Educación Física y Ciencia, vol. 18, nº 2, e010, diciembre 2016. ISSN 2314-2561
Universidad Nacional de La Plata. Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación.
Departamento de Educación Física



ARTICULOS / ARTICLES

 

Atividade física e pressão arterial em crianças obesas


André Everton de Freitas

Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
aefreitas@yahoo.com


Bernardo Queiroz Veiga Sales

Faculdade de Saúde e Ecologia Humana, Brasil
berqvs@hotmail.com


Eduardo José Braga

Faculdade de Saúde e Ecologia Humana, Brasil
eduardobraga.med@gmail.com


Nassur Barroso Zogheib

Faculdade de Saúde e Ecologia Humana, Brasil
nbz_69@hotmail.com


Márcio Vinícius Lins de Barros

Faculdade de Saúde e Ecologia Humana, Brasil
marciovlbarros@gmail.com


Thiago Henrique de Oliveira

Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
thiagooliveirafisio@yahoo.com.br


Flávia Komatsuzaki

Faculdade de Engenharia de Minas Gerais, Brasil
flaviakz@hotmail.com


Flávio de Oliveira Pires

Universidade Federal do Maranhão, Brasil
flaviooliveirapires@gmail.com


Joel Alves Lamounier

Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
jalamo@medicina.ufmg.br

 

Cita sugerida: Everton de Freitas, A., Veiga Sales, B., Braga, E., Barroso Zogheib, N., Lins de Barros, M., Henrique de Oliveira, T. ... Alves Lamounier, J. (2016). Atividade física e pressão arterial em crianças obesas. Educación Física y Ciencia, 18(2), e010. Recuperado de http://www.efyc.fahce.unlp.edu.ar/article/view/EFyCe010


Resumo:
Objetivo: o presente estudo tem como objetivo avaliar o efeito crônico de um programa de atividade física nos valores de pressão arterial basal de escolares de seis a nove anos com sobrepeso e obesidade das escolas públicas do município de Ouro Preto, Minas Gerais. Método: Trata-se de um estudo clínico aleatorizado de intervenção, quase-experimental, duplo-cego, pragmático, tendo como unidade de estudo o indivíduo. Foram alocadas por aleatorização inconsciente em dois grupos: o grupo-intervenção (n=40) submetido à atividade física três vezes por semana de 50 minutos de duração e o grupo-controle (n=39) e acompanhados por quatro meses. A intensidade do exercício foi determinada por meio de espirometria de circuito aberto. A pressão arterial foi aferida três vezes, consecutivamente e a media foi utilizada. Setenta e nove crianças participaram do estudo intervencional. Resultado: Após a intervenção, não foram evidenciados efeitos significativos de um programa regular de atividade física sobre os níveis basais da Pressão Arterial de crianças obesas entre 6 e 9 anos. Conclusão: No presente estudo, não foram evidenciados efeitos significativos de um programa regular de atividade física sobre os níveis basais da Pressão Arterial de crianças obesas entre 6 e 9 anos.

Palavras-chaves: Obesidade pediátrica; Pressão arterial; Atividade motora.


Physical activity and blood pressure in obese children


Abstract
This study aimed to evaluate the chronic effect of an exercise program in resting blood pressure values ​​of school children aged six to nine years old with overweight and obesity in public schools of the city of OuroPreto, Minas Gerais - Brazil, comparing the systolic and diastolic blood pressure of these students before and after an intervention program. Method: This is a randomized clinical study of intervention, quasi-experimental, double-blind, pragmatic, with the study of the individual unit. Seventy-nine children participated in the interventional study and were considered a convenient sample. These subjects were allocated by randomization into two groups: the intervention group (n = 40) and the control group (n = 39) practised physical activity three times a week for 50 minutes and were followed for 4 months. The exercise intensity was determined by open-circuit spirometry. Blood pressure was measured three times consecutively and the average was used. Results: After the intervention, there was no evidence of significant chronic effects of a regular program of exercises on basal levels of blood pressure of obese children between 6 and 9 years old. Conclusion: In this study, there was no evidence of significant effects from a program of regular physical activity on basal levels of blood pressure of obese children between 6 and 9 years old.

Key-Words: Pediatric obesity; Blood pressure; Motor activity.


 

Introdução:

A obesidade infantil representa um dos maiores desafios para a saúde pública mundial na atualidade. A organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 42 milhões de crianças acima de cinco anos são obesas (Who, 2009). No Brasil, dados coletados através da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010) em parceria com o Ministério da Saúde evidenciaram que 33,5% das crianças de 5 a 9 anos apresentam-se com excesso de peso ou obesas. Esta prevalência tem aumentado mundialmente, tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos. Dados referentes aos países europeus, apresentados pela OMS em 2009, mostram que a prevalência de sobrepeso (incluindo obesidade) entre as crianças de 11 a 13 anos varia de 5% a 25% em alguns países (Who, 2009). A percepção da gravidade dessa situação deve-se, principalmente, à forte associação da obesidade infantil com uma grande variedade de doenças e com o risco aumentado de desenvolvê-las prematuramente (De Onis, Blossner & Borghi, 2010).

A obesidade infantil também está associada com resultados adversos em longo prazo. Estudos recentes demonstraram que crianças obesas têm maior probabilidade de desenvolver Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2), hipertensão arterial (HAS), dislipidemia, aterosclerose e outras doenças cardiovasculares (DCV) (De Onis, Blossner & Borghi, 2010; Raj, 2012). Todas essas complicações da obesidade infantil fazem com que ela seja um forte indicador de elevada taxa de morte, assim como de morte prematura (definida como a morte antes dos 55 anos de idade) (Raj, 2012). Em relação à HAS, é importante destacar que alguns estudos sugerem que a adiposidade infantil contribui diretamente para o desenvolvimento da hipertensão em crianças, assim como tem um efeito residual sobre o risco de desenvolvimento de hipertensão na vida adulta (Juonala et.al., 2011) e este mesmo estudo evidenciou que adultos obesos - que tiveram sobrepeso ou foram obesos na infância - apresentam um maior risco de serem hipertensos do que os adultos obesos que tiveram peso normal na infância. Tais resultados reforçam a importância do controle ponderal precoce.

Nesse contexto, a atividade física desempenha um papel fundamental uma vez que crianças com maiores níveis de atividade física apresentam melhores valores nos perfis antropométrico e bioquímico relacionados com o risco cardiovascular (Franks, et. al., 2010). Estudos atuais indicam que as intervenções com atividade física podem ser úteis para melhorar o estilo de vida das crianças e dos adolescentes e, por consequência, podem auxiliar na redução do risco de desenvolvimento das doenças associadas à obesidade (Farpour-Lambert, et. al., 2009; Cordova, et. al. 2010;). No controle da pressão arterial, um estudo recente demonstrou que a redução da HAS decorre de um efeito direto do exercício físico sobre os níveis pressóricos, independentemente das alterações do peso corporal ou do percentual de gordura (Farpour-Lambert, 2009). Dessa forma, a prática regular de atividade física exerce papel fundamental por ser um instrumento eficaz tanto na redução do Índice de Massa Corporal (IMC) como no nível basal das pressões arteriais sistólica (PAS) e diastólica (PAD) (Salgado & Carvalhaes, 2003).

No entanto, não há dados consistentes na literatura para se estabelecer um programa ideal para o tratamento da obesidade e, consequentemente, para a prevenção das suas complicações. Deste modo, o presente estudo avaliou o efeito de um programa de atividade física nos valores da pressão arterial de escolares de seis a nove anos com sobrepeso e obesidade das escolas públicas do município de Ouro Preto, Minas Gerais.

Metodologia:

Trata-se de um estudo clínico aleatorizado de intervenção, quase-experimental, duplo-cego, pragmático, tendo como unidade de estudo o indivíduo (figura 1).

O estudo foi realizado com escolares de sete instituições públicas de ensino da zona urbana do município de Ouro Preto, Minas Gerais. Inicialmente, foram selecionadas aquelas que tinham entre 6 e 9 anos de idade, no total de 1.019 crianças. Estas foram avaliadas e classificadas quanto à composição corporal de acordo com o índice de massa corporal (IMC) - calculado a partir da relação entre peso corporal total em quilogramas e estatura em metros ao quadrado (índice de Quetelet) (Garrow, Webster & Quetelet, 1985). Os pontos de corte preconizados pela Organização Mundial de Saúde (De Onis, 2007), foram utilizados para a classificação. Entre os 1019 escolares analisados, 88 (8,63%) apresentavam sobrepeso, e 31 (3,0%) obesidade. Desse total de 119 crianças com sobrepeso ou obesidade, apenas 79 aceitaram participar do estudo intervencional, considerada amostra de conveniência. Desta forma, foi realizado um estudo clínico com as 79 crianças que foram alocadas por aleatorização inconsciente em dois grupos: o grupo-intervenção (n=40) e o grupo-controle (n=39) e acompanhados por 4 meses.

O estudo foi submetido e aprovado pelo comitê de ética da UFMG, e os pais ou responsáveis das crianças selecionadas assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, concordando em participar da pesquisa.


Figura 1: Fluxograma do estudo


A compilação dos dados e a análise estatística foram realizadas de forma que o estatístico estivesse “cego” (blinded) em relação à alocação dos voluntários. Todas as 79 crianças participaram de um programa de intervenção organizado da seguinte maneira: para o grupo controle (n=39): crianças e pais participaram de 8 palestras educativas (duas por mês, durante os quatro meses, sendo uma para os pais e uma para os filhos) sobre os seguintes temas: hábitos alimentares saudáveis, prática de exercícios físicos e relações familiares. Durante as sessões, as crianças foram incentivadas a incrementar a sua participação em atividades esportivas extracurriculares. Para o grupo intervenção (n=40): assim como o grupo controle, os pais e as crianças deste grupo também participaram das 8 palestras educativas; além disto, foram submetidas a um programa de atividades físicas extracurricular, três vezes por semana, no período da tarde, com duração de 50 minutos, durante quatro meses. As sessões eram compostas de brincadeiras e jogos coletivos como: queimada, rouba bandeira, pega-pega, entre outras.

A intensidade das sessões de exercícios (consumo máximo de oxigênio e gasto calórico) foi determinada por meio de espirometria de circuito aberto utilizando-se um analisador de gases portátil*. Em virtude das dificuldades inerentes ao método e da pequena disponibilidade de equipamentos, foram avaliadas apenas cinco crianças selecionadas aleatoriamente.

A coleta de dados foi realizada no período da manhã por pesquisadores previamente selecionados e treinados quanto aos procedimentos da pesquisa. Todas as avaliações foram descritas em um protocolo para padronização dos procedimentos.

Para a medida da estatura, adotou-se o antropômetro vertical** com precisão de 0,1 cm, e para a do peso (em quilograma) uma balança digital eletrônica*** com capacidade máxima para 180 Kg e divisão de 50 gramas. Para avaliar a circunferência da cintura e do quadril, usou-se uma fita métrica com extensão de dois metros, flexível e inelástica, dividida em centímetros e subdivida em milímetros. As crianças foram avaliadas na posição ortostática. A relação cintura/quadril foi obtida procedendo-se à divisão da circunferência da cintura pela circunferência do quadril.

A pressão arterial foi medida de acordo com as padronizações estabelecidas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Hipertensão & Sociedade Brasileira de Nefrologia, 2010). Cada criança teve sua pressão arterial manualmente aferida 3 vezes consecutivamente, e a média foi utilizada para análise estatística.

Os dados do estudo foram armazenados em planilhas do Excel e analisados no software EpiInfo. Através deste foram obtidas a frequência das características das variáveis categóricas, as medidas de tendência central (média e mediana) e as medidas de dispersão (desvio-padrão). A distribuição de probabilidade dos dados analisados foi avaliada a partir do teste de normalidade Shapiro Wilk.

Nas comparações de médias ou medianas entre os grupos foram aplicados os testes paramétricos (Teste t e t pareado) ou não paramétricos (Teste Mann Whitney e Wilcoxon), quando a distribuição foi considerada normal e não normal, respectivamente.

Na comparação das pressões arteriais entre os períodos pré e pós-intervenção foi empregado o teste de Wilcoxon, pois a variável não apresentou distribuição normal. A comparação entre as pressões dos grupos controle e intervenção, para cada período, foi realizada pelo teste Mann Whitney - também devido a não normalidade dos dados.

Considerou-se diferença estatisticamente significante no nível de 5% (p ≤ 0,05).

Para o cálculo da pressão arterial média foi utilizada a fórmula:


O poder estatístico do estudo para análise dos efeitos da intervenção sobre os níveis da pressão arterial sistólica e diastólica foi, respectivamente, 53% e 5%.

Resultados e discussão:

Os valores das médias e dos desvios-padrão das variáveis quantitativas analisadas no grupo estudado estão representados na tabela 1. A idade média da amostra foi de 7,8 ± 1,1 anos, o peso corporal de 37,84 ± 8,77 Kgf, o IMC de 21,10 ± 2,85 Kg.m-2 e a RCQ de 0,89 ± 0,63. Em relação à Pressão Arterial (PA), os resultados encontrados (n=68; 11 crianças, 3 do grupo controle e 8 do grupo intervenção, não compareceram às sessões de aferição da pressão arterial) foram 108,32 ± 10,16 mmHg para a PA Sistólica, 72,85 ± 11,02 mmHg para a PA Diastólica e 84,68 ± 9,72 mmHg para a PA Média.

Na análise comparativa das variáveis quanto ao sexo, não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos feminino e masculino (Tabela 1).

Tabela 1: Características dos 79 escolares de seis a nove anos, com sobrepeso e obesidade, participantes do estudo

Variáveis

Grupo

Feminino

Masculino


N

Média

±DP

N

Média

±DP

n

Média

±DP

p

Idade (anos)

79

7,75

1,10

39

7,64

1,06

40

7,85

0,92

0,3531

Peso (Kg)

79

37,84

8,77

39

37,71

9,96

40

37,98

8,69

0,8222

Estatura (cm)

79

133,39

8,03

39

132,79

7,70

40

133,98

8,39

0,5121

IMC (Kg.m-2)

79

21,10

2,85

39

21,13

3,17

40

21,07

2,53

0,7242

RCQ

79

0,89

0,63

39

0,89

0,72

40

0,89

0,54

0,7871

PAS (mmHg)

68

108,32

10,16

34

108,15

8,96

34

108,5

11,37

0,8871

PAD (mmHg)

68

72,85

11,02

34

75,06

9,65

34

70,65

11,97

0,0991

PAM (mmHg)

68

84,68

9,72

34

86,09

8,49

34

83,26

10,76

0,2341

1 Independent samples test (Teste t); 2 Teste Mann Whitney; IC=95%. IMC = índice de massa corporal; RCQ=relação cintura-quadril; PAS=pressão arterial sistólica; PAD=pressão arterial diastólica; PAM=pressão arterial média; DP= desvio-padrão.


As crianças do grupo intervenção tiveram, em média, durante uma sessão de 50 minutos de exercícios físicos, consumo de oxigênio de 43,34 ± 7,28 mLO2.kg-1.min-1 e gasto calórico de 153,38 ± 27,28 kcal.

Na tabela 2 estão representados os resultados (média e desvio-padrão) das pressões arteriais sistólica (PAS) e diastólica (PAD) obtidas nos grupos controle e intervenção, antes e após o treinamento.

Tabela 2: Comparação da Pressão Arterial entre os momentos pré e pós- intervenção e entre os grupos controle e intervenção



Controle

Intervenção

Valor – p#



(Média ± DP)

(Média ± DP)

PAS (mmHg)

Pré-intervenção

105 ± 16

108 ± 13

0,3722

Pós-intervenção

100 ± 12

113 ± 16

0,0062

Valor – p*

0,1081

0,8941


PAD (mmHg)

Pré-intervenção

73 ± 18

72 ± 9

0,8442

Pós-intervenção

64 ± 11

71,5 ± 8

0,0022

Valor – p*

0,0161

0,2391


1 Teste de Wilcoxon; 2 Teste Mann Whitney ; IC=95%.PAS=pressão arterial sistólica; PAD=pressão arterial diastólica; DP= desvio-padrão.

*Para a comparação entre os momentos pré e pós-intervenção;
#Para a comparação entre os grupos controle e intervenção.


A análise dos resultados evidenciou que não houve diferença estatisticamente significativa nas médias das PAS e PAD de ambos os grupos (controle e intervenção) antes da intervenção. No entanto, no momento pós- intervenção, tanto a PAS (p = 0,006) quanto a PAD (p = 0,002) do grupo intervenção foram significativamente maiores do que as do grupo controle.

Ao se comparar o efeito da intervenção nos valores da PA, observou-se que a média da PAD do grupo controle foi significativamente menor (p = 0,016) após os 4 meses de observação. Nas demais comparações, não houve diferença estatisticamente significativa.

No presente estudo, não foram evidenciados efeitos significativos de um programa regular de atividade física sobre os níveis basais da pressão arterial de crianças obesas entre 6 e 9 anos.

Apesar de não ser o escopo do trabalho corrente, deve-se destacar que o estudo original demonstrou que o programa de exercícios reduziu significativamente o Índice de Massa Corporal (IMC) e o Percentual de Gordura (%GC) das crianças, assim como aumentou significativamente os níveis plasmáticos de adiponectinas. Além disto, é importante destacar que, apesar da abordagem aleatória inconsciente na alocação das crianças, os grupos foram heterogêneos já no início da pesquisa; o grupo intervenção apresentou média significativamente maior nas seguintes variáveis: peso corporal (PC), IMC, %GC, colesterol total (CT), lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e triglicerídeos (TGL) (Freitas, 2010).

Os resultados encontrados no estudo atual contrapõem-se aos de outros que também avaliaram o impacto da realização de exercícios físicos regulares sobre a PA (Meyer, 2006; Leary, 2008 & Farpour-Lambert, et. al., 2009). A comparação, contudo, deve ser cautelosa em virtude das diferenças metodológicas entre eles. Farpour-Lambert et.al (2009), demonstraram que a prática regular de exercícios combinados por pelo menos 60 minutos, três vezes por semana durante 3 meses, reduziu significativamente a pressão arterial sistólica e diastólica de crianças obesas entre 6 e 11 anos. Já Meyer et.al., (2006), obtiveram resultados similares após intervenção com atividade física (60 a 90 minutos, 3 vezes por semana) em adolescentes obesos durante 6 meses: o grupo intervenção obteve uma redução significativa de 4 mmHg na pressão sistólica ambulatorial, enquanto não houve modificação dos níveis da pressão arterial nos pacientes do grupo controle. No entanto, vários aspectos devem ser considerados: primeiramente, em ambos a intensidade dos exercícios era pré-estabelecida e controlada para que se mantivesse dentro dos parâmetros pré-determinados; além disso, as atividades escolhidas para compor a intervenção foram exercícios não lúdicos como natação, corrida, exercícios com pesos. A combinação entre o controle objetivo da intensidade e a seleção dos exercícios pode ter conferido maior intensidade às aulas o que explicaria a diferença dos resultados em relação à perda de peso e à redução dos níveis pressóricos basais.

A partir da análise do consumo de oxigênio e do gasto calórico, as sessões de exercícios do atual estudo foram consideradas de intensidade moderada. A intensidade, a frequência (três vezes semanais) e o tempo de intervenção (12 semanas) foram concordantes àqueles sugeridos pela literatura para redução da pressão arterial em crianças obesas (Farpour-Lambert, et. al., 2009; Dobbins, Husson, DeCorby, LaRocca, 2013 & Garcia-Hermoso, Saavedra, Escalante, 2013).

As sessões de exercícios estabelecidas para o grupo intervenção consistiram-se de brincadeiras e jogos recreativos coletivos. Embora o caráter lúdico das atividades pudesse explicar a ausência do efeito crônico do programa sobre os níveis da PA, um estudo recente realizado na Universidade de Santa Catarina18 evidenciou o efeito positivo dos exercícios recreacionais na redução da PA diastólica (e em outros fatores de risco para doenças cardiovasculares) de crianças obesas entre 8 e 11 anos submetidas a 12 semanas de exercícios lúdicos, 3 vezes por semana. Entretanto, não há uma definição na literatura em relação às modalidades de exercícios que mais interferem na pressão arterial de crianças obesas (Garcia-Hermoso, Saavedra & Escalante, 2013).

Leary et.al., (2008), ao investigarem crianças de 11 e 12 anos e encontrarem uma forte associação entre a prática de atividade física e níveis basais menores da pressão arterial, sugeriram que tal relação é influenciada principalmente pelo volume de exercícios diários. De acordo com Garcia-Hermoso et.al., (2013) os programas que alcançaram maiores reduções na PA sistólica foram aqueles com duração maior do que 60 minutos e frequência de 3 vezes por semana. Na atual pesquisa, a duração das aulas (50 minutos) foi inferior à proposta por estes autores. Esta diferença pode ter contribuído para a ausência de efeito do programa de exercícios sobre a PA basal das crianças do grupo intervenção, o que reforçaria a hipótese de que o volume de exercícios é uma variável importante no controle da PA em crianças obesas.

Vários estudos encontraram redução da PA após um programa de exercícios físicos8,14,15,19 ((Meyer, 2006; Leary, 2008; Farpour-Lambert, et. al., 2009 & Poeta, Duarte, Giuliano, Mota, 2013). Contudo, em meta-análise (Garcia-Hermoso et.al., 2013) afirmam que há, provavelmente, um maior potencial de redução da PA nas intervenções com crianças hipertensas. No presente trabalho, apenas 40,5% das crianças do grupo intervenção eram hipertensas (acima do p95 para seu comprimento). Isso também pode ter contribuído para não haver diferença estatisticamente significativa nos níveis da PA em repouso após a intervenção com exercícios físicos.

Outro achado deste estudo foi a redução da PA diastólica do grupo controle após o período de intervenção. Desconsiderando-se as possíveis falhas metodológicas do estudo (crianças do grupo controle se exercitaram mais do que as do grupo intervenção, por exemplo), não se encontra na literatura uma hipótese fisiológica para tal resposta. Entretanto, parte dessa alteração pode ser atribuída à regressão à média.

A associação entre IMC e níveis da PA tem sido investigada por várias pesquisas (Sorof, Lai, Turner, 2004; Torrance, McGuire, Lewanczuk, McGavock , 2007 & Leary, 2008) . Não há consenso na literatura de que o sobrepeso é um fator determinante para níveis mais altos da PA em crianças e adolescentes (Leary, 2008). Já alguns estudos (Nielsen, Andersen, 2003& Ribeiro, Silva, Santos, 2005) demonstraram que as crianças com sobrepeso ou obesidade (IMC > p85) apresentavam maiores chances de ter níveis elevados de PA sistólica ou diastólica em comparação àqueles “sem excesso de peso”. No presente trabalho, esta correlação não foi verificada.

A presente pesquisa apresenta algumas limitações. Primeiramente, a amostra utilizada apresentou baixo poder para detectar efeitos estatisticamente significativos nos níveis da PA basal. Além disto, não houve monitoramento do volume diário de atividade física realizada (acelerômetro ou questionário) pelas crianças de ambos os grupos.

Conclusão:

Pode-se concluir, com o presente trabalho, que não houve alterações estatisticamente significativas nos níveis de pressão arterial dos escolares de 6 a 9 anos mediante as atividades físicas realizadas. Apesar disso, deve-se ressaltar que é fundamental que se incentive essa população para a prática de atividades físicas, tendo em vista os demais benefícios associados à redução do risco de doenças cardiovasculares. Novas pesquisas com diferente abordagem metodológica e amostra mais homogênea devem ser realizadas para a obtenção da relação de causalidade entre a atividade física e alteração dos níveis de pressão arterial de escolares.

 

Notas

* K4 Cosmed

** Alturaexata®

*** TANITA BF599


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Fecha recibido: 30-09-15
Fecha aceptado:25-05-16
Fecha publicado: 15-12-16

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