram um corpus documental com 228 documentos. A leitura dos documentos permitiu a organização do material empírico em três categorias: a) críticas à preparação e à origem dos jogadores selecionados para o campeonato mundial; b) futebol como campo de disputa entre as cidades; c) a vitória esportiva como possibilidade de conciliação. A análise das três categorias possibilitou a construção de uma narrativa que evidencia uma história de conflitos na disputa por poder simbólico na construção de uma “brasilidade” imaginada.

3 Resultados e Discussão

3.1 Rio de Janeiro e São Paulo escrevem a história da copa de 1950

No período em que o futebol chegou ao Brasil, o país passava por uma fase de transição econômica e política. Em 1919, o Brasil viria a sediar pela primeira vez um evento de futebol, o Sul-americano, campeonato o qual se consagraria campeão, sem dúvida, um marco para a constituição da identidade do brasileiro com o futebol. Com o passar dos anos o futebol começou a se popularizar, os clubes menos nobres começaram a se formar e cravar seus espaços no contexto da cidade de São Paulo, no entanto, a alta sociedade ainda se negava a misturar o seu futebol organizado e inglês com o futebol dos operários e dos negros. No bairro do Carmo, foi onde se observou os primeiros times da conhecida Várzea, estilo popular de prática do futebol. Com a expansão dos campos pela cidade, os primeiros clubes começariam a aparecer. Logo após os clubes, os primeiros jogadores assalariados e profissionais transitavam nos noticiários da década de 1930. A indústria teve um papel importante nos primeiros passos da profissionalização do futebol brasileiro. As fábricas observaram que o futebol não servia apenas para o lazer dos funcionários, mas também para a promoção da empresa. Assim, começou a pagar alguns auxílios aos funcionários - jogadores.

Quando assumiu a presidência da república em meados de 1930, Getúlio Vargas apresentou no seu Programa de Reconstrução Nacional, a necessidade de uma ampla profissionalização do futebol. Nos anos 40 e 50, o futebol teve maior aceitação e ampliou sua gama de torcedores, o que pode ser explicado pela intervenção getulista na promoção do futebol a partir de uma “segunda” profissionalização, caracterizada pelo processo de centralização e institucionalização administrativa do esporte brasileiro (Toledo, 2000). Além disso, os meios de comunicação passaram a dar maior espaço para o futebol, possibilitando assim sua expansão e transformação de sua cobertura jornalística, inclusive sendo tema recorrente para cronistas e intelectuais (Capraro, 2007). Para Benedict Anderson (2008), a impressa teve um papel central na constituição dos nacionalismos, pois mediante sua simultaneidade, ou seja, sua capacidade de atingir concomitantemente, mediante sua circulação, habitantes dispersos no território nacional, promovia vínculos e sentimentos de pertencimento. Contudo, a experiência brasileira tinha uma particularidade, que certamente não seria exclusiva, a rivalidade entre suas duas principais cidades motivava também as disputas entre jornais esportivos cariocas e paulistanos. Para isso, os jornalistas paulistanos e cariocas buscavam afirmar suas posições, apresentando não somente o cotidiano de suas cidades, mas também, o noticiário nacional. Além disso, estas lutas de representações estavam presentes em muitos setores além da imprensa e das estruturas administrativas, estavam presentes, por exemplo, na arquitetura dos equipamentos esportivos.

Em 1940, foi inaugurado em São Paulo o Estádio do Pacaembu. Um estádio que representava o tamanho da popularidade do futebol na época, um monumento que era compatível com as concepções das correntes desta época acerca do corpo e do esporte, enquanto meio de “melhoramento da raça”. Havia a necessidade de apresentar “a capital paulista como símbolo e modelo do desenvolvimento econômico, entrelaçado aos avanços na Educação Física” (Negreiros, 2003, p. 146).

A cidade do Rio de Janeiro, contudo, não perderia o protagonismo no futebol com a construção do Pacaembu. Em 1948, a Federação Internacional de Futebol (FIFA) confirmou o Brasil como a próxima sede do evento que viria a acontecer em 1949, mas devido ao tempo2 foi realizado em 1950 (Perdigão, 1986). A Copa de 50 viria para afirmar o Brasil como nação civilizada e desenvolvida, a fim de provar aos estrangeiros e aos próprios brasileiros a capacidade de promover grandes eventos, apresentando-se ao mundo como uma nação evoluída. A construção do Maracanã como palco da grande final reservava aos cariocas a representação de centro da identidade brasileira. Para além das disputas internas, era preciso também imaginar a comunidade brasileira como potência econômica e cultural. Logo, o tamanho do Maracanã descrevia onde o Brasil queria chegar como nação, e concomitantemente, após a derrota, representava o tamanho da dor e do fracasso que os brasileiros sentiam. Neste sentido, os jornalistas souberam, conforme seus lugares e interesses, enaltecer e criticar certas características, promovendo representações que explicavam a cultura brasileira.

3.2 A imprensa e a Copa: as lutas de representações dentro e fora de campo

A copa de 1950 deveria ficar marcada como a maior e melhor delas, para isso o Brasil decidiu construir o maior estádio do Mundo, o Maracanã, que poderia receber até 200 mil pessoas. Assim, em 16 de junho de 1950, dias antes do início da IV Copa do Mundo, o Maracanã foi inaugurado e sua história foi narrada de maneiras diferentes pelos jornais das duas principais cidades do país. A Gazeta de Noticias do Rio de Janeiro destacava uma página toda para a inauguração do monumental estádio sem conter os elogios:

O acontecimento do dia de ontem foi a inauguração do estádio municipal ou melhor, a utilização da majestosa praça de esportes, pela primeira vez, numa partida de futebol. O público começou a afluir para o Gigante do Maracanã a partir das 12 horas uma vez que era intensa a curiosidade da massa em torno da grandiosa obra que constitui um dos mais justos orgulhos dos desportos nacionais. (...) (Vibração pelo Estádio, 1950, p.16)

No Jornal de Noticias de São Paulo, a empolgação era mais contida, a grandeza do Estádio Municipal construído na capital do país era lembrada, mas sem grandes adjetivos. Em seus termos:

Uma grande multidão compareceu está manhã as dependências do estádio que a prefeitura construiu para a Copa do Mundo. Às 9 horas em ponto, o presidente da Republica general Eurico Gaspar Dutra, inaugurava o maior estádio do mundo, com a presença de todo o mundo oficial do pais, ministros de estado, parlamentares, altas figuras da indústria e do comercio e enorme publico que teve os portões franqueados. (...) (Grande multidão assistiu ontem ao ato da inauguração do estádio do Maracanã, 1950, p.2)

do futebol na época, ele seria um símbolo da capacidade da capital e do futebol

O entusiasmo carioca e a indiferença paulistana representam os conflitos entre as duas cidades. São Paulo em 1940 inaugurou o Estádio do Pacaembu como uma necessidade de apresentar “a capital paulista como símbolo e modelo do desenvolvimento econômico, entrelaçado aos avanços na Educação Física” (Negreiros, 2003, p. 146). Além de construir um estádio do tamanho da popularidade do futebol na época, ele seria um símbolo da capacidade da capital e do futebol paulista, portanto a magnitude do Maracanã poderia colocar o Pacaembú em um segundo plano na prática esportiva brasileira. As tensões entre paulistanos e cariocas de certa forma contavam a história daquele mundial e nessas rivalidades nasciam as maiores comparações e cobranças.

O técnico do selecionado nacional era Flávio Costa, também treinador do clube carioca Vasco da Gama. Este nunca foi unanimidade, principalmente, em São Paulo. Antes mesmo do mundial, na preparação da seleção para a Copa, nos amistosos anteriores ao sul-americano que viria acontecer em abril e maio, o Sport Illustrado criticava a “psicologia” do treinador para escalar a seleção de acordo com a cidade que jogasse:

(...) agora Flavio volta a recorrer a psicologia, justamente no momento em que lhe entregam a responsabilidade do quadro nacional. E justamente de acorde com esse fato, foi que resolveu criar varias bases, atendendo aos fatores psicológicos. No Pacaembu jogara a base paulista, com um Mauro (mineiro), um Rui (carioca), um Simão (pernambucano) e por ai afora; no Rio a base será carioca, porem sendo os jogos em São Januario a base será vascaína (...) Isto é psicologia, amigos...sabem lá o que é isso?(...). (Guimarães, 1949, p.12 e 19)

Para os jornalistas paulistanos, o treinador carioca Flavio Costa foi um dos maiores culpados pelos infortúnios do selecionado nacional. Essa pressão fez com que a seleção variasse sua escalação de acordo com o local que jogava.

Durante o sul-americano que era sediado no Brasil, no decorrer dos jogos a rivalidade era evidenciada pela imprensa. No Sport Illustrado, a coluna com a manchete “São todos brasileiros!” criticava o excesso de regionalismo e os embates que aconteciam entre cariocas e paulistanos:

Uma autentica guerra de nervos esta se desenvolvendo entre Rio e São Paulo no noticiário esportivo. O selecionado brasileiro invicto na liderança do campeonato, três vitorias fáceis e uma apertada. Não há assunto para os cronistas, mas mesmo nos triunfos encontram alguma coisa para criticar, como por exemplo, o fato de o técnico da seleção nacional ter escalado para os jogos do Pacaembu equipes com ‘base paulista’. Senhores da imprensa especializada: não era este o momento para se levantar a questão ‘bairrista’ que somente interessa para criar rivalidade dos campeonatos brasileiros (...). O técnico anunciou que na capital bandeirante ele utilizaria maior numero de jogadores paulistas, isto é, elementos que militam no futebol bandeirante, porque atuariam dentro de seu ambiente (...) Não interessa o local do registro de nascimento de cada jogador do futebol paulista. São todos brasileiros, Isto Basta!. (Kleiman, 1949, p.3)

A Copa de 1950 se aproximava e o técnico Flavio Costa convocou cerca de 30 jogadores, mas apenas vinte e dois atletas seriam selecionados para defender o Brasil no Mundial, sendo oito jogadores do clube carioca Vasco da Gama, o que causou uma reação de descontentamento entre os paulistanos. O Mundo Esportivo de São Paulo, o jornal mais crítico do treinador, não deixou de demonstrar seu descontentamento:

Flavio nunca foi, e jamais será um homem que transija ou que escolha a rota comum do pensamento da maioria. Sangra a cabeça de tanto batê-la, mas não cede os argumentos da razão e da realidade. (...) O que foi feito, está feito! Lista de jogadores inscritos. Autonomia absoluta. Critério prejudicial, porem uno, intocável, ereto, sem a mais remota possibilidade de ser alterado em beneficio de um melhor êxito do Brasil. Que fazer? Aceitá-lo. (...) Particularmente, aos paulistas pedimos: quarta-feira todos precisam incentivar os brasileiros levando-os a um triunfo memorável. São Paulo tem agora a missão. A missão de tornar mais grande o Brasil. (Vamos pensar no Brasil, 1950, p.2)

O fato de Flávio Costa ser carioca, treinador do Vasco da Gama, é mais um fator para que a imprensa paulista repreenda qualquer decisão ou ação do mesmo. Ele não representa a identidade do futebol paulista, assim ele deveria ser contestado e pressionado. Logicamente, depois do fracasso da seleção brasileira na Copa, o treinador tornar-se-ia um dos mais criticados, sobretudo em relação às escolhas dos jogadores responsáveis pela derrota.

No entanto, antes da realização do evento e da derrota na final, a imprensa paulistana apontava para a necessidade de uma união nacional que incentivasse a seleção brasileira. Assim, prestes a estrear no mundial, o Mundo Esportivo frisava que mesmo despreparados, os brasileiros deviam vestir a camisa e apoiar o selecionado nacional:

Histórico dos preparativos dos brasileiros para a copa do mundo – os inúmeros erros agora devem ser esquecidos. Vamos estimular os nacionais para que colham uma atuação a altura das mais altas tradições do nosso futebol – As questões táticas. (Já não há tanto otimismo, mas ainda há grandes esperanças, 1950, p.6)

No dia 24 de junho, iniciava o IV Campeonato do Mundo de Futebol organizado pela FIFA. O Brasil estreou contra o México e fez a alegria dos mais de 80 mil torcedores que estavam presentes no Maracanã, vencendo os mexicanos por 4 a 0. O Jornal de Noticias começava a reportagem sobre o jogo destacando o espetáculo que se formou no monumental Estádio Municipal.

Espetáculo Magnífico presenciou o publico carioca ontem, no Estádio do Maracanã, na abertura da IV Copa do Mundo. Antes da realização do cotejo entre os selecionados representativos do Brasil e do México, que marcou o inicio da maior festa do futebol mundial, tiveram lugar varias solenidades. (Venceram os brasileiros no jogo de ontem, 1950, p.14)

Na segunda rodada, o Brasil enfrentaria a Suíça no Pacaembu. Um jogo rodeado de ações políticas, já que os paulistanos exigiam um jogo do selecionado nacional em sua capital, a cidade de São Paulo. O Mundo Esportivo criticava diretamente a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), sediada na cidade do Rio de Janeiro:

Quando eu digo que a CBD é contra São Paulo, todo mundo olha de banda e dá uma risadinha (...). A CBD que poderia ter marcado a tabela de outra maneira, deixou o jogo aqui para o dia 28. Eu só posso deduzir, de duas, uma: ou ela não queria que nós, humildes trabalhadores, assistíssemos ao encontro, ou fez para que, assistindo-o perdêssemos um dia de trabalho. (Teimoso, 1950, p.2)

No dia do certame, o técnico Flavio Costa cedeu à pressão da imprensa paulistana e escalou um time que jamais havia treinado com todos os paulistas convocados. O jornal carioca Gazeta de Noticias no dia do jogo falava sobre a relação do treinador com os paulistas e sua “infelicidade” jogando no Pacaembu:

(...) Flavio não é muito feliz no Pacaembu, porque ali, a torcida é exigente. Gosta do bom futebol. Do futebol pratico, sem demora. Como aqui no Rio também. Só que no Rio, há mais paciência e tolerância. (...) Que os paulistas e todos os torcedores que forem ao Pacaembu tenham paciência e tolerância. O adversário é respeitável. A coisa pode não começar bem, mas com palmas o selecionado vai se armar. E então tudo acabará bem. Palmas! E mais palmas! As vaias não devem aparecer num certame como esse. É uma festa do desporto. Uma vibração do mundo, para a grandeza do futebol do Brasil. (Para a vitória do Brasil: Tudo será feito, hoje a tarde no Pacaembu contra os suíços, 1950, p.9)

Naquele jogo, o Brasil encontrou dificuldades, empatando em 2 a 2. A apresentação da seleção foi tão ruim que os jogadores saíram vaiados de campo e o resultado foi considerado uma vergonha. Na Gazeta de Noticias do Rio de Janeiro a manchete do dia pós-jogo era “O empate no Pacaembu: a grande decepção para a torcida brasileira”, o texto abordava o erro do técnico em querer satisfazer os paulistas:

Desta vez Flavio não acertou na escalação do quadro. Quando tem de entrar no Pacaembu, Flavio parece ter medo da torcida paulista. E se sacrifica para não desgosta-la. Colocando o Maximo de paulistas no quadro. Assim foi ontem mais uma vez. (O empate no Pacaembu: Grande decepção para a torcida brasileira, 1950, p.8)

Já no paulista Jornal de Noticias há uma visível tentativa de defender a seleção e a honra paulista, procurando culpados:

2 a 2, o resultado da segunda peleja da copa do mundo em São Paulo – Injusto para os nacionais o placar de – parcial e grandemente prejudicial ao Brasil a arbitragem do Juiz espanhol – Fraca a atuação do selecionado brasileiro – serviram-se os suíços da deslealdade e da violência para evitar o revés (...). (Empate choque entre brasileiros e suíços, 1950, p.10)

Na última rodada da Primeira Fase, a seleção voltaria ao Maracanã, com mais de 160 mil torcedores e bateria a seleção da Iugoslávia por 2 a 0. No quadrangular final, o Brasil enfrentaria em sequência: Suécia, Espanha e Uruguai. Vencendo os dois primeiros com placares expressivos e um futebol convincente, 7x1 e 6x1, respectivamente, os mais de 150 mil torcedores presentes no novo “templo” do futebol, o Maracanã, vibraram com as apresentações brasileiras e mais que nunca apresentavam otimismo para enfrentar o Uruguai no ultimo desafio daquele mundial que ficaria marcado na história do futebol brasileiro. Para o último jogo, o Brasil ia com a vantagem de um simples empate para comemorar a vitória no torneio internacional. O clima era de já ganhou e o otimismo estava instaurado nos brasileiros. Com o otimismo tão em alta, o regionalismo foi deixado de lado por alguns momentos e a ideia de nação se apresentava. Os jornais da época já estampavam em suas manchetes e com letras garrafais, “CAMPEÕES DO MUNDO”. A Gazeta de Noticias (1950, p.7) do Rio de Janeiro, um dia após a vitória conta a Espanha, estampava “Tarde gloriosa para os brasileiros a um passo da consagração”, “Brasil! Brasil! Do Maracanã sairá o campeão do Mundo!”. O Mundo Esportivo fortalecia a ideia de como o selecionado nacional fortaleceu os sentimentos da nação.

O Brasil tornou-se, agora, um candidato desses que tomam conta das preferências do povo. Ninguém mais duvida que estejamos na brecha da conquista do titulo Mundial. Tudo se transformou. O Ambiente é, hoje, de absoluta confiança. (Brasil, 1950, p.8)

A chance de vencer um mundial teria colocado a rivalidade entre paulistanos e cariocas em um segundo plano, pois os jornalistas daquelas cidades, agora com otimismo, exaltavam a possível conquista brasileira. Próximo à final, o grito de “É campeão!” já eclodia pelas ruas. Ninguém esperava a derrota. De acordo com Costa (2008, p.5):

O tom nacionalista, aliás, marcou a realização da Copa do Mundo de 1950, o que fez com que a partida do dia 16 se afigurasse como o momento inigualável da história de um país que por intermédio do futebol poderia se mostrar vencedor e capaz de grandes realizações.

No dia 16 de julho, o Maracanã recebeu o maior público de uma Copa do Mundo, 200 mil pessoas estavam lá para presenciar a final e ver o Brasil campeão, mas a vitoria não veio. O Maracanã silenciou. A derrota ou a vitória em uma final de Copa do Mundo é um evento significativo não só no Brasil, mas em muitos países, portanto, talvez seja um dos espaços onde mais ocorram demonstrações de sentimentos de pertencimento nacional de um determinado povo (Gastaldo & Guedes, 2006).

Neste sentido, os brasileiros também estavam vivendo naquele evento não apenas as disputas próprias das práticas esportivas como o futebol, eles estavam esperando a vitória que consagraria uma identidade que o definiria para todo mundo. O brasileiro indiretamente buscava um símbolo para se ligar e se identificar como brasileiro, a construção de uma “comunidade imaginada”, que de acordo com Anderson (2008) faz sentido e tem valor simbólico para os compatriotas, ainda que estes nunca se conheçam ou se relacionem, mas pertencem a uma mesma comunidade em comum. Seria, então, o futebol de sua seleção nacional o elemento de coesão no caso de uma vitória. Assim, o monumental estádio era o palco da festa, da consagração da nação. A Gazeta de Notícias enaltecia o feito, em seus termos:

Uma festa de inteligência e de músculos, porque se ali estavam os orientadores da monumental construção também não se encontravam ausentes os que a realizaram na batalha energética do labor de vinte e quatro horas consecutivas. Em todos os lábios, porem o que se podia ver era um sorriso de satisfação – carteira de identidade de uma felicidade intima. [...] Que Maracanã venha a ser o trampolim da nossa consagração. E ao mesmo tempo de uma consagração limpa, clara sem subterfúgios. Nossos hospedes já chegaram! (Canarinho, 1950, p.12)

Em 1950, a grande mídia vislumbrava o futebol como centro do esporte nacional, mesmo diante de resistências. E isso se evidencia pelo espaço editorial ocupado pela seleção brasileira de futebol, que às vezes perdia espaço para as notícias dos clubes regionais que representavam melhor as cidades, ou ainda para outros esportes. Com a realização da Copa no Brasil, o futebol passou a ganhar mais espaço, mas ainda se observava que as notícias ainda tinham um cunho regionalista, evidenciando os conflitos na constituição da identidade nacional. A rivalidade entre São Paulo e Rio de Janeiro condicionava as informações sobre a seleção brasileira e sobre a Copa de acordo com o interesse da imprensa de cada cidade. Nos termos de Franzini (2010):

Ainda os jornalistas esportivos, pelas suas colunas, fazem a necessária doutrinação com o intuito altruístico de se alcançar o objetivo desejado. Tudo tem sido feito, e por fim, até o público, este imenso público esportivo brasileiro, já está preparado, sob todas as formas, para assistir ao grande certame no qual estará em xeque o título máximo do futebol mundial (p.258).

Franzini (2010) afirma que o mais interessante ao ler os jornais era, por ingenuidade ou conveniência, perceber que os jornalistas não viam a imprensa como parte integrante daquele “otimismo exagerado e pernicio so” que ameaçava o desempenho da equipe brasileira. Apenas os torcedores e jogadores eram “desmemoriados”. A maneira como os jornais descreviam a história dos jogos, o talento dos jogadores, o estádio lotado, a torcida vibrando e impulsionando o selecionado tudo frisava o nacionalismo que tomava conta do país. O Jornal de Notícias fazia questão de afirmar a relação indireta entre a atuação dos jogadores e o apoio da massa:

Empolgante sob todos os pontos de vista o espetáculo de ontem no Estádio do Maracanã. Uma das maiores assistências já vistas em campos de futebol, presenciou o cotejo entre brasileiros e espanhóis, na disputa da segunda rodada das finais da Copa do Mundo. [...]É fácil, portanto, imaginar o que foi a atuação dos nacionais. Incentivados pela enorme assistência, os valorosos representantes do “soccer” pátrio, encontraram seu melhor jogo e deram, indiscutivelmente, vibrante demonstração de todo o seu valor. (Goleada pelos brasileiros a seleção espanhola, 1950, p.10)

Após a derrota, a identidade nacional entra em crise, pois o que se viu foi uma unidade destituída e tomada por preconceitos. A mídia foi a primeira a destituir esse sentimento que fora instaurado desde a escolha do Brasil como sede. O orgulho se tornou vergonha. E a rivalidade voltou a marcar presença. Segundo o Mundo Esportivo, éramos um país sem glórias.

(...) Virou-se a ultima página do vigoroso drama que sacudiu a cama dos brasileiros e agora, passados os primeiros instantes de magoa e decepção, podemos analisar, friamente, as causas que determinaram a dolorosa tragédia do futebol brasileiro. (...) Tão pouco movemos o desejo de ferir este ou aqueles. Visamos antes de tudo, apontar os erros que presidiram os preparativos e a orientação do nosso quadro, e nisso não faremos mais do que repetir os gritos de alerta que, patrioticamente, não nos cansamos de repetir enquanto havia tempo para reparos. Em despretensioso retrospecto, apontaremos os dez erros que culminaram com a derrota do Brasil na Copa do Mundo. (Braz, 1950, p.7)

Na reportagem do jornal Mundo Esportivo, o jornalista tentava deixar claro que ele não tem a intenção de julgar ninguém, mas os apontamentos feitos por ele na reportagem demonstravam que um dos culpados era Flávio Costa, sempre criticado pelo mesmo periódico. Assim, como o Jornal de Noticias que após a derrota tentou manter o discurso de “Sejamos fortes na adversidade!”, mas dias após a derrota, apontava: “Talvez em 54, sem Flavio Costa, possamos chegar ao ambicionado e honroso titulo!”. O Sport Illustrado pontuava e criticada o desabafo do atacante paulista Baltazar, que reclamou da imprensa pelo seu fracasso na seleção:

(...) volta a São Paulo e começa a criticar a imprensa culpando-a pelo seu fracasso na Copa do Mundo. (...) Domingo retrasado, Baltazar fez dois tentos em São Paulo, dois tentos magníficos, segundo a opinião da critica bandeirante. Sinceramente que gostaríamos de ver Baltazar fazer tentos espetaculares aqui no Rio. Não sabemos ao certo se o “peso” é do jogador corintiano, mas a verdade é que aqui no Rio, as suas exibições não correspondem e em São Paulo ele é apontado como “fenômeno”. Coisas da Vida! Nos, entretanto pedimos permissão para duvidarmos do Baltazar de São Paulo e só acreditamos no Baltazar do Rio...! (O cabecinha de ouro só faz gol em São Paulo, 1950, p.18)

Passado o mundial, apontado os culpados e feitas as críticas que lhes cabiam, a imprensa foi a primeira a destituir esse sentimento que fora instaurado desde a escolha do Brasil como sede. O orgulho se tornou vergonha, a seleção o nosso fracasso e as disputas regionais voltaram após a derrota. Nem cariocas, nem paulistanos e muito menos os brasileiros. Os discursos compreendiam nada mais do que a interpretação de um determinado povo pela busca de uma brasilidade difícil de conquistar. Em um país multicultural é difícil definir sua identidade, o que nos caracteriza como parte desta nação. São Paulo e Rio de Janeiro procuraram criar um símbolo, um motivo que os colocassem como responsável pela constituição de uma identidade nacional, buscavam constituir uma “comunidade imaginada” (Anderson, 2008) definida por seus próprios termos. As lutas por esta representação da brasilidade estavam presentes no esporte, muitas vezes mobilizado nas manifestações de uma identidade nacional, nas identidades de uma região, de uma cidade, de um bairro, de um grupo étnico.

4. Considerações Finais

Em 1950, o Brasil ainda era um país em desenvolvimento e em busca de sua identidade. Nas lutas de representação que se apresentaram naquele período, através dos discursos dos jornais das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, que pretendiam apoderar-se da constituição de uma identidade nacional em muitos campos da cultura, possibilitaram também que o esporte fosse um campo de disputas pelo poder simbólico de ser a referência para uma identidade nacional que é dinâmica.

Foi possível observar que os jornais, como defende Anderson (2008), eram veículos relevantes para a disseminação das representações sobre as escolhas e os silêncios que identificam uma nação. Os cronistas cariocas e paulistanos souberam colocar em campo essas disputas, pois buscavam, a partir de suas próprias identidades regionais, criticar e/ou fortalecer o futebol da seleção brasileira. Para Damo (2002) o futebol teria a particularidade de expressar as diversidades regionais, as hierarquias socioeconômicas e as diferenças étnicas, em se tratando de “estilos de futebol”, sendo, desta maneira, uma prática cultural propícia para as disputas entre diferentes grupos. Por isso, paulistanos e cariocas buscavam não só afirmar a identidade nacional na vitória esportiva, mas também sua própria identidade regional.

As representações da imprensa não apresentam um discurso neutro, como explica Chartier (2002), pois são meios para se afirmar convicções e desprestigiar outras. Definir uma identidade é partir do princípio de se diferenciar em relação a alguma coisa ou a alguém, como afirma Silva (2009), a identidade e a diferença dependem uma da outra, ou seja, são inseparáveis.

Referências

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Notas

1 A Copa de 38 da França é um exemplo disso, foi quando o Futebol começou a ser pensado como patrimônio nacional. O estado e a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) passaram a criar estratégias para criar um laço entre a seleção brasileira e os torcedores, como se a vitória só viesse com o apoio incondicional dos brasileiros. A criação do Selo Nacional foi uma das formas de “responsabilizar” os torcedores pelo sucesso do combinado nacional, parte do dinheiro arrecadado na venda dos selos seria destinado para financiar a viagem, acomodação entre outras “necessidades” da seleção durante o período da competição.
2 A FIFA pediu um tempo maior para a realização da Copa para que os países europeus pudessem se recuperar da 2ª Guerra Mundial a tempo de participar do mundial.

Recepção: 31 julio 2018

Aprovação: 14 enero 2019

Publicación: 24 enero 2019

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