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Uma história do tênis no Brasil: apontamentos sobre os clubes esportivos e seus métodos de ensino
Resumo: O estudo trata de investigar a prática esportiva do tênis nos primeiros clubes no Brasil, buscando evidências sobre os métodos utilizados para ensinar o esporte. Para tal, recorreu-se à revisão bibliográfica e a análise documental das fontes coletadas para a pesquisa. A interpretação das informações revelou que a prática do tênis desenvolveu-se de forma significativa nos clubes e alastrou-se para outros espaços sociais. Também há indícios que nos clubes foram experimentados e modificados métodos de ensino do tênis pelos instrutores/professores ao longo do tempo.
Palavras-chave: História do esporte, Tênis, Clubes esportivos, Métodos de ensino.
Notes on a history of tennis in Brazil: Sport clubs and teaching approaches
Abstract: The study aims to investigate the composition of the sportive practice of tennis in Brazilian clubs, as well as to seek evidences regarding the methods used to teach tennis over the years. To do this, we resorted to bibliographical review and document analysis. All the information collected has shown that tennis practice was significantly developed in clubs and spread out to other social places. There are also evidences indicating that teaching approaches were experienced and transformed in clubs by coaches throughout the years.
Keywords: Sport history, Tennis, Sport clubs, Teaching methods.
Introdução
Ao analisar a produção científica sobre o tênis no Brasil, Cortela, Gonçalves, Klering & Balbinotti (2016) inferem que o número de publicações neste âmbito ainda é relativamente baixo. Contudo, os autores (2016) também apontam para um crescimento de estudos acerca da prática esportiva do tênis no contexto brasileiro dos últimos anos. Todavia, as pesquisas de viés histórico e sociocultural sobre o tênis no Brasil, ainda são escassas, como foi possível identificar na referida pesquisa.
Diante disso, o estudo trata de investigar a prática esportiva do tênis nos primeiros clubes no Brasil, buscando evidências sobre os métodos utilizados para ensinar o esporte. Para tal, recorremos à revisão bibliográfica e à análise documental das fontes impressas coletadas para a pesquisa. Deste modo, o estudo privilegia uma abordagem ampla do assunto por entender que é proveitosa e aplicável, podendo ser utilizada por estudantes e professores nos seus variados contextos. O texto intenta, através de linguagem acessível, servir aos propósitos da escola e, também, dos cursos de formação de professores, apresentando um panorama com relação aos processos históricos e socioculturais do tênis no Brasil.
O jogo de tênis, como conhecemos hoje, remonta de finais do século XIX, a partir de restruturações de jogos anteriores, como o Jeu de Paume 1 e o Sphairistike 2 (Davenport, 1966; Lake, 2008). A facilidade da prática permitiu a popularização do Sphairistike e a inserção também de praticantes da classe média britânica. Isto, entretanto, não interessava Wingfield, que tratou de revisar as regras para manter a prática sob domínio da aristocracia britânica. Segundo Mazo & Balbinotti (2009), esse também foi o motivo para a mudança do nome Sphairistike para Lawn Tennis 3 (tênis de gramado). Davenport (1966) atribui tal mudança à dificuldade em pronunciar a palavra Sphairistike (Lake, 2008; Mueller & Miranda, 2006; Davenport, 1966).
O primeiro torneio oficial de lawn tennis foi realizado em 1877 no clube londrino All England Croquet 4 Club, localizado na região de Wimbledon. Assim como na prática do croquet, as mulheres participavam ativamente dos jogos de lawn tennis (Davenport, 1966). Devido ao sucesso do torneio, o clube assumiu a prática em sua denominação e passou a se chamar All England Croquet and Lawn Tennis Club. Esta parceria influenciou também na importação das camisas e flanelas na cor branca, já utilizada por praticantes de croquet, como vestimenta dos jogadores de lawn tennis. As mulheres, por sua vez, jogavam com chapéu de palha, blusa de mangas compridas, com saias longas até os tornozelos (Lake, 2008; Novena & Silva, 1990).
Nas décadas seguintes, o lawn tennis foi difundido para outros países, onde foram realizados campeonatos e criados clubes para o desenvolvimento da prática, especialmente, na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos e na Austrália (Mazo & Balbinotti, 2009). Nos Estados Unidos, a prática do tênis chegou pelas mãos de uma mulher, a americana Mary Ewing Outerbridge, que conheceu o major Wingfield, em 1874, em Bermudas, e adquiriu um de seus produtos. Ao retornar para seu país, Outerbridge providenciou a primeira quadra de tênis no Staten Island Cricket 5 Club, em New Brighton Staten Island, Nova York. O primeiro torneio americano nacional foi realizado em 1880 no mesmo local. No ano seguinte foi fundada a Associação de Tênis dos Estados Unidos (Lewis, 2011).
Porém, a ascensão do tênis seria assinalada em 1900, com a primeira disputa da Copa Davis, campeonato que até hoje vigora e se sobressai no cenário do tênis. Esse evento foi criado por iniciativa do tenista americano Dwight F. Davis, em Massachussetts, Estados Unidos, que, interessado em competir em torneios internacionais, contatou a Federação de Tênis da Grã-Bretanha propondo uma disputa entre os melhores jogadores dos Estados Unidos e da Inglaterra. O confronto aconteceu em três dias no mês de agosto e os americanos sagraram-se campeões. Ao longo dos anos, cresceu o número de países com atletas participantes. Em 1904, já faziam parte do evento tenistas da África do Sul, Áustria, Austrália, Bélgica, França e Nova Zelândia (Mazo & Balbinotti, 2009).
Com o número de atletas se multiplicando a cada ano, optou-se por um novo formato da Copa Davis. A partir de 1923, as equipes eram distribuídas em duas regiões geográficas, a americana e a européia. Em 1960, mais uma zona geográfica foi determinada, pois nesse ano a competição já contava com 39 países participantes. Porém, a mudança mais significativa aconteceria duas décadas mais tarde, quando os organizadores do evento criaram o grupo de elite, composto pelos 16 melhores países, e as etapas classificatórias para a disputa nesse grupo (Mazo & Balbinotti, 2009). Hoje, o evento ocorre em quatro semanas distribuídas ao longo do ano e já são mais de 130 países participantes, dentre estes está o Brasil.
A institucionalização do tênis brasileiro
No Brasil, o Rio de Janeiro foi o pioneiro no jogo das raquetes. No final da década 1880, jovens engenheiros britânicos vieram ao país para a construção de estradas de ferro e obras para melhoria das cidades, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro. Nesse período, o Brasil era reorganizado politicamente devido à queda da Monarquia e proclamação da Primeira República do Brasil, em 1889. E, os ingleses que participaram do processo de transição e mudanças das referidas cidades, também trouxeram conhecimentos e experiências, advindas da sua cultura, como a prática do lawn tennis (tênis de gramado).
A primeira quadra para a prática esportiva do tênis foi contruída em Niterói, no Rio de Janeiro, em 1889. Na virada do século, a prática do tênis já era desenvolvida em outros clubes do Rio de Janeiro, como o Clube de Regatas Icaraí, o Canto do Rio Futebol Clube e The Rio Cricket and Athletic Association (Cantarino Filho, 2006). Percebe-se pela denominação dos clubes, que outros esportes já eram praticados, respectivamente, o remo, o futebol e o cricket, sendo o tênis incorporado posteriormente pelos associados.
Em São Paulo, as quadras de tênis passaram a integrar o cenário paulista a partir de 1892, no clube São Paulo Athletic Club, fundado por um grupo de ingleses vindos ao Brasil (Mueller & Miranda, 2006). O clube foi criado em 15 de maio de 1888, tendo como prática esportiva de destaque o cricket. No final do século, além do tênis, inseriu também a prática do futebol (Guedes, Zieff, & Negreiros, 2006).
Todavia, o primeiro clube brasileiro fundado exclusivamente para a prática do tênis foi o Club Walhalla, em 1896, localizado na capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (Mazo & Balbinotti, 2009). Diferentemente dos primeiros clubes fundados nas grandes cidades do país na época, o Club Walhalla foi fundado por imigrantes alemães estabelecidos em Porto Alegre. Conhecidos como teuto-brasileiros, era expressivo o número de descendentes e imigrantes de alemães no sul do país, os quais foram responsáveis pela introdução e disseminação de muitas práticas esportivas no Rio Grande do Sul, assim como o tênis (Pereira, Mazo, & Balbinotti, 2010; Assmann, Mazo, & Silva, 2017).
A Turnerbund (Sociedade Ginástica) de Porto Alegre, atual SOGIPA, também abriu espaço para o tênis, quando, em dezembro de 1914, fundou o Tênis Club Germânia em suas dependências, porém com regulamento próprio (Silva, 1997). Após a Primeira Guerra Mundial e sua repercussão nos clubes fundados por teuto-brasileiros, o Tênis Club Germânia alterou sua denominação, passando a se chamar Tênis Club Ipiranga. Com essa nova denominação continuou vinculado à SOGIPA e, posteriormente, foi reestruturado como Departamento de Tênis do clube. Até a década de 1920, a prática do tênis em Porto Alegre estava associada a clubes fundados por imigrantes e descendentes de alemães estabelecidos no sul do Brasil. Entretanto, em 1923, surge no cenário da cidade um clube com representações diferenciadas, o British Club, fundado por um grupo de imigrantes ingleses residentes na capital do Rio Grande do Sul. Já em 1925, esse e os demais clubes de Porto Alegre que desenvolviam a prática do tênis, participaram do I Campeonato de Tênis de Porto Alegre (Balbinotti & Mazo, 2005).
Ainda no cenário sul-brasileiro, um dos primeiros clubes a aderir à prática do tênis em Florianópolis, Santa Catarina, foi o Clube Doze de Agosto, fundado em 1872 no dia que dá nome ao clube (Mazo, 2006). Não foi possível identificar o ano de aderência do clube à prática do tênis, mas possivelmente data do período de transição do século XIX para o século XX. Distinto dos clubes fundados por descendentes e imigrantes de alemães, essa associação foi criada por um grupo de homens jovens com sobrenomes relacionados a representações identitárias luso-brasileiras.
No Paraná, o Clube Literário de Paranaguá, inseriu o tênis em suas atividades em 1930, prática destacada por receber o primeiro departamento esportivo do clube, o Tennis Club. Outros espaços para prática do tênis também eram encontrados em Curitiba, que já nas primeiras décadas do século XX, contava com o Clube Curitibano; o Clube Pontagrossense de Ponta Grossa; O Clube Operário Beneficente Germânia e o Graciosa Country Clube, voltado especialmente para as práticas do golfe e do tênis (Mezzadri, 2006). Mezzadri (2006) salienta que o clube Graciosa estabelecia em regimento normas de conduta aos praticantes, semelhantes aos clubes de tênis ingleses, como o modelo de uniforme para a prática, com camisa e calça ou short, na cor branca ou creme, com o uso opcional de meias, na cor branca. Além da vestimenta, era estabelecido o comportamento adequado ao sócio, elementos que convergem para o estabelecimento de uma prática voltada à elite local.
Assim como referenciado no sul e sudeste, no norte e no nordeste do país o tênis também é praticado há mais de um século. Em São Luís do Maranhão, a influência de europeus, especialmente ingleses, favoreceu o desenvolvimento da prática do tênis em muitos clubes locais. Já em 1827 existem registros sobre o desenvolvimento do Jogo da Péla, prática que antecedeu o lawn tennis (Vaz, 2006). Entretanto, a prática do tênis, assim como a idealizou Wingfield, ascende aos olhos dos maranhenses na primeira década do século XX. Vaz (2006) destaca a influência de jovens ingleses, pertencentes a uma elite vinculada às companhias inglesas instaladas na cidade, bem como, de Joaquim Moreira Alves dos Santos no contexto do tênis de São Luís. Joaquim estudou na Ingleterra e retornou ao Brasil em 1905, trazendo consigo experiências e motivações para a prática esportiva. Em 1907, fundou a Fabril Atletic Clube (FAC) que reunia esportes anglo-saxões como o futebol, o atletismo, o cricket, o croquet e o lawn tennis. Outros clubes que desenvolviam a prática do tênis em São Luís eram o Clube Euterpe Maranhense, fundado em 1904, e o Onze Maranhense, de 1911. (Vaz, 2006).
O tênis também conquistou praticantes no estado da Bahia. Na cidade de Jequié, em 1932 foi fundado o Bahiano Tenis Club de Jequié por jovens pertencentes a elite da cidade. O clube, fundado especificamente para a prática do tênis, aderiu também a outros esportes como o basquetebol e o futebol de salão. Para além de uma entidade com motivações esportivas, promovia-se momentos de sociabilidade e lazer aos associados (Pires, Dias, & Leite, 2014). A expansão dos clubes e o aumento do número de tenistas em diferentes estados do Brasil, para além dos supracitados, desencadeou a organização de entidades que administrassem a prática. Desta forma, foram criadas federações, ligas, a confederação brasileira e instituições para regulamentar o tênis brasileiro.
O desenvolvimento da prática do tênis atentou os clubes brasileiros para a necessidade de criar entidades que gerissem o esporte. Logo, as associações esportivas se uniram para criar suas ligas e federações regionais. A década de 1920 marca o início da institucionalização do tênis no Brasil. Em São Paulo, foi fundada em 1924 a Federação Paulista de Tênis, após onze anos da criação da Federação Internacional de Tênis (1913), pela iniciativa dos clubes Germânia (atual Pinheiros), Paulistano, São Paulo Athletic Club, Tietê e Espéria. Já em 1930, a entidade esportiva contava com 23 clubes filiados. (Mueller & Miranda, 2006).
No mesmo período, a Federação Riograndense de Tênis (FRGT) dava seus primeiros passos. Criada no Rio Grande do Sul em 1929, a entidade contou com a iniciativa dos clubes da capital na sua organização, a saber: Excursionista e Sportivo (atual Clube do Comércio); Tênis Clube Walhalla (atual Associação Leopoldina Juvenil); Tênis Clube Germania (atual Departamento de Tênis da SOGIPA) e British Club (ainda mantém o mesmo nome). A criação da FRGT refletiu na expansão da prática, com a criação de novos clubes e a apropriação do tênis em associações que ainda não desenvolviam a prática, bem como, favoreceu a progressão de campeonatos. Em 1940, a FRGT já agregava sete clubes da capital, Porto Alegre, e mais 26 associações do interior do Estado. (Pereira, Mazo, & Balbinotti, 2010).
Assim como nesses estados, em outras localidades também foram articuladas federações e ligas, que, até a década de 1940, atuavam de forma autônoma. Em meados da década de 1930, porém, uma nova organização política é instaurada no Brasil, refletindo em diversos setores da sociedade, assim como no esporte. Esse período é chamado de Estado Novo (1937-1945) e foi instituído pelo governo de Getúlio Vargas, sendo marcado por uma série de ações a fim de promover uma unidade nacional brasileira, destacando-se a Campanha de Nacionalização. Dentre as novas determinações, uma, em especial, é considerada um marco para o esporte brasileiro: o Decreto-Lei n.° 3.199 de 14 de abril de 1941. A partir desse decreto foi instituído o Conselho Nacional de Desportos, a fim de organizar, fiscalizar e incentivar a prática desportiva em todo o país, oficializando uma estrutura estatal institucionalizada do esporte brasileiro (Boudens, 2002).
A intervenção do governo nas federações e nos clubes, também refletiu em associações esportivas identificadas com representações socioculturais entendidas como estrangeiras, ou seja, que não identificadas com a representação cultural brasileira idealizada no período. Os clubes “de alemães” ou “de italianos”, por exemplo, foram repreendidos, acarretando na mudança de nomes, de estatutos, de práticas e, até, de encerramento das atividades (Mazo, 2007). Tenistas do Club Rot Weiss (Clube Vermelho e Branco) de Blumenau, fundado em 1927, após ter sua sede desapropriada para instalação do 32º Batalhão de Caçadores, se reuniram para fundar uma nova associação denominada Tênis Club Blumenau, cujo estatuto seguia as determinações do Decreto-Lei n° 3.199 de 1941 (Mazo, 2006).
Os clubes e federações já existentes foram, então, reorganizados a partir da nova legislação, sendo subordinados ao controle estatal. Para o tênis, uma medida de proteção ao esporte, em especial, pode ter favorecido a multiplicação de quadras pelo território brasileiro: a isenção de tributos e taxas nas quadras de tênis (Pereira, Mazo, & Balbinotti, 2010). Ainda, foram instituídas federações e confederações, como a Confederação Brasileira de Desporto, que ficou responsável pelas modalidades que ainda não comportavam uma confederação específica, assim como o tênis. Foi em 1955 que os tenistas conquistaram uma entidade própria, a Confederação Brasileira de Tênis (CBT), presidida inicialmente pelo catarinense Leoberto Leal. Segundo Mueller e Miranda (2006), a CBT é resultado de um movimento de reivindicações das federações de tênis, de pessoas e mídias que militavam por uma entidade específica do esporte.
As mudanças no campo esportivo e, em particular no tênis foram significativas e repercutiram nas décadas seguintes. Até os anos 1950, o tênis no Brasil era marcado pelo caráter amador. Nesse período, o debate sobre o profissionalismo no tênis começa a ganhar força. Esta questão, já fortemente discutida em países europeus e de língua inglesa, toma forma também no contexto brasileiro.
Amadorismo e profissionalismo no tênis brasileiro
Até meados do século XX, o tênis era um esporte amador, ou seja, aos tenistas não era permitido receber valores em dinheiro para jogar (Mazo & Balbinotti, 2009). Segundo Carta e Marcher (2004), a profissionalização do esporte indicava interesses de cunho financeiro, e poderia abalar a credibilidade dos espectadores quanto ao jogo e os resultados. Além disso, o tênis deveria ser um esporte “amador, puro, bonito”, um esporte “arte” – princípios que pareciam ser contrários aos ideais do profissionalismo. Esta visão corrobora com a concepção abordada por Lake (2008), quando refere o amadorismo como um discurso ideológico, que visava desenvolver valores de um gentleman através da prática esportiva.
O amadorismo demarcava quem praticava o tênis, como o esporte deveria ser praticado e por quais razões, estabelecendo fronteiras sociais. Ainda, a concepção do amadorismo estava intrinsecamente associada ao desenvolvimento da prática esportiva do tênis nos clubes, pois corroborava com as características próprias destas instituições, como a noção de participação e organização voluntária. Somente décadas após o desenvolvimento desta prática esportiva, o debate sobre o profissionalismo começou a ganhar espaço (Lake, 2008).
No mesmo ano de fundação do primeiro clube de tênis do Brasil, ocorreu a primeira edição dos Jogos Olímpicos da era moderna, no ano de 1896. O tênis era um dos esportes contemplados pelo programa olímpico, entretanto, os tenistas não participaram dos Jogos Olímpicos entre os anos de 1924 e 1986. A justificativa para a exclusão desse esporte do programa olímpico foi a profissionalização de tenistas. A despeito da organização e defesa pela prática amadora do tênis ter se estendido até meados da década de 1960, alguns atletas ingressaram como profissionais anteriormente. Contudo, a profissionalização ainda não era aceita no meio. Além disso, os Jogos Olímpicos passaram a ser realizados no mesmo período dos Jogos de Wimbledon, o qual era disputado pelos melhores tenistas da época. (Mueller & Miranda, 2006).
Os ideais do amadorismo eram, igualmente, defendidos pela Federação Internacional de Tênis (ITF). Entretanto, apesar dos esforços da ITF, tenistas amadores migraram para o profissionalismo, especialmente a partir de 1950, quando alguns atletas começaram a receber remunerações financeiras para jogar. Jack Kramer foi o principal promotor desses eventos. Kramer, assim como a prática profissional do tênis, foi alvo de contestações e polêmicas, mas também ajudaram a consolidar a profissionalização do esporte no panorama mundial. Outra figura importante nesse cenário foi Harry Hopmann, tenista australiano que aderiu ao grupo de Jack Kramer e, mais tarde, nas décadas de 1950 e 1960, também formou e alavancou a seleção de seu país. Dentre os jogadores que integraram a equipe australiana de Hopmann, estava Rod Laver, que assumiu uma posição de profissional após vencer o torneio de Wimbledon, em 1962, e influenciou outros tenistas a seguir o mesmo caminho (Mazo & Balbinotti, 2009).
Entretanto, o amadorismo foi dominante até finais da década de 1960 quando alterações relevantes ocorreram nas competições. Uma delas foi a abertura do torneio de Wimbledon, a partir de 1968, pela Federação Inglesa de Tênis, para todos os tenistas, permitindo que amadores e profissionais disputassem lado a lado. Esse torneio, também deu visibilidade ao tenista amador brasileiro Thomaz Koch, que, assim como Rod Laver, chegou às quartas-de-final na competição. A última partida do brasileiro foi contra o australiano Rosewall, profissional desde 1957 e integrante do grupo de Kramer. Koch foi o primeiro tenista brasileiro a se profissionalizar. Na década de 1960, figurou nas páginas da revista World Tennis com Menção Honrosa e, em 1974, já estava na 24ª colocação no ranking mundial. Nascido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a iniciação na prática do tênis por Koch ocorreu na Associação Leopoldina Juvenil, em Porto Alegre, aos cinco anos de idade (Carta & Marcher, 2004).
Outro evento que contribuiu para o profissionalismo no tênis foi a criação de um circuito mundial de torneios, em 1970, cujo sistema de pontuação consistia em somar os pontos de cada etapa do circuito, o qual dava acesso ao Masters, competição que congregava os melhores tenistas do ano (Lake, 2008). Logo, em 1972, surgiu a Associação de Tenistas Profissionais (ATP), dirigida pelo presidente e tenista sul-africano Cliff Drysdale. Esta instituição criou normas, regras e regimentos para assegurar os direitos e deveres da categoria (Mazo & Balbinotti, 2009).
Porém, ainda era necessária uma instituição que congregasse tanto a ATP quanto a Federação Internacional de Tênis (ITF), o que aconteceu em 1977, a partir da criação do Conselho Internacional do Tênis Profissional Masculino (MITC). Entretanto, após mais de uma década de conflitos internos (1990), a ATP decidiu se desintegrar do MITC, assumindo, sozinha, o desenvolvimento do tênis profissional masculino. A ITF ficou responsável pela Copa Davis e pelos torneios de Wimbledon, na Inglaterra, Roland Garros, na França, U.S. Open, nos Estados Unidos, o Aberto da Austrália, bem como, pelos torneios da série Future, que são torneios de entrada para o circuito profissional, e pela Fed Cup, a competição de equipe mais importante no tênis feminino. O restante cabia à ATP (Mazo & Balbinotti, 2009). Vale mencionar que as mudanças, entretanto, não ocorreram apenas no tênis masculino. Na década de 1970, as mulheres também se mobilizaram para organizar seus próprios torneios e sua associação. A Associação das Mulheres Tenistas (WTA) foi fundada em 1973. Dentre as defensoras desta iniciativa, estava Maria Esther Bueno, tenista brasileira de destaque nacional e internacional.
No mesmo passo das transições que marcaram a constituição da representação do atleta tenista, observa-se também a construção de outras representações sobre o profissional do ensino do tênis no Brasil. A emergência dos clubes, o processo de institucionalização da prática, as polêmicas e disputas que circundaram as histórias da prática esportiva do tênis perpassam também a formação dos treinadores/professores de tênis no Brasil.
O ensino do tênis: instrutores/professores e métodos
O ensino dos esportes é uma grande área da Educação Física e tem nos seus profissionais, bem como no método de ensino utilizado, seus componentes mais importantes. Cada esporte possui uma história e características socioculturais que podem influenciar estes aspectos. O caso do tênis não é diferente. Os treinadores que atuam/atuaram nas quadras e a influência que estes exercem/exerceram no ensino do esporte e na evolução dos métodos utilizados caminham juntos no longo dessa história e de uma cultura do tênis no Brasil e no mundo.
Na Inglaterra, por exemplo – país onde nasceu o tênis – os já jogadores da época sugeriam aos iniciantes que aprendessem por meio da observação de jogos dos tenistas mais experientes e habilidosos (Lake, 2010). Isso pode ser observado no livro “Teach yourself lawn tennis” (Ensine você mesmo a jogar tênis – tradução nossa), escrito por um ex-jogador de futebol, Frederick Norman Smith Creek (Creek, 1952), que sugeria a observação como uma forma eficiente para aprender a jogar. Todavia, com o passar do tempo outros “métodos” de aprendizagem foram sendo incentivados, como “jogar” contra a parede, discutir com amigos e a própria leitura de livros especializados (Lake, 2010). Um dos autores destes livros foi P. A. Vaile e em uma de suas obras, escrita em 1915, afirmava esperar que seu livro ajudasse tanto os iniciantes a aprender o básico, como os mais experientes a desenvolveram o backhand por meio das orientações e fotografias apresentadas (Vaile, 1915).
No começo do século XX, as aulas de tênis ministradas por professores/treinadores não eram muito bem vistas na Inglaterra. Já em outros países, como França, Estados Unidos e Alemanha, o mesmo não acontecia. Nestes países o desenvolvimento de novos talentos no tênis começou a ser levado a sério e muitos professores/treinadores começaram a surgir. Com o passar do tempo, estes mesmos países começaram a ter resultados expressivos em competições internacionais, principalmente em relação à Inglaterra, que ainda resistia no processo de ensino do tênis, em especial para crianças (Lake, 2010; 2015). Com a baixa nos resultados, jogadores e autoridade do tênis começaram a se preocupar com o futuro da modalidade na Inglaterra. A partir disso, o país começou a refletir sobre o processo de ensino para crianças e “aceitar” a ideia de pessoas ensinarem o esporte (Lake, 2010; 2015).
No Brasil, essa trajetória histórica do processo de ensino do tênis não foi diferente. No início do Século XX, também não existiam professores como os que conhecemos hoje. Os jogadores aprendiam a jogar praticando com seus pares. Aos poucos, alguns clubes, observando o crescimento do número de interessados no novo esporte, passaram a incentivar aqueles mais habilidosos a instruir os iniciantes. Assim sendo, portando algumas bolas de tênis, jogadores entravam em quadra para bater bola com seus aprendizes e marcaram presença como sendo os primeiros professores de tênis do país. Ernesto Petersen é um dos exemplos de jogador que assume a função de professor. Nascido no ano de 1922 em Cachoeira do Sul/RS, Petersen angariou conquistas no tênis em âmbito municipal, estadual, nacional e internacional e após interromper a carreira de atleta, em 1955, atuou como professor de tênis no Cachoeira Tênis Clube e em outros clubes esportivos (Um Nome Consagrado, 1964).
Como o esporte ainda não havia se profissionalizado, jogadores destacados em torneios amadores eram as referências técnicas. Clubes, a fim de promover a prática do tênis, passaram a contratar estes jogadores, alguns deles estrangeiros. Como exemplo, podemos citar o caso da Sociedade Harmonia de Tênis, em São Paulo, e do Esporte Clube Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul. O primeiro contratou na década de 1930 o francês George Hardy, um renomado tenista da época. Este é considerado, senão o primeiro, um dos primeiros professores de tênis contratado do Brasil (Brustolin, 1995). O caso de Pelotas é registrado algumas décadas depois, em 1960. Na ocasião, o clube contratou um destacado tenista chileno.
[...] o profissional chileno de tênis, Sr. Mario Cornejo Pereda, contratado pelo E. C. Pelotas, a fim de que o mesmo ministrasse aulas neste clube, uma vez por semana, às 6ª feiras, mediante remuneração mensal de CR$2.000,00 com cobrança em seu benefício das aulas contratadas. (Professor de Tênis, 1960).
O jogador-professor determinou o ensino do tênis por boa parte da história no Brasil. Inicialmente tinham como principais funções a simples instrução de seus alunos e trocar bolas com precisão. Hoje, estes profissionais possuem uma grande aceitação no tênis de alto rendimento, adulto e infantojuvenil. Portanto, ainda hoje possui seu espaço no mercado. Este fato se explica pela possibilidade destes profissionais continuarem a desempenhar sua função na condição de provisionado, se comprovada experiência anterior a 1998. Por este motivo, a tendência é a extinção deste profissional com o tempo.
A profissão de treinador tem obtido grande destaque e reconhecimento nas últimas décadas. No Brasil, é uma profissão emergente e de grande interesse por parte dos estudantes de Educação Física. No entanto, muitas vezes a primeira credencial de um treinador é o seu desempenho como atleta (Marques, 2000). A dependência da competência como atleta foi por muito tempo, e ainda é, um fator decisivo para a inserção deste profissional em alguns meios esportivos – especialmente no alto rendimento. Contudo, nem sempre a reconhecida competência como atleta determina o sucesso como treinador. Existem diversas qualidades inerentes a esta profissão, as quais não são simplesmente adquiridas na prática.
Existe uma vigorosa discussão sobre quem é mais capaz para exercer a função de treinador esportivo. Enquanto ex-atletas justificam seu valor com base na experiência prática, profissionais de Educação Física defendem que o conhecimento teórico é fundamental para a função de treinador. De fato, conhecimentos como fisiologia, pedagogia, psicologia e metodologia do treinamento são aspectos fundamentais para o desempenho eficaz da profissão (Nunes, 1995). Contudo, o conhecimento prático também possui diversos benefícios. No entanto, vale mencionar que no contexto atual brasileiro – a partir da regulamentação da atuação do profissional de Educação Física, por meio da Lei Federal nº 9.696 de 1º de Setembro de 1998, houve restrição parcial a atuação do treinador. A partir deste marco, somente graduados em Educação Física e aqueles que comprovadamente possuíam experiência profissional anterior poderiam atuar como treinadores. Por este e outros motivos, o estudo deste cenário pelo viés histórico-cultural do tênis merece atenção.
O ensino do tênis, desde sua chegada ao Brasil até a década de 1980, se caracterizava por ser muito dedicado ao desenvolvimento da técnica. Neste contexto, se esperava que o treinador fosse um exímio jogador, dominando todos os fundamentos, demonstrando aos alunos com perfeição para que assim fossem repetidos e reproduzidos (Crespo & Miranda, 2001). Brustolin (1995) cita três itens fundamentais das capacidades de um treinador ideal:
O treinador ideal seria aquele que demonstrasse na prática, que se fizesse entender verbalmente e que corrigisse no que fosse necessário. Caso o indivíduo não conseguisse desempenhar um destes três itens, deveria empenhar-se no ponto falho para exercer sua função como professor (Brustolin, 1995).
Além destes itens citados por Brustolin (1995), Fuentes e Villar (2004) destacam outras qualidades do treinador, mais especificamente do treinador de tenistas profissionais. Como destacado anteriormente, o jogador-professorcompõe boa parte do número de treinadores de alto rendimento no Brasil e no mundo. Muitos deles, inclusive, foram jogadores de nível profissional e com excelentes resultados como atletas. A parceria destes profissionais com tenistas de alto nível pode auxiliar no crescimento de carreira do seu aluno/atleta, conquistando espaço e reduzindo custos relacionados ao circuito profissional. Seu conhecimento do circuito, prestígio como atleta, reconhecimento de árbitros e federações regionais são qualidades importantes (Fuentes & Villar, 2004).
A cultura do tênis, como um esporte de distinção social, praticado majoritariamente em clubes frequentados pela elite brasileira, proporcionou que um novo profissional surgisse: o boleiro-professor, considerado um fenômeno único no país. No tênis, os pegadores de bola ou gandulas são conhecidos como boleiros. Estes, geralmente jovens, de classes sociais mais baixas, eram contratados para trabalhar nesta função pelos clubes do país. Por muito tempo, esta função foi essencial para o desenvolvimento das aulas de tênis. Com aulas baseadas na repetição de gestos e rebatidas à exaustão, o boleiro era quem dava dinâmica à aula, recolhendo as bolas enquanto o professor se detinha à função de lançá-las e o aluno de rebatê-las.
Alguns filhos de funcionários dos clubes viviam o dia a dia do esporte e passaram a desempenhar a função de professor a partir de conhecimentos adquiridos por observação e prática nos horários em que as quadras não eram ocupadas. Este caminho se tornou bastante comum. Inclusive, Cortela, Aburachid, Souza, Cortela, & Fuentes (2013) verificaram, em um estudo sobre os treinadores de tênis do Paraná, que mais da metade dos profissionais iniciou seu caminho através da profissão de boleiro. Brustolin (1995) identificou quatro formas de transição da condição de boleiro à de professor: a) convite de clubes e alunos iniciantes – como alternativa de baixo custo; b) auxiliar de professor – alternativa para atividades em grupos ou como batedor (trocador) de bolas; c) cursos de formação de treinadores – hoje oferecidos por entidades como a CBT; d) iniciativa própria – arrendando quadras.
Boa parte dos boleiros-professores passou pelo mesmo processo de provisionamento que os jogadores-professorese hoje continuam atuando ativamente nas quadras. Brustolin (1995) questiona se a formação educacional destes profissionais é suficiente para o cargo desempenhado. Em sua pesquisa identificou que 50% dos profissionais encerram seus estudos no ensino fundamental, enquanto que apenas 10% finalizam o ensino superior. Cortela, Aburachid, Souza, Cortela, & Fuentes (2013), em um estudo mais atual, verificou que 31% dos profissionais buscaram uma formação de nível superior após ingressarem na profissão. Estes números podem ainda ser considerados relativamente baixos. A baixa escolaridade de parcela dos boleiros-professorespode influenciar negativamente o ensino do tênis e o desenvolvimento de métodos de ensino baseados em conceitos mais complexos. Os dados apresentados pelos autores replicam na discussão iniciada por Brustolin (1995) e sustentada por Nunes (1995) e conselhos nacional e regionais de Educação Física, de que o conhecimento prático não é suficiente para exercer tal profissão. Fuentes (2009) ainda destaca diversas destrezas didático-metodológicas essenciais na função de treinador. Neste sentido, os cursos de Educação Física poderiam contribuir de forma importante.
Nas últimas décadas, o profissional que tem conquistado mais espaço no mercado do tênis é o profissional de Educação Física. Esta parece ser uma tendência, especialmente na iniciação ao tênis e ensino para crianças. Enquanto a experiência e conhecimento prático favorecem o treinador de alto rendimento, as bases teóricas do desenvolvimento físico, motor, cognitivo e psicossocial capacitam o treinador de iniciação, por exemplo, em fases em que a demanda técnica é reduzida, e a prática do jogo em si parece ser mais importante do que perfeição. Afinal, nesta etapa de ensino pouco se precisa saber de tênis, mas muito sobre a infância e o desenvolvimento infantil ‒ conteúdos destacados nos cursos de graduação em Educação Física. No entanto, o tênis, como todos os esportes, possui suas peculiaridades, e grande parte dos cursos de Educação Física oferecidos no país não possuem uma disciplina específica de tênis ou esportes de raquete (Dias et al., 2002). A justificativa mais aceitável é de que não há professores suficientemente capacitados para atuar com a modalidade. Portanto, a escassez destes docentes nas universidades se reflete na diminuição do número de profissionais disponíveis no mercado.
A fim de atualizar os profissionais provisionados e capacitar de forma mais específica os profissionais de educação física, a CBT criou cursos de formação de treinadores em 1998, seguindo uma tendência internacional. Contudo, há uma crítica pertinente. A simples formação no curso não habilita o profissional a atuar como professor de tênis. Dados estimam que cerca de 3.500 profissionais do tênis já foram beneficiados pelos cursos. Hoje, o curso de formação de treinadores da CBT possui nove módulos, incluindo alguns destinados a questões fisiológicas e biomecânicas aplicadas ao treinamento de tênis e outros mais direcionados ao ensino e metodologias de ensino do tênis.
O treinador e sua formação podem influenciar o método de ensino utilizado. A pedagogia do esporte tem recebido grande atenção por parte da comunidade acadêmica e o tênis se beneficiou de forma importante. O tênis possuía um índice de desistência muito elevado, tanto em adultos, quanto em crianças. Para muitas pessoas, o responsável por este fato era justamente o método de ensino. Com o passar do tempo, e com o surgimento de novas propostas e programas de ensino, o cenário parece ter se alterado. Hoje, o tênis é um dos esportes mais praticados no Brasil. Talvez não se possa atribuir todo o crédito a estas alterações, mas a contribuição é inegável.
O tênis no Brasil foi ensinado por diferentes profissionais ao longo da história. Tendo em vista este aspecto que permeia a história do tênis no Brasil, cabe discutir uma questão levantada por alguns autores (Brustolin, 1995; Crespo & Miranda, 2001; Fuentes, 2001; Cortela, Fuentes, Aburachid, Kist, & Cortela, 2012): os métodos de ensino no tênis. As primeiras aulas de tênis no Brasil, no início do Século XX, foram ministradas por exímios jogadores da época. Estes não possuíam formação acadêmica, no entanto dominavam as técnicas do esporte. Neste contexto, o treinador trocava bolas com seu aluno e simultaneamente corrigia seus movimentos. Era necessária destreza para identificar erros de execução e comunicar, de forma clara, como corrigi-los. Apesar de ser considerado um método antigo, estas destrezas ainda são necessárias em diversas situações do ensino do tênis atual e são destacadas por Fuentes (2009). Contudo, o autor (2009) reafirma que utilizar a explicação e demonstração da tarefa, o treinador deve introduzir em sua aula a aplicação dos gestos em situações de jogo.
Neste mesmo sentido, entre as décadas de 1950 e 1980, o método analítico prosperava no ensino do tênis. Este método era baseado na repetição de movimentos à exaustão até o alcance do fundamento “perfeito”. Quando as aulas eram realizadas em grupos, caracterizava-se pela formação de colunas e realização de drills. Este método é, por muitos, considerado responsável pela grande ocorrência de evasão durante os primeiros meses de prática do esporte. Durante este período, os responsáveis pelo ensino do tênis eram ex-jogadores e ex-boleiros. Estes, em sua grande maioria, não possuíam formação superior. Suas aulas eram baseadas na reprodução de exercícios vivenciados anteriormente e na tentativa e erro.
Neste método de ensino, o jogo propriamente dito ficava em segundo plano. Era necessário o aprendizado da técnica inicialmente, para então a aplicação destes fundamentos no jogo. Até hoje este método é questionado, principalmente na iniciação ao esporte, afinal o jogo é o elemento central do esporte. Um esporte sem a disputa propriamente dita torna-se acultural. Por este motivo, como crítica a este modelo de ensino, surgiram métodos de ensino baseados no jogo.
As críticas a esses métodos tradicionais já eram feitas na década de 1920, na Inglaterra (Lake, 2010). No entanto, foi na década de 1980 que algumas abordagens de ensino começaram a despontar, como o Teaching Games for Understanding (TGfU)(Ensinando Jogos para a Compreensão – tradução nossa)(Thorpe, Bunker, & Almond, 1986). Esta proposta estava baseada no ensino do esporte a partir da compreensão do jogo. Mais precisamente, os autores da abordagem estavam inquietos sobre o processo de ensino dos esportes e queriam encontrar uma maneira de tornar o jogo adulto mais simples e significativo para as crianças (Harvey, Pill, & Almond, 2017). Rod Thorpe, um dos autores do TGfU, entendia que as abordagens tradicionais de ensino, centradas na técnica, “convenciam ao menos 80% das crianças, que elas não poderiam praticar o jogo” (Thorpe, Bunker & Almond, 1986, p. 17, tradução e grifo nosso). Tendo em vista tal informação, a abordagem foi organizada com o intuito de adaptar o espaço, as regras e as matérias para que o jogo se tornasse possível, ao mesmo tempo em que modificações eram feitas para buscar a compreensão do jogo. Ou seja, mais do fazer e replicar golpes, era importante que o aluno soubesse “o que” fazer com aqueles gestos motores durante as situações de jogo.
Neste sentido, passaram a surgir diversas outras propostas semelhantes pelo mundo como são os casos do Play Practice, do Tactical Games Model e do Game Sense (Harvey & Jarrett, 2013). Especificamente voltado para o tênis, surge neste período em países como Alemanha, EUA e França – grandes potências do tênis e reconhecidas escolas formadoras de jogadores – o Mini Tênis 6 . O Mini Tênis foi uma adaptação do espaço de quadra com uma bola mais lenta. Desta forma, o tênis pôde ser iniciado de forma diferente – a partir do jogo.
Da mesma forma, escolas tradicionais como a espanhola e australiana, criaram seus próprios programas de ensino. Apesar dos resultados expressivos destas nações, observados na formação de jogares de alto nível e na popularização e massificação do esporte, o Brasil se manteve basicamente com o método tradicional. Brustolin (1995) verificou através de entrevistas com alguns dos principais treinadores da década de 1990, que não havia um movimento para a unificação dos métodos de ensino do tênis no país. Este fato foi verificado a partir de respostas que indicavam que cada um dos treinadores possuía um método de ensino próprio.
No início dos anos 2000, a ITF passou a desenvolver um projeto intitulado Play and Stay (Jogue e permaneça jogando) visando manter jogadores iniciantes por mais tempo na prática. Este programa destinado tanto para o público infantil quanto para o adulto, é baseado no ensino através do jogo, com quadras, bolas e raquetes adequadas ao nível técnico e desenvolvimento físico do praticante. Foi amplamente difundido em países que não possuíam um método pensado neste sentido. No Brasil, o Play and Stay chegou em 2007, contudo obteve certa resistência por parte de alguns treinadores tradicionais. Cortela, Fuentes, Aburachid, Kist, & Cortela (2012) destacam diversos benefícios da utilização desta metodologia. Entre eles está a possibilidade da participação simultânea de um maior número de alunos em uma aula e a inserção do tênis no ambiente escolar.
Atualmente, diferentes versões de “mini tênis” têm sido aplicadas no Brasil e no mundo, especialmente, quando se trata do ensino para crianças até 10 anos. Este tipo de método ganhou maior força em 2012, quando foi instituído pela ITF o Tennis 10’s 7 . Nestas competições as regras foram adequadas a fim de suprir as necessidades físicas, motoras e psicossociais das crianças. No entanto, alguns treinadores ainda acreditam ser necessária uma maior diferenciação das competições que seguem o modelo de alto rendimento (Gonçalves, Klering, Aires, & Balbinotti, 2016; Gonçalves, Cortela, Klering, Bulso, & Balbinotti, 2016). Estas propostas de ensino propiciam que qualquer profissional de educação física, com o mínimo conhecimento de tênis, ministre uma aula de tênis para iniciantes. Esta restauração no ensino do tênis pode auxiliar em um problema já verificado por alguns profissionais da área – a falta de professores.
O método analítico demanda uma qualidade especial do treinador no quesito técnico. O treinador precisa, necessariamente, jogar muito bem para instruir e demonstrar os fundamentos, identificar e corrigir as falhas técnicas de seus alunos. Os métodos baseados no ensino através do jogo demandam outras qualidades do treinador. Qualidades estas, que podem muito bem ser adquiridas em cursos de Educação Física e de formação continuada. A identificação dos estágios de desenvolvimento físico, motor e psíquico, bem como a habilidade de propor atividades adequadas para cada momento de uma aula, não exigem uma qualidade técnica diferenciada do professor.
Considerações finais
As informações encontradas neste estudo permitem inferir que a prática do tênis no Brasil emergiu nos clubes, situados, predominantemente, em regiões do Brasil onde se estabeleceram imigrantes ingleses e alemães. Os clubes se destacaram pela participação ativa tanto de homens como de mulheres na prática esportiva do tênis. Para além dos clubes, na década de 1920 ocorreu o início da organização do tênis por meio da criação de federações esportivas nos estados brasileiros. A estrutura e funcionamento de tais federações foram reorganizados na década de 1940 por força da lei. Na década seguinte, no ano de 1955, foi criada uma entidade nacional específica para o tênis, a Confederação Brasileira de Tênis (CBT). De tal modo, gradualmente sucedia-se o desenvolvimento do tênis no Brasil.
O incremento do tênis no país também instigou o debate sobre o profissionalismo esportivo. Até o início da década de 1970 os tenistas brasileiros permaneciam como amadores no esporte, condição defendida pelas entidades nacionais e internacionais de tênis. Todavia, neste período, a luta pelo profissionalismo, travada há algumas décadas por muitos tenistas, ultrapassou as barreiras do ideal amador contando com o apoio das entidades internacionais voltadas aos interesses dos profissionais de tênis. No Brasil, destacam-se dois tenistas precursores desta época: Thomaz Koch e Maria Ester Bueno.
Em presença dos ideais do profissionalismo, o ensino do tênis no Brasil também sofreu alterações ao longo dos anos. O processo de ensino-aprendizagem deslocou-se de uma simples instrução para um planejamento baseado em pressupostos teóricos, sem abandonar a relevância do conhecimento empírico. Os métodos de ensino têm se aprimorado cada vez mais, tornando o ensino do tênis menos centrado no(a) professor(a), o qual exerce a função de um facilitador do processo, enquanto que o aluno representa um agente ativo e coparticipante de sua própria formação.
Por fim, averiguou-se que os instrutores/professores de tênis parecem estar mais qualificados em comparação aos primórdios da prática no país. Isto se deve, não somente a promulgação da Lei Federal nº 9.696 de 1998, mas está muito relacionado à própria necessidade e interesse dos profissionais. A grande participação em cursos de formação e clínicas específicas indica esta tendência. Contudo, a oferta das disciplinas de tênis pelos cursos de graduação em Educação Física está restrita a poucas instituições de ensino superior, limitando a qualificação dos professores aos cursos de formação de treinadores oferecidos pelas federações regionais e CBT.
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Notas
Recepción: 30 mayo 2018
Aprobación: 29 junio 2018
Publicación: 27 julio 2018