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Universidade
Federal do Espírito Santo (Brasil)
fqalmeida@hotmail.com
Universidade
Federal do Espírito Santo (Brasil)
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Universidade
Federal do Espírito Santo (Brasil)
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Resumo
Este artigo discute
os usos da fenomenologia na educação física
brasileira. Em termos metodológicos, descreve cinco registros
desse referencial no campo, representado por autores como Silvino
Santin, Manuel Sérgio, Wagner Wey Moreira, Elenor Kunz e
Terezinha Petrúcia da Nóbrega. Problematiza alguns
aspectos dessa recepção ao destacar limites, mas,
também, desafios de pesquisa e reflexão no âmbito
dessa tradição na educação física.
Palvras-chave: Educação Física. Corpo. Fenomenologia. Merleau-Ponty.
Abstract
This
paper discusses the uses of phenomenology in Physical Education in
Brazil. In methodological terms, it describes five studies that
belong to this theoretical framework in the field, represented by
authors such as Silvino Santin, Manuel Sérgio, Wagner Wey
Moreira, Elenor Kunz and Terezinha Petrúcia da Nóbrega.
It problematizes some aspects of this reception, by highlighting not
only its boundaries, but also the challenges for research and
reflection within this tradition in physical education.
Key words: Physical Education. Body. Phenomenology. Merleau-Ponty.
Introdução
Neste
artigo, descrevemos a presença do referencial fenomenológico
no campo da educação física brasileira. Vamos
privilegiar, nessa retrospectiva, cinco registros, representado por
autores como Silvino Santin, Manuel Sérgio, Wagner Wey
Moreira, Elenor Kunz e Terezinha Petrúcia da Nóbrega.
Não significa que sejam os únicos, mas avaliamos que os
cinco autores selecionados são, de distintas maneiras,
importantes na história da recepção da
fenomenologia na área. Nesse exercício, assumimos o
pressuposto de que a história de um autor ou de uma tradição
teórica, numa área do conhecimento, é a história
de sua recepção. Sendo assim, perguntamos: qual é
a “fenomenologia” da educação física
brasileira? Quando esse referencial se torna recorrente na área?
Quais usos e apropriações foram e têm sido
realizados? Quais foram os principais divulgadores de seu vocabulário
no campo? Como vem se atualizando? Na medida em que desenvolvemos
essas questões, será possível visualizar as
contribuições da fenomenologia no estudo do corpo na
educação física. Na sequência dessa
“retrospectiva”, problematizamos algumas características
dessa “recepção”.
Contribuições da fenomenologia no estudo do corpo na educação física brasileira
Na
década de 1990, Souza e Silva (1990, 1997) realizou duas
investigações em que propôs um modo de
classificar as “pesquisas” que vinham sendo realizadas em
educação física. Ela organizou a produção
do conhecimento na área em torno de três matrizes
teóricas: empírico-analíticas,
fenomenológico-hermenêuticas e crítico-dialéticas.
Na primeira pesquisa (Souza e Silva, 1990), a autora analisou as
dissertações de mestrado defendidas, de 1977 até
1987, nos Programas de Pós-Graduação em Educação
Física da Universidade de São Paulo, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal de Santa Maria.
Em seu doutorado, Souza e Silva (1997) ampliou sua investigação,
incorporando àquelas universidades as dissertações
defendidas, entre 1988 e 1994, nos Programas de Pós-Graduação
em Educação Física da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, da Universidade Federal de Minas Gerais e da
Universidade Estadual de Campinas. Há duas conclusões
dos estudos de Souza e Silva (1990, 1997) que nos interessam: por um
lado, as dissertações analisadas no primeiro estudo
indicam a ausência de pesquisas com caráter
fenomenológico-hermenêutico; por outro lado, as análises
da segunda investigação assinalam que 21,62% das
dissertações concluídas naqueles programas foram
identificadas como pertencentes ao referencial
fenomenológico-hermenêutico. Em pouco tempo, portanto, a
fenomenologia começou a figurar entre as abordagens de
pesquisa em educação física no Brasil. (4)
Embora
Souza e Silva (1990) tenha concluído pela ausência, nos
anos 1980, desse referencial nas dissertações que
investigou, isso não significa que a fenomenologia estava
completamente ausente do campo. Entre os autores que, ainda na década
de 1980, começam a interlocução entre a educação
física e a fenomenologia, identificamos dois como precursores.
Uma curiosidade: os dois são filósofos de formação. (5) O primeiro deles é Silvino Santin, (6)em especial no livro “Educação física: uma
abordagem filosófica da corporeidade”. O material,
publicado em 1987 reúne textos escritos pelo autor entre 1982
e 1987. No texto mais antigo do livro, Santin (1987) utilizava
algumas teses do filósofo francês Merleau-Ponty. Em
1994, ele (1994) publica outra obra, chamada “Educação
física: da alegria do lúdico à opressão
do rendimento”, em que há dois capítulos, um
originalmente publicado em 1991 e outro em 1993, nos quais
Merleau-Ponty é utilizado.
Nos
dois materiais, a referência a Merleau-Ponty está
atrelada ao conceito de corporeidade. (7) A leitura desses textos revela que Santin se fundamentou no filósofo
francês para defender a centralidade desse conceito na
(re)definição do humano. Segundo ele (1987, p. 85), na
“Fenomenologia da Percepção de Maurice
Merleau-Ponty encontramos um profundo esforço de recuperação
do homem como corporeidade. Uma corporeidade movente, falante e que
sente”. Continua dizendo que,
“Assim, avançando no caminho de repensar o corpo fora dos conceitos tradicionais, chegaríamos à conclusão de que o homem é o corpo, e a corporeidade é a humanidade ou o especificamente humano do homem. Neste ponto, encontramos Merleau-Ponty. Ele é o defensor da unidade plena do homem, não a unidade que se faz pela soma das partes, mas a unidade que, de forma alguma pode ser separada por partes. Esta unidade proposta não é pensada como sacrifício de alguma dimensão do homem, muito menos pelo processo reducionista, onde só se fica com uma das partes como sendo o todo. A explicitação desta unidade aparece na Fenomenologia da Percepção, na primeira parte (p. 81-232), dedicada ao corpo. A unidade humana se daria como corporeidade. Afirma Merleau-Ponty: ‘realmente, eu não tenho corpo, mas sou corpo’” (Santin, 1994, p. 85).
Nessas
circunstâncias, “A educação física
passa a ensinar e a ajudar viver e sentir-se corporeidade. Este
objetivo passaria a ser fundamental na educação física,
na medida em que ele é o suporte básico do próprio
modo de ser do homem” (Santin, 1987, p. 50). É essa
redefinição da educação física, a
partir do conceito de corporeidade, que balizou Santin em sua crítica
à concepção de corpo-máquina, ao dualismo
corpo-alma e à noção de movimento sem
intencionalidade ou expressividade, porque reduzido à sua
dimensão mecânica, estereotipada (como no caso dos
esportes de altorendimento). Em seu lugar, Santin (1987, 1994)
defendeu a intencionalidade imanente a qualquer ação
humana, propondo um retorno aos movimentos criativos, aos gestos
expressivos, sensíveis, naquilo que eles têm de
original, próprio, pessoal, artístico, exatamente
porque antecedem às racionalizações científicas
que subjugam o corpo e seu movimento.(8) Com isso, esperava dar “[...] mais um passo através do
qual podemos chegar à descoberta da intencionalidade que
fundamenta a articulação e a organização
dos movimentos do homem que a educação física
põe em prática” (Santin, 1987, p. 35). Embora não
esteja explícito nos seus textos, Santin parece traduzir, com
esse argumento, o imperativo fenomenológico do “retorno
às coisas mesmas”, na tentativa de chegar a uma “relação
ingênua com o mundo” e, assim, oferecer uma descrição
direta de nossa experiência primordial com ele, quer dizer,
buscar aquilo que, de fato, ele é para nós antes de
qualquer tematização. Nos livros de Santin (1987,
1994), o “impulso lúdico” representaria essa
condição.
Ao
mesmo tempo em que Santin escrevia seus textos, o filósofo
português Manuel Sérgio também recorria à
fenomenologia de Merleau-Ponty como um dos alicerces para seu
arquiconhecido projeto: a criação da Ciência da
Motricidade Humana. Não vamos retomar a história dessa
ciência nem da presença marcante do filósofo
português na educação física brasileira.
Interessa-nos o tipo de uso que faz da fenomenologia. (9) É no doutorado, concluído em 1986 e com a tese
publicada como livro um ano depois, que escreve um capítulo
que, embora pequeno, é todo ele dedicado ao filósofo
francês. (10) Antes desse capítulo, na introdução da tese,
afirma Sérgio que, em sua segunda parte,
“[...] enceta-se um diálogo com Merleau-Ponty para [...] se apresentar os prolegómenos a uma nova ciência do homem, já que o autor de Phénoménologie de la percepcion recusa a insularidade cartesiana e pretende conjugar todos os horizontes abertos pelo ‘saber absoluto’, a percepção. O Homem, para ele, mais do que um sujeito epistêmico, é uma consciência encarnada, que realiza a sua intencionalidade, através do corpo” (Sérgio, 1987, p. 19).
Sérgio
(1987, p. 63), à semelhança do que identificamos nos
textos de Santin, assume que o corpo encerra um poder de
significação, na medida em que ele não é
uma coisa, mas “[...] constitui um meio de exprimir sentido e
de comunicá-lo. [Tampouco] é um objecto, no significado
cartesiano do termo, pois, como humano é significante, gênese
e fonte de sentido”. Corporeidade é conceito que denota
esse seu poder expressivo. Ao defini-la, Sérgio (1987, p. 62)
parafraseia Merleau-Ponty para afirmar que o corpo é o
princípio estruturante do ser-no-mundo, condição
de sua existência: eu não estou diante do meu corpo, mas
sou o meu corpo. A corporeidade, continua ele (1998, p. 155), é
condição de presença da “[...]
participação e significação do homem, no
Mundo. A motricidade emerge da corporeidade como sinal de quem
está-no-mundo-para-alguma-coisa, isto é, como sinal de
um projecto. Toda a conduta motora inaugura um sentido, através
do corpo”.
Nesse contexto,
merece destaque a definição de motricidade, um conceito
central na sua proposta de uma nova ciência, a partir do
conceito de intencionalidade operante. Para Sérgio (1987, p.
92-93),
“No tocante à compreensão da motricidade, que se confunde com a intencionalidade operante, esta, em Merleau-Ponty, mais do que movimento é um status ontológico, que permite uma correspondência súbita, pré-consciente às solicitações do mundo que a condiciona. A motricidade diz-nos que o mundo está dentro de nós, antes de qualquer tematização. Porque o homem é portador de sentido – daí a sua intencionalidade operante ou motricidade [...]. Assim, motricidade há que interpretá-la como um corpo que se pro-põe e se ex-põe a outros corpos, com os quais com-põe o mundo interpessoal e comunitário. A motricidade, a intencionalidade operante, é a evidência de uma dialética incessante corpo-outro, corpo-mundo, corpo-coisa, onde jorra e se actualiza o sentido. Neste corpo-a-corpo, neste permanente vai e vem, não só se remete para a impossibilidade de traçar, no mundo humano, uma fronteira entre a natureza e a cultura, como se assinala que a própria motricidade (característica do corpo-próprio) já está prenhe de significação e, mais do que ponte entre o implícito e o explícito, ela põe-se em acção e, como tal, é sentido. Nouns sommes condamnés aus sens, da página XIV da Phénoménologie de la Perception torna-se visível, através da motricidade.”
É
possível identificar, além de “intencionalidade
operante”, outros conceitos, como “essência”,
“percepção”, “corpo-próprio”
etc. Malgrado esse capítulo mais conceitual de Sérgio
(1987), predomina em seus escritos um uso bastante pontual de
Merleau-Ponty. A esse respeito, diga-se de passagem, seu trabalho
pouco difere do uso que Santin fez do filósofo francês.
Sobre isso, conferir, entre outros, “Filosofia das actividades
corporais”, publicado em 1982, “Educação
física ou Ciência da Motricidade Humana”, de 1989,
e “Motricidade Humana: contribuições para um
paradigma emergente”, de 1994.
O
terceiro registro que queremos comentar é o desenvolvido por
Wagner Wey Moreira. Em 1990, ele defendeu seu doutorado com uma tese
em que opera com o vocabulário do filósofo francês.
No ano seguinte, esse texto é publicado no formato livro, com
o título “Educação física escolar:
uma abordagem fenomenológica” (Moreira, 1991). De
“fenomenologia” propriamente dita, há um capítulo
dedicado à análise do que o autor chama de “fenômeno”,
entendido da seguinte maneira:
“O fenômeno educação física escolar, neste trabalho, será observado do ponto de vista do corpo encarnado do ser-no-mundo, através da ciência na psicologia, em uma abordagem fenomenológica, dentro da objetividade das descrições dos problemas do mundo vivido” (Moreira, 1991, p. 48).
O
autor (1991) justifica a opção pela abordagem
fenomenológica pois ele está, em sua pesquisa,
interessado no “mundo vivido” antes de ser colonizado
pela ciência. Além disso, enquanto “[...] a
ciência empírica factual trabalha com fato (coleta de
dados), a fenomenologia trabalha com descrições do
fenômeno” (Moreira, 1991, p. 51), um tipo de tratamento
que estaria faltando à educação física.
Essas características da fenomenologia possibilitariam a ele
investigar a “essência do corpo”, chegar à
sua natureza própria como um fenômeno, pois, ainda que o
corpo possa aparecer como “[...] objeto, sua essencialidade
pode ser compreendida ao olhá-lo como ‘sendo-com’,
isto é, andando, falando, relacionando-se com os outros”
(Moreira, 1991, p. 51). Com esse princípio, Moreira (1991, p.
51) pretendia, na sua tese, entender como os alunos veem e sentem
seus corpos; como esses corpos são trabalhados pelos
professores de educação física; quais
experiências aparecem na relação
didático-pedagógica entre o corpo do professor que
ensina e o corpo do aluno que aprende etc. Sua expectativa era a de
identificar, nas aulas de educação física,
“outra” possibilidade de experimentar o corpo, diferente
do corpo coisificado ou do corpo objeto, então predominante
nas investigações na área. Ele se indaga:
“Estaria o professor de educação física,
na interação com seus alunos, preocupado exclusivamente
com essa idéia do corpo-objeto, com as relações
causais dos aspectos anatomosfisiológicos?” (Moreira,
1991, p. 49).
Avaliamos
que o livro, em termos teóricos, reproduz a mesma estratégia
já identificada em Santin e Sérgio. Ele utiliza
conceitos que lhe interessam (“mundo vivido”, “époche”,
“redução fenomenológica”), mas não
se aprofunda nas reflexões. Apesar disso, o material merece
destaque. Por um lado, é uma tentativa (talvez a primeira) de
operar com o referencial fenomenológico em uma pesquisa de
campo, com professores e alunos de educação física
escolar. Por outro lado e salvo melhor juízo, foi o primeiro
material com base na fenomenologia publicado por um professor que fez
formação inicial na educação física.
Aliás, na contracapa do livro está anunciado que o
autor é pioneiro no empreendimento de pesquisa com abordagem
fenomenológica aplicada à educação
física.
Moreira,
depois da publicação do livro, continuou sua trajetória
acadêmica operando com a fenomenologia (Moreira, 1995; Moreira
& Nóbrega, 2008) em meio a outros interesses de pesquisa,
mas concluímos que o trabalho que desenvolveu ficou muito
aquém das potencialidades abertas por essa tradição.
No
início dos anos 1990, outra abordagem da fenomenologia é
apresentada à educação física brasileira,
dessa vez por meio da interpretação que dela nos
ofereceu Elenor Kunz. (11) Como é conhecido, Kunz fez seu doutorado na Alemanha. Nesse
país, teve oportunidade de acessar uma perspectiva teórica
em que a fenomenologia era uma referência central. Teve o
mérito, assim, de traduzir esse referencial para o Brasil
ainda no início dos anos 1990, sendo, desde então, o
principal divulgador da “Teoria do Se-Movimentar Humano”
(TSMH). A TSMH é uma perspectiva teórica desenvolvida
no contexto holandês-alemão por autores como Jan W. I.
Tamboer, Frederic Jacobus Johannes Buytendijk, Viktor Von Weizsäcker,
Paul Christian, Carl Christian Friedrich Gordijn e Andreas Heinrich
Trebels. Este último, principal nome da perspectiva na
Alemanha, orientou Kunz em seu doutoramento.
A
tese, embora defendida em 1987, foi publicada no Brasil em 1991, com
o título: “Educação física: ensino
e mudanças” (Kunz, 2004). Nesse livro, pela primeira
vez, aparecem, de modo mais sistematizado, as considerações
de Kunz a respeito da TSMH, que é uma teoria que fornece uma
conceituação sobre o corpo/movimento humano e
estabelece parâmetros para que os professores compreendam as
imagens que fazem de seus alunos ao analisá-los em movimento.
A abordagem fenomenológica do movimento oferecida pela TSMH
implica uma crítica às abordagens disciplinares do
movimento humano. Trata-se
da interpretação proveniente das ciências
naturais e do esporte. Nesses âmbitos, o movimento é
“[...] interpretado como um fenômeno físico que
pode ser reconhecido e esclarecido de forma muito simples e objetiva,
independente, inclusive, do próprio ser humano que o realiza”
(Kunz, 2004, p. 162). Assim, de acordo com essa leitura, o movimento
humano “[...] nada mais é do que o deslocamento do corpo
ou partes deste em um tempo e espaço determinado” (Kunz,
2004, p. 162).
Descontentes
com essa análise do movimento humano, aqueles autores
holandeses e alemães realizaram estudos para entender a
diferença entre o movimento no esporte e o movimento próprio,
quer dizer, o
movimento analisado sob todas as perspectivas que envolvem um sujeito
em seu “se-movimentar”. Afirma Kunz (2000) que essa
interpretação deve se referir a, pelo menos, três
dimensões: o sujeito das ações do movimento; uma
situação concreta na qual as ações do
movimento estão vinculadas; um significado que orienta as
ações do movimento e é responsável pela
apreensão de sua estruturação. O movimento
humano, na perspectiva do “se-movimentar”, é
entendido como uma conduta de atores numa referência sempre
pessoal-situacional. É interpretado como
uma complexa rede de relações, uma das formas que o
homem tem de compreender seu mundo. Portanto,
isso só pode ser um acontecimento relacional, dialógico,
de modo que eu me comporto dialogicamente com algo exterior a mim
pelos meus movimentos. “O
se-movimentar envolve o sujeito deste acontecimento, sempre na sua
intencionalidade. E é por meio desta intencionalidade que se
constitui o sentido/significado do se-movimentar” (Kunz, 2004,
p. 174). No “se-movimentar”, atualizam-se as relações
significativas com o mundo, sendo concebido como um acontecimento em
que o homem entra em diálogo com o mundo.
Em
relação a Merleau-Ponty, sua obra “Fenomenologia
da percepção” (Merleau-Ponty, 2011) é
muito importante para a TSMH. Essa centralidade já tinha sido
declarada pelo próprio Kunz, quando questionado sobre a
importância do livro para a TSMH: das teorias da fenomenologia
que foram utilizadas pelos primeiros holandeses, a base foi
Merleau-Ponty, em especial sua “Fenomenologia da percepção”
(Ghidetti, Bracht & Almeida, 2013). Também encontramos
essa informação em Trebels (2006, p. 38): “Gordijn
apóia-se, basicamente, nos pressupostos da fenomenologia
francesa, principalmente a de Merleau-Ponty e sua obra Fenomenologia
da Percepção”. Trebels (2006) ainda diz que
Tamboer foi aluno de Gordijn e assumiu também a fenomenologia
francesa como sua grande referência.
Quando
comparado aos três registros anteriores, é evidente a
maior presença dos conceitos fenomenológicos nos textos
de Kunz (“mundo vivido”, “intencionalidade
operante”, “corpo-sujeito”, “corpo-próprio”,
“corpo-relacional,” “percepção”,
“essência”, “experiência” etc.),
divulgador da TSMH no Brasil (Ghidetti, 2012).
Além
de Santin, Sérgio, Moreira e Kunz, gostaríamos de
incluir, nessa lista, Terezinha Petrúcia da Nóbrega e
suas contribuições ao desenvolvimento do referencial
fenomenológico no campo da educação física.
Ela, já na sua dissertação de mestrado,
aproxima-se dessa perspectiva, ao defender o trabalho com o título
“Aprendendo
com o corpo: pressupostos filosóficos da corporeidade na
educação física”. Nessa pesquisa, advoga
que o conceito de corporeidade,
“[...] formulado com base nas noções de corpo-próprio e de motricidade, fundamenta a concepção ontológica de corpo proposta na perspectiva fenomenológica e permite superar a perspectiva dualista, fundada na noção de corpo-máquina do pensamento cartesiano. [...] as noções de corpo-próprio e de motricidade permitem legitimar a educação física como disciplina curricular organizada a partir do critério da corporeidade, voltando-se para a apropriação de uma linguagem predominantemente sensível, baseando-se na intencionalidade do hábito motor” (Nóbrega, 1995, s/p).
No doutorado, oportunidade em que foi orientada por Wagner Wey Moreira, avança em suas reflexões fenomenológicas com a defesa da tese “Para uma teoria da corporeidade: um diálogo com Merleau-Ponty e o pensamento complexo” (Nóbrega, 1999). Desde essa época, o interesse de Nóbrega nessa tradição se materializou em inúmeros artigos e em dois livros principais. O primeiro, de 2000, chama-se “Corporeidade e educação física: do corpo objeto ao corpo-sujeito” (Nóbrega, 2000a). Em 2010, a autora publica “Uma fenomenologia do corpo”. Trata-se de um livro em que retoma várias reflexões desenvolvidas em artigos antes publicados. Nesse material, aprofunda um pressuposto inicialmente presente em sua dissertação:
“[...] a de que a corporeidade, como noção teórico-experiencial, pode contribuir para a transformação de atitudes frente ao conhecimento, de um modo geral, e na educação, de modo particular, realizando uma parceria, um jogo criativo entre razão e sensibilidade por meio da estesia do corpo e de sua comunicação sensível” (Nóbrega, 2010, p. 9).
Se
comparados com os usos fenomenológicos de seus antecessores, e
a despeito das afinidades existentes entre eles (por exemplo, o
conceito de corporeidade), alguns aspectos se diferenciam nos
escritos de Nóbrega. Além de serem utilizados em maior
abundância, há maior tratamento teórico dos
conceitos de Merleau-Ponty; também existe um diálogo
mais efetivo com o filósofo francês, que vai muito além
de sua obra “Fenomenologia da percepção”.
Isso se manifesta por meio da presença de conceitos como
“estesia”, “ser selvagem” ou “ser
bruto”, “ontologia sensível”, “carne”,
“reversibilidade”, “quiasma”, “sentido
bruto”, “natureza” etc., presentes em livros
publicados ao final da vida de Merleau-Ponty (o mesmo após a
sua morte); (12) há um tratamento de temáticas que ultrapassa as
preocupações da educação física
propriamente dita, ou seja, é possível ver a autora
problematizando a educação, a arte, a dança e a
própria filosofia a partir da fenomenologia; de todos eles,
além disso, é a única que propõe uma
interlocução entre a fenomenologia e as teorias
distintas, especialmente ao promover um diálogo de
Merleau-Ponty com conceitos dos conhecidos biólogos Humberto
Maturana e Francisco Varela (Nóbrega, 2000b, 2005, 2008,
2010). Seu argumento é o de que os estudos fenomenológicos
de Merleau-Ponty abrem perspectivas diversas para as investigações
no âmbito das atuais “ciências cognitivas”
(como a linguística, a inteligência artificial, a
neurociência etc.) ou da “filosofia da mente”. De
todos os cinco registros, além disso, é no de Nóbrega
onde identificamos o reconhecimento de algumas ambiguidades na obra
de Merleau-Ponty (e como o filósofo tentou resolvê-las).
Segundo ela (2000b, 2011), essas ambiguidades refletem o envolvimento
de Merleau-Ponty, sobretudo na “Fenomenologia da percepção”,
com a “filosofia da consciência”. (13) Por tudo isso, e mesmo correndo o risco de sermos injustos com outros
colegas que aqui (não) foram mencionados, acreditamos que, com
Nóbrega, identificamos aquilo que há de mais complexo
nos usos da fenomenologia no campo da educação física
brasileira.
Quando
“voltamos” o olhar para esses cinco registros, não
é muito difícil concluir que foram importantes ao
oferecer um novo vocabulário para a compreensão do
corpo e do movimento na educação física. Com
suas convergências e distanciamentos, foram fundamentais,
assim, para uma reviravolta no estatuto do corpo nas teorizações
da área. Se Merleau-Ponty não foi o único
responsável por isso, sem dúvida sua fenomenologia
desempenhou um papel de primeira grandeza nesse sentido.
No
tópico a seguir, que é o derradeiro, problematizamos
alguns aspectos da recepção fenomenológica na
educação física brasileira.
A fenomenologia na educação física: outras problematizações...
Em
educação física, a presença da
fenomenologia, dos anos 1980 até hoje, é sinônimo
da obra de Merleau-Ponty. Talvez isso se explique pela centralidade
do corpo nas teorizações do filósofo francês,
de modo que os autores da área que operam com fenomenologia
pouco se interessaram por filósofos que, de distintas
maneiras, estiveram vinculados a essa tradição, como
Jean Paul Sartre, Alfred
Schütz,
Paul
Ricouer, Martin Heidegger etc. Ali ás, Edmundo Husserl, “pai
fundador” da fenomenologia, não é seriamente
considerado no campo. Faltam, também, estudos que avaliem as
relações que Merleau-Ponty estabeleceu com seus colegas
de “tradição”, como os acima mencionados.
E
só a partir da década de 1990, sobretudo com os
trabalhos de Kunz e Nóbrega, que podemos afirmar o
estabelecimento de uma tradição de estudos
fenomenológicos na educação física. É
possível concluir isso não apenas em função
do que foi identificado por Souza e Silva (1990, 1997) em suas
pesquisas, mas porque os usos que Santin e Sérgio fizeram
dele, nos anos 1980, não permitem afirmar que seus estudos
eram, tecnicamente falando, fenomenológicos. Havia pouca
“fenomenologia” em seus trabalhos. Situação
não muito diferente é a de Moreira (1991), que acabou
não se consolidando, na área, em torno dessa tradição.
Além disso, Merleau-Ponty “convivia”, em Santin,
Sérgio e mesmo Moreira, com perspectivas e tradições
distantes da sua, representadas por intelectuais como Foucault,
Althusser, Kuhn, Popper, Marx, Levinas, Capra, Vygotski etc. Nesse
procedimento, a fenomenologia nunca esteve em primeiro plano, como
referência condutora das reflexões. Malgrado essa
característica, é graças a Santin, a Sérgio
e a Moreira que a área começa a se aproximar do
vocabulário fenomenológico.
Com
Kunz e Nóbrega, a abordagem se complexifica. Há,
certamente, “mais fenomenologia” em seus textos. É
evidente, contudo, que há diferenças entre as
abordagens de ambos. (14) No caso de Kunz, ela foi mediada pela TSMH e praticamente restrita à
“Fenomenologia da percepção”. Essa não
é a situação de Nóbrega, pois explorou
outras obras de Merleau-Ponty e procurou desenvolver seu pensamento à
luz de teorias mais recentes. Ao fazer isso, chamou a atenção
do campo para uma espécie de redescoberta da fenomenologia de
Merleau-Ponty nas “ciências cognitivas” e na
“filosofia da mente”, atuais disciplinas que se ocupam de
temas com os quais o filósofo francês também
tratou em meados do século XX. Nesse contexto, não
deixa de ser curioso que teses fenomenológicas, muitas das
quais dirigidas contra a própria ciência, estejam sendo
retomadas/problematizadas/atualizadas por biólogos, filósofos,
neurocientistas, linguistas, físicos etc. nos debates
contemporâneos sobre a relação entre mente-corpo.
Para a educação física brasileira, isso é
tudo muito novo, o que se apresenta como um campo aberto de reflexão
e pesquisa. (15)
Outra
característica dos estudos fenomenológicos da educação
física é a circularidade em torno dos argumentos de
Merleau-Ponty, existindo pouco espaço para críticas ou,
então, para se discutir “limites” da sua
perspectiva. Se não é difícil mirar e anunciar
“quem é quem” no trabalho com fenomenologia em
educação física, tarefa mais árdua é
identificar críticas producentes a essa tradição.
As
críticas existentes são de autores que mantêm uma
relação ambígua com a fenomenologia, no sentido
de que operam com ela, mas, também, com outras referências
distintas. Esse é o caso de Betti (2006) que, mesmo
trabalhando com fenomenologia, pontuou sobre alguns limites dessa
perspectiva quando aplicada à educação física.
Destacamos dois deles, conforme Betti (2006): a dificuldade de
transportar o método fenomenológico da filosofia para a
pesquisa empírica; (16) a dificuldade com a questão axiológica, que
inexoravelmente se apresenta aos fenômenos educativos. A esse
respeito, diz o autor (2006, p. 88-89):
“Educar exige tomar partido, [o que] faz surgir as possibilidades de escolha – os valores (ABBAGNANO, 2000). Ademais, permanece na fenomenologia merleau-pontyana um resíduo de ‘não-sentido’, algo inacessível à interpretação, o que dificulta as pretensões de qualquer ‘propositividade pedagógica’ que se queira construir para a educação física. Como então manter as bases fenomenológicas (no plano ontológico) e ao mesmo tempo avançar para o plano epistemológico, da produção do conhecimento e da propositividade que possam orientar as tarefas pedagógicas da educação física? É aí que a perspectiva semiótica que privilegia a Teoria Geral dos Signos ou Lógica da Linguagem, de Charles S. Peirce, oferece um caminho promissor.”
Ghidetti
(2012) é outro autor que problematizou os usos da perspectiva
fenomenológica na educação física. Para
ele, na medida em que a TSMH se baseou exclusivamente na
“Fenomenologia da percepção”, desconsiderou
que Merleau-Ponty produziu revisões em seu pensamento que
afetaram teses presentes no livro de 1945. Isso significa dizer que a
TSMH se mantém “presa” às ambiguidades do
pensamento de Merleau-Ponty identificadas naquele livro. Dessas
ambiguidades, é claro, o filósofo francês se
ocupou na sequência do seu trabalho (Merleau-Ponty, 2004, 2006,
2012), mas isso não é incorporado pela TSMH brasileira.
Expressão disso é que, na produção
teórica de Kunz ao longo dos anos 1990 e 2000, outras
referências relativas à Merleau-Ponty têm baixa
ocorrência e quase não há efetivo debate sobre o
conteúdo delas mesmas (Ghidetti, Bracht & Almeida, 2013).
Finalizamos
chamando
a atenção
para um tema que,
embora, “atravesse” toda a obra de Merleau-Ponty (Furlan
& Bocchi, 2003), consideramos
pouco desenvolvido nos registros fenomenológicos aqui
discutidos. Referimo-nos
à linguagem e
sua relação com
a
expressividade corporal.
É
nos textos de Nóbrega onde mais aprendemos sobre aquela
relação. (17) Afirma Nóbrega (2010) que, em Merleau-Ponty, há uma
ampliação da comunicação humana que não
se limita à linguagem conceitual, mas inclui, também, a
linguagem gestual, sensível e outras formas de linguagem, como
a artística. Nesse quesito, aliás, são célebres
as análises de Merleau-Ponty sobre a pintura, em especial de
Paul Cézzane (Merleau-Ponty, 2004). Para Nóbrega (2010,
p. 89), “O corpo e a experiência de movimentos fundam a
linguagem sensível, que é plástica, poética,
configurando uma nova compreensão do ser humano e do
conhecimento”. Para o filósofo francês, o corpo
não é lugar apenas da percepção e da
ação, mas também o fulcro de nossa capacidade
expressiva e, portanto, a base de toda a linguagem e de todo o
sentido. Merleau-Ponty, desse modo, atrela a compreensão da
linguagem às experiências do corpo e da existência.
Além disso, nem tudo na linguagem se reduziria aos aspectos
conceituais, mas refletiria significados primários,
irrefletidos pela consciência, que precisam ser vividos para
adquirir sentido. Segundo a interpretação de Nóbrega
(2010, p. 89),
“É preciso reconhecer, antes do pensamento teórico, antes da significação, o sentido expressivo presente no mito, na poesia e no corpo, assumindo a ligação primordial transversal entre objetividade e subjetividade, entre a consciência, o corpo e sua expressão na linguagem.”
Apesar desses esclarecimentos, não está claro como se dá essa mediação entre o sentido expressivo do corpo e a linguagem. Em outras palavras, como esse sentido expressivo, anterior à significação, se relaciona com a linguagem? Qual é a osmose que aí se efetiva? Embora Sérgio (1987, p. 94) não tenha discutido isso em seu trabalho, ele faz a pergunta que aqui nos interessa: “[...] qual o modo de estudar o sensível (o pré-consciente, como fundo ou horizonte de toda a reflexão) sem tematizá-lo e, por conseguinte, sem a presença, também implícita, da cultura?”. Conclui dizendo que “‘O trânsito da percepção ao conceito, da zona da pré-constituição à da constituição, foi algo que Merleau-Ponty jamais conseguiu explicar’” (Sérgio, 1987, p. 94). Para empregar a própria linguagem de Merleau-Ponty (2004), como se dá a osmose entre a fala falante e a fala falada? Como se dá o retorno à origem da linguagem ou, então, a recuperação de seu movimento expressivo primário? O que é a linguagem no instante em que ela mesma se realiza como expressão? Em suma, como ocorre a passagem da linguagem em estado nascente, como ato instituinte e criativo, para a sua sedimentação, constituída por significações correntes e pelas demais formas de expressão de um dado meio sociocultural? Encerramos com essas questões, na expectativa de que elas possam provocar o debate e suscitar a conversação.
Notas
(1) Dr. Felipe Quintão de Almeida, é Doutor em Educação (UFSC). Professor Adjunto do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo (CEFD/UFES). Laboratório de Estudos em Educação Física (LESEF/CEFD/UFES). Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (CED/UFSC). Vitória, ES, Brasil. Tem experiência na área de Educação e Educação Física, com ênfase em: educação física escolar, epistemologia da educação física, história do esporte e sociologia das práticas corporais.
(2) Dr. Valter Bracht é Doutor em Filosofia (Universidade de Oldenburg). Professor Titular do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo (CEFD/UFES). Laboratório de Estudos em Educação Física (LESEF/CEFD/UFES). Vitória, ES, Brasil. Tem experiência na área de Educação Física, atuando principalmente nos seguintes temas: educacao fisica escolar, formação continuada de professores, educacão e epistemologia.
(3) Ms. Filipe Ferreira Ghidetti é Mestre em Educação Física (UFES). Laboratório de Estudos em Educação Física (LESEF/CEFD/UFES). Vitória, ES, Brasil. Tem experiência na área da Educação Física, atuando principalmente nos seguintes temas: Epistemologia e Educação Física escolar.
(4) Em outro texto (Almeida, Bracht & Vaz, 2012), discutimos a dificuldade de se reunir, numa única categoria, duas tradições de pesquisa bem distintas entre si: a fenomenologia e a hermenêutica. Além disso, manifestamos que, no trabalho de doutoramento, as dissertações que Souza e Silva (1997) caracterizou como fenomenológico-hermenêuticas não operavam, a julgar pela lista dos autores mais utilizados, nem com a fenomenologia, nem com a hermenêutica. Isso coloca em xeque, portanto, o número apresentado por Souza e Silva (1997), referente aos 21,62%. Apesar disso, vamos trabalhar com essa informação.
(5)Não podemos deixar de mencionar que, nos anos 1980, Jean Le Boulch utiliza ideias da fenomenologia em seus livros (1983, 1987), em especial, a de Merleau-Ponty, um dos grandes expoentes da fenomenologia francesa. Desconsideramo-lo, aqui, pois, no Brasil (onde seu trabalho teve grande repercussão a partir dos anos 1970), não foi reconhecido por isso.
(6) Outra curiosidade: Silvino Santin era professor da Universidade Federal de Santa Maria e orientava dissertações no Programa de Pós-Graduação em Ciência do Movimento Humano, oferecido pela instituição. As dissertações desse programa foram estudadas por Souza e Silva (1990, 1997).
(7) Ver, por exemplo, Santin (1987, p. 26, 50 e 79) e Santin (1994, p. 86, 95 e 97).
(8) Essa “virada” proposta por Santin foi devidamente criticada por Vaz (1995) e Bracht (2003). Não podendo retomá-la aqui, esclarecemos que estamos de acordo com ela.
(9) Betti (2006) também ofereceu uma descrição desse uso.
(10) Há um artigo, escrito em 1998, chamado “Maurice Merleau-Ponty: o corpo e a fenomenologia”. Foi publicado em “Episteme: revista multidisciplinar da Universidade Técnica de Lisboa”. Não tivemos, contudo, acesso a esse texto de Sérgio para avaliar sua interpretação de Merleau-Ponty.
(11) Betti (2006) e Ghidetti (2012) se ocuparam das influências fenomenológicas no âmbito do trabalho de Kunz.
(12) Por exemplo, Merleau-Ponty (2004, 2006, 2012).
(13) A respeito dessas ambiguidades, sugerimos o trabalho de Cardim (2007). Conforme ele, no livro “Fenomenologia da percepção”, Merleau-Ponty se inscreve no interior da tradição que ele procura criticar, herdando, assim, os seus pressupostos dicotômicos e permanecendo, portanto, no interior de uma filosofia da consciência que estabelece uma correlação estrita entre o sujeito e o objeto. Para Gil, nem mesmo a renovação que Merleau-Ponty empreendeu em sua fenomenologia conseguiu livrá-lo do fantasma da consciência, pois “[...] aparentemente não conseguiu destacar o conceito claro de uma experiência do invisível que deixasse de se referir em primeiro lugar ao sujeito consciente (a experiência do invisível torna-se a de uma consciência ‘indirecta’, ‘ignorante de si’, ‘não-intencional’, ‘do ser selvagem’ [...]” (Gil, 1996, p. 45). Não identificamos, nos cinco registros analisados, uma conclusão como essa. Em Nóbrega, a única das recepções aqui estudadas que reconheceu as ambiguidades do pensamento de Merleau-Ponty, não encontramos ecos desse tipo de interpretação.
(14) Apesar das diferenças, não deixa de ser curiosa a ausência de diálogo entre eles. Identificamos uma tentativa muito incipiente de conversa em Mendes e Nóbrega (2009).
(15) Nóbrega avançou pouco nesse debate, a partir da interlocução com Maturana e Varela. Recentemente, Abath e Caminha (2012) trataram desse assunto em texto no qual situam Merleau-Ponty em relação às teses do fisicalismo, doutrina que advoga ser a linguagem da Física o vocabulário de toda a ciência.
(16) Em certo sentido, isso se relaciona com um limite que Varela, Thompson e Rosch (2003) apontaram em relação à fenomenologia de Merleau-Ponty: mesmo que tenha enfatizado o contexto incorporado pragmático da experiência humana, ele o fez de maneira puramente teórica.
(17) Fora dos cinco registros aqui descritos, Betti (2006) e Ghidetti (2012) também se ocuparam disso a partir da TSHM. No âmbito dessa teoria, as reflexões sobre o conceito são muito dependentes daquilo que Merleau-Ponty disse a seu respeito na “Fenomenologia da percepção”. Sabemos, contudo, como o filósofo operou reordenações em seu pensamento após esse livro que também impactaram sobre aquilo que ele escreveu sobre a linguagem.
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Recibido: 20-11-2013
Aceptado: 07-12-2013
Publicado: 20-12-2013
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